sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
DESEJO
Para quem não tiver melhor que fazer do que passar por estas bandas durante os próximos tempos fica aqui o desejo de que tenham uns dias bem passados, partilhando com quem se pode e consegue, imunes ao cinismo consumista e inundados da esperança de que dois mil e onze traga aquilo que, de alguma forma, ainda não apareceu: a esperança é tudo. Quanto a mim, Amesterdão, Leiden e Haia; encontramo-nos em Janeiro.
O FACTOR TERMINATOR
A vitória das máquinas sobre os humanos não precisa de uma guerra nuclear ao melhor estilo de Hollywood: basta a individualização atomista, a crescente superficialização emocional e o egoísmo cego do interesse próprio. Nas palavras dos Krafwerk: we are the robots.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
A NECESSIDADE DA COMPREENSÃO VERSUS A ILUSÃO DA TRANSFORMAÇÃO
A natureza humana é a mesma há milhares de anos: os mesmos problemas, as mesmas ansiedades, as mesmas ilusões e desilusões. Por conseguinte, as principais dinâmicas sociais, na sua essência, são as mesmas também. No entanto, vivemos sobre a ideia de que o progresso e a modernidade nos irão oferecer uma espécie de paraíso terreno onde todos os problemas humanos se resolverão sobre a égide da revolução tecnológica. Nada poderia ser mais falso: qualquer que seja o cenário, a vida dos humanos - a escolha permanente na angústia da existência - permanecerá. Neste sentido o progresso não existe; é apenas uma ilusão criada pela inovação tecnológica pois a essência humana, a ontologia da nossa existência, essa é imutável - logo não progride - porque é simplesmente aquilo que é: a nossa identidade. [No dia em que a essência for outra coisa diferente do que aquilo que tem sido nos últimos - pelo menos - dez mil anos deixaremos de ser humanos] Partindo do pressuposto que o fim último da vida será a felicidade, esta nunca residirá no desejo de transformação da nossa essência mas sim no processo de compreensão, e posterior aceitação (não se pode aceitar o que não se compreende) da nossa própria identidade. Só aquele que se aceita como é poderá ser feliz; o que se auto-recusa viverá sempre na fuga de si próprio: como um cão atrás da sua cauda.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
QUARTOS ESCUROS
O Quartos Escuros faz sete anos (é ligeiramente mais novo que o pensamentos desblogueados) e eu é que tive direito a um poema. Um abraço ao João.
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
A GRANDE FARSA
"Toda a vida dos mortais não passa de uma comédia, na qual todos procedem conforme a máscara que usam, todos representam o seu papel, até que o contra-regra os mande sair de cena."
Erasmo de Roterdão, O Elogio da Loucura, XXIX (1509)
Erasmo de Roterdão, O Elogio da Loucura, XXIX (1509)
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
CONSUMISMO MODERNISTA (II)
Pressupõe a leitura disto.
O problema deste eterno rodopiar na roda do consumismo é que a ânsia que alimenta a roda onde corremos para lado nenhum é criadora, acima de tudo, de insatisfação: viver na roda do consumismo é viver numa insatisfação constante nunca apaziaguada por mais coisas que se adquiram. E nessa espiral insana alimentada pela voracidade da novidade - na ilusão de que desta vez é que a felicidade vai chegar - cria-se dívida, dívida e mais dívida. E assim perdemos a nossa liberdade: vendem-nos sonhos e cobram-nos pesadelos.
O problema deste eterno rodopiar na roda do consumismo é que a ânsia que alimenta a roda onde corremos para lado nenhum é criadora, acima de tudo, de insatisfação: viver na roda do consumismo é viver numa insatisfação constante nunca apaziaguada por mais coisas que se adquiram. E nessa espiral insana alimentada pela voracidade da novidade - na ilusão de que desta vez é que a felicidade vai chegar - cria-se dívida, dívida e mais dívida. E assim perdemos a nossa liberdade: vendem-nos sonhos e cobram-nos pesadelos.
CONSUMISMO MODERNISTA
O consumismo modernista pode ser traduzido pela arte de desejar o novo, o mais eficaz e o moderno com o intuito de se gastar o dinheiro que não se tem a comprar aquilo que não se precisa. Como o novo é sempre o que vem do amanhã então o que se acumulou do ontem é o velho, o ineficaz e o antiquado; a procura da novidade, por esta razão, é perpétua. No entanto, apesar dos elementos que perfazem a novidade serem diferentes, o objecto dessa procura é sempre o mesmo: a novidade. Concluindo: o movimento da procura do novo é eterno rumo ao mesmo de sempre; ansiando-se em permanência pelo que não se tem, corre-se sempre para o mesmo lugar, obtendo-se o mesmo de sempre. Como um hamster numa roda.
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
A INFANTILIZAÇÃO, O CULTO DA JUVENTUDE; A IGNORÂNCIA
"Se os mortais decidissem desiludir-se do amor pela Sofia [conhecimento], e preferissem o comércio com a Folia, nenhum deles chegaria a velho, todos gozariam a felicidade da juventude perpétua."
Erasmo, O Elogio da Loucura, 1509
Erasmo, O Elogio da Loucura, 1509
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
DESABAFO
Nesta sociedade com tão poucos valores e tão profundamente infantilizada não consigo compreender como é que ainda me surpreendo quando sou alvo da mais que expectável falta de educação; a falta de respeito pelo próximo é o exemplo mais flagrante da cobardia e da fraqueza de carácter.
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
A GÉNESE CRISTÃ DA EUROPA (UMA PERSPECTIVA AGNÓSTICA)
Há muito anti-cristianismo por aí. Muito modernismo que vê os valores cristãos como algo que não faz - ou não deveria fazer - parte da nossa sociedade. Parece-me que há uma importante distinção a fazer entre aquilo que é o dogma da Igreja (que podemos ver como a verdade, como uma interpretação da verdade ou como uma mentira) e os valores cristãos. Se a posição que tomamos perante o dogma é eminentemente privada já a segunda é eminentemente pública: o respeito pelo próximo, a tolerância, a noção de comunidade e que a felicidade é partilhada em paz e com respeito pelo Outro são valores de todos, que afectam todos. Posso não ver o dogma da Igreja como a minha verdade mas vejo os valores do Cristianismo como os meus valores. São, aliás, os nossos valores. Porque a Europa se fundou assente no Cristianismo:
"Para agora importa recordar, apenas, que essa Ordem [a Ordem de Cister] presidia, em todo o Mundo Cristão, à organização político-militar, ofensiva e defensiva, contra o mundo muçulmano. Para isso fundou diversas ordens de monges guerreiros, que ràpidamente se espalharam por todos os reinos cristãos, instalando-se junto à Corte dos Monarcas, constituindo o seu estado maior militar, ao passo que, simultaneamente, uma apertada rede de mosteiros fornecia aos Estados cristãos a ajuda intelectual e moral que veio a constituir o núcleo da civilização cristã capaz de apagar os fulgores do progresso islamita. Entre essas Ordens assim creadas, destacaram-se, entre nós, as dos Templários, Santiago, e Avís, verdadeiros potentados militares que, ao serviço de D. Afonso Henriques, estão na base da fundação do reino de Portugal.
Todas essas Ordens, posto que dessiminadas pelo orbe cristão, estavam directamente ligadas à casa-mãe de Cister, em Claraval, por forma que S. Bernardo, suprema autoridade de toda a organização, dirigia seguramente, da solidão da sua cela, não só a ofensiva geral da cristandade, no período da Reconquista, como a política diplomática dos Monarcas obedientes ao Vigário de Cristo na terra".
Costa Brochado, A Conquista de Lisboa aos Mouros, 1952; p. 18 [mantive o Português da época]É importante compreender que, apesar de muitas lutas motivadas por disputas de poder, muitas cisões e muito sangue, o advento de Europa tolerante, aberta e respeitadora é uma consequência directa da identidade europeia. Os nossos valores só serão europeus na medida em que concordarem com um processo valorativo que une a génese com o momento presente. Somos, por isto mesmo, todos cristãos na nossa identidade, nos valores que partilhamos. A recusa dos valores do cristianismo hoje em dia representa, portanto, uma recusa da nossa origem e daquilo que nos é comum; representa uma tentativa de criação de uma nova identidade. Se é certo que novos valores não serão forçosamente piores - ninguém de bom senso advoga a não-tolerância ou o não-respeito pelo próximo - preocupa-me a erosão do sentido de comunidade. É importante percebermos que os valores do cristianismo não são importantes por serem cristãos: são importantes porque são nossos. Se esquecermos a nossa identidade comum, como poderemos construir um futuro em conjunto? Este ponto pode parecer menos importante para quem defenda os valores universais modernistas do "somos todos iguais no mundo inteiro" mas representa um problema: os Chineses têm uma cultura própria, os Americanos também e os indianos idem; ninguém duvida que os Árabes a têm. Se não souber a Europa manter a sua identidade (concorrencial com o resto do mundo) será colonizada. Aos poucos e poucos, pela atomização crescente, o individualismo, o consumismo, a não-identidade valorativa lá vai a Europa definhando, incapaz de manter uma curva de natalidade que assegure o futuro desta civilização milenar. Porque não há uma comunidade que sobreviva sem um entedimento comum sobre os valores que partilha, o ataque aos valores que nos unem (e a recusa de aceitar com orgulho de onde vimos e o que representamos) será apenas mais uma pedra no túmulo do nosso desaparecimento.
A GUERRA
O sábio sabe, porque ninguém nasce ensinado, como é ser ignorante; o ignorante, porque não sabe, desconhece o que é ser sábio. Por estas duas singelas razões, o sábio consegue colocar-se no papel do ignorante ao passo que o ignorante não se consegue colocar no papel de ninguém. O sábio, através da empatia - a capacidade de se colocar no papel do Outro - percebe a inutilidade de tudo, coisa que lhe transmite a serenidade da aceitação; já o ignorante vê a serenidade do sábio e por isso cobiça-lhe a sabedoria. E assim, da inveja dos ignorantes, se faz a guerra.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
NOVAS PALAVRAS
Vambutrização, f. Acto ou efeito de vambutrizar.
Vambutrizar, v. t. Acção típica do vambutre.
Vambutre, adj. Junção de vampiro com abutre; aquele que vive sugando o sangue da sua vítima e que, uma vez morta a vítima, continua alimentando-se da sua carcaça. Parasita. Carrasco impiedoso.
Exemplo prático: José Sócrates é um vambutre; O Governo PS é perito na vambutrização.
Vambutrizar, v. t. Acção típica do vambutre.
Vambutre, adj. Junção de vampiro com abutre; aquele que vive sugando o sangue da sua vítima e que, uma vez morta a vítima, continua alimentando-se da sua carcaça. Parasita. Carrasco impiedoso.
Exemplo prático: José Sócrates é um vambutre; O Governo PS é perito na vambutrização.
OS DIAS DO FIM
Perdidos atrás das cenouras tecnológicas (LCD's, Bimbis e topos de gama) percorrem os Europeus as estradas do endividamento ignorando os sinais que anunciam os dias do fim: esquecem-se que a dívida é inimiga da liberdade e que sem liberdade não há nada; ou melhor, há a ausência de liberdade que, garantem os que disso se lembram, é qualquer coisa que impele a combates sangrentos e mortais. Dias de violência e morte nos esperam, portanto.
OS DONOS DO AMANHÃ
"Nascemos uma só vez, não podemos esperar nascer de novo, pois ninguém precisa de viver eternamente. Tu, porém, não sendo dono do amanhã, adias o tempo presente. Assim, a vida dissipa-se no adiamento e cada um de nós morre atarefado."
Epicuro, Sentenças Vaticanas
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
A ESSÊNCIA
Não há emoção que não dê num pensar como não há um pensar que não advenha de um sentir. É essa a nossa essência: uma emoção reconhecida.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
terça-feira, 23 de novembro de 2010
O PROGRESSO E O CARROSSEL
A atitude dos humanos face ao progresso faz-me lembrar a das crianças face aos brinquedos: primeiro sonha-se, a seguir deseja-se, depois obtém-se para, finalmente, o deixar apodrecer numa gaveta porque já se sonha com uma coisa nova. Nos entretantos deste eterno passear no carrossel gasta-se o tempo em desejos e vontades esquecendo-se que há mais na vida do que desejar e ansiar por brinquedos novos.
MANIFESTO ALENTEJANO: A CRUZADA PELA ROLHA DE CORTIÇA
Documentário: "Forest in a Bottle" from EcoLogicalCork.com on Vimeo.
Sou um Alentejano de coração. Costumo por lá andar, quer perdendo-me por entre os seus sobreiros e oliveiras, quer mergulhando no azul único do seu oceano atlântico. Uma costa irrepetivel, imensa e selvagem que delimita o fim da Europa e o começo do fim do mundo: depois do Alentejo não há mais o mundo dos homens. E é nesse estertor final da civilização europeia, dita Portuguesa porque diferente do resto da Europa, que se penetra num mundo mágico e improvável. Desde as planícies que nos inundam de um espaço que o continente já perdeu, até aos montes que nos oferecem vistas sem fim, alentejanar é perdermo-nos. É irmos à deriva por uma terra batida que acaba nunca, respirando o picante das estevas para depois, limpando o suor purificador que nos escorre pela fronte, descansar por debaixo da cortiça de um sobreiro, sonhando que - nas palavras do poeta - haja paz do lado de lá dos montes. Fechar os olhos e deixar a brisa percorrer-nos o corpo ouvindo, ao longe, os diferentes cantares do pássaros ou o badalo de uma vaca e, enlevados, deixarmo-nos sonhar. Alentejo é liberdade porque nos faz sonhar; porque podemos sonhar. E, à noite, com um jarro de barro cheio do espesso e aveludado tinto, sentados numa mesa de madeira com pregos de ferro, comungar com o Outro sobre o que é isto de ser humano. Venha a açorda que amanhã é outro dia. E ri-se a alentejana, com aquele seu ar sabido e simultaneamente tímido; fugidia, mas uma mulher de armas: são bonitas as alentejanas. No Alentejo vive-se outro mundo: não há Chanel, Sephora ou Zara, nem há IPad's, Iphone's ou wireless; também não há betos, dredes ou nigga's, homo, hetero ou metro sexuais. No Alentejo há homens e mulheres: levantados do chão, como os Trovoada, espraiam-se pela planície sem fim. Vivem e morrem dentro da taipa e debaixo dos sobreiros, desde sempre e para sempre. Não há tempo, há gente. Gente que vive e morre como gente que é e não como o píxel televisivo que gostaria de ser. Identidade: Alentejo é viver porque permite viver como verdadeiros homens e mulheres que são.
Depende o montado Alentejano e toda a vida única que nele habita de comprarmos nós - sim, depende de nós - garrafas de vinho com rolha de cortiça: sem rolhas de cortiça, desapareceria a indústria da cortiça o que tornaria o sobreiro numa árvore não rentável. E depois seria uma questão de tempo até vermos qualquer outra coisa no seu lugar. E toda a vida selvagem do Alentejo depende do sobreiro. Para mim uma garrafa de vinho sem rolha de cortiça não é uma garrafa de vinho. Não o é por questões culturais, enófilas e, também (como o documentário comprova) ambientais. Nós podemos verdadeiramente fazer a diferença e o Alentejo agradece. Espalhemos, portanto, a boa nova: comprando garrafas enrolhadas com cortiça e recusando as roscas metálicas ou as rolhas plásticas contribuímos directamente para a preservação sustentável de uma das belezas naturais de Portugal, e do mundo, bem como do seu único e irrepetível modo de vida.
*[E os senhores da Quinta do Côto com o seu marquetinzinho oportunista a impingirem a rolha metálica de rosca [ah, é tão mais fácil, rápido e eficaz; é novo, moderno; é o progresso que vem do estrangeiro; infiéis! Traidores! Pequenos ajudantes de Satã que formam esta sociedade IKEA, higiénica e de plástico que vive no imediato e tem, que nem as criancinhas, de ter tudo o que quer já, sem trabalho, agora e sem esforço; coitadinhos dos humanos retrógados que ainda têm que sacar rolhas de uma garrafa; irra, não se pode sequer ter trabalho com uma rolha (gosto, seus robóticos humanóides, abrir uma garrafa de vinho é um gosto, um prazer)] mas, dizia eu, esses senhores da Quinta do Côto, na esperança de fazerem mais uns cobres, tentarem vender mais mesmo que nunca tão mau o seu vinho tenha sido como o é hoje, a esses senhores grito-vos, em plenos pulmões: ide-vos empalar no poste mais próximo! De preferência um bem alto e pejado de ferrugento arame farpado. Ignorantes oportunistas.]
sábado, 20 de novembro de 2010
O MITO E O SONHO
"Quando toda e qualquer árvore pode falar uma vez como ninfa ou quando, disfarçado de toiro, um deus pode raptar donzelas, quando a própria deusa Atena é vista de repente como passando pelos mercados de Atenas num belo carro de cavalos, acompanhada por Pisístrato - e nisso acreditavam os bons atenienses - , então em cada instante tudo é possível como no sonho, e a natureza inteira enleia o homem, tal como se ela só fosse um jogo de máscaras dos deuses que, por brincadeira, gozam o homem sob todas as formas."
Friedrich Nietzsche, Acerca da Verdade e da Mentira, 1873
Friedrich Nietzsche, Acerca da Verdade e da Mentira, 1873
DA DISSIMULAÇÃO
"No homem, esta arte da dissimulação atinge o seu ponto mais alto; nele a ilusão, a lisonja, a mentira e a fraude, o falar nas costas dos outros, o representar, o viver no brilho emprestado, o usar uma máscara, a convenção que oculta, o jogo de cena diante dos outros e de si próprio, numa palavra, o esvoaçar constante em torno dessa chama única, a vaidade, são de tal modo a regra e a lei que não há quase nada mais inconcebível do que o aparecimento nos homens de um impulso honesto e puro para a verdade."
Friedrich Niettzsche, Acerca da Verdade e da Mentira, 1873
Friedrich Niettzsche, Acerca da Verdade e da Mentira, 1873
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
A FELICIDADE NA VIRTUDE DO MEIO TERMO
Se é verdade que levar uma vida guiada apenas pelos prazeres imediatos e ausente da racionalidade inquisitiva oferecida aos humanos é uma vida que não se potencia a si própria e, por contágio, causa problemas nos outros - para não se fazer mal aos outros têm de se pensar quanto mais não seja, pensar nos outros; no entanto, também não será menos verdade que uma vida racionalista, própria de grandes pensadores (ou que o pretendem ser), guiada única e exclusivamente pelo pensamento - a razão - e despida das emoções será igualmente uma vida incompleta, aquém da potência máxima humana. E, não tenhamos dúvidas, também esta segunda forma de vida, tristonha e fria, não deixará de não cumprir para com o outro - o outro a quem muitas vezes basta um sorriso para que se imponha o tal bem - tal como falha perante si própria porque não há vida humana cujo objectivo máximo não seja a felicidade. Como pode ser feliz o humano que, preso às emoções não atinge a razão? Não pode, é um escravo do sentir. E como pode o humano que, preso aos caminhos infinitos da razão, não atinge a emoção? Não pode, é um escravo do pensar. A felicidade, portanto, será a libertação máxima: o corte com os grilhos do pensar que libertem o nosso sentir e o corte com os grilhos do sentir para que libertem o nosso pensar. No meio é que está a virtude: não basta saber pensar, é preciso também saber sentir.
A PRISÃO
E o que sobra na sociedade "moderna" plena de "progresso" e de vazio valorativo para lá da egótica medida dos homens? Quando apenas a medida conta, a comparação do "meu é maior que o teu", então a chica-espertice impera: importa parecer grande; ser dá demasiado trabalho, faz perder tempo precioso à actividade do parecer e, muito importante, ser não implica parecer porque num mundo de parecenças, a sabedoria passa despercebida perante a assembleia da ignorância.
E lá temos nós de os ouvir por essas televisões e rádios, cheios de si próprios, espalhados por essas assembleias, sempre de voz altiva e boca muito aberta, como os peixes num aquário à procura de alimento, sempre a debitar "opinião", sempre cheios de certezas e de soluções, sempre a exalar o fedor próprio da auto-volúpia, do narcisismo e da mais simples e pura estupidez. Ignóbil sacrifício este de ter de os aturar! Passados todos estes anos - dois mil e quinhentos, quase - cá continuamos: na mesma como a lesma; uma prisão, portanto.
"Mas aquele habilidoso e desconfiado, que cometeu muitas injustiças e se tem na conta de pessoa cheia de aptidões e sábia, quando convive com os seus pares, revela a sua astúcia, examinando à distância os modelos que existem nele mesmo. Porém quando se aproxima de homens bons e já mais velhos, parece tolo, desconfiado, fora de propósito e desconhecedor do que seja um carácter são, por não ter em si o modelo respectivo. Mas como se encontra mais vezes com os maus do que com os bons, parece mais sábio do que ignorante, aos seus olhos e aos dos outros."
Platão, A República; 409d
E lá temos nós de os ouvir por essas televisões e rádios, cheios de si próprios, espalhados por essas assembleias, sempre de voz altiva e boca muito aberta, como os peixes num aquário à procura de alimento, sempre a debitar "opinião", sempre cheios de certezas e de soluções, sempre a exalar o fedor próprio da auto-volúpia, do narcisismo e da mais simples e pura estupidez. Ignóbil sacrifício este de ter de os aturar! Passados todos estes anos - dois mil e quinhentos, quase - cá continuamos: na mesma como a lesma; uma prisão, portanto.
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
AUTO-SEGURANÇA
No meio do caos, embebidos num risco permanente (só o morto não se arrisca a morrer) o desprendimento será a única forma de auto-segurança: só o desprendido poderá arriscar; e o amor, perguntarão vocês? Bem, o amor não vem apenas de dentro por isso, a dar segurança, não poderá ser auto.
OS POLÍTICOS E O ESTADISTA
Sinto a necessidade, e já vem tarde, de justificar a súbita, se bem que previsível, aparição daquela fotografia ali no topo da barra do lado direito do blog: sim, eu apoio o Professor Cavaco Silva. E se me quiserem ler até explico porquê. Existirão, na minha perspectiva, dois rótulos com que podemos epitetar as personagens do jogo político. Em primeiro lugar, serão os políticos. O político é alguém que se distingue por ter a capacidade de iludir a realidade antes de ele próprio se desiludir com ela. Será, portanto, um vendedor de sonhos, um progressista, um semeador de ilusões: o político assume um conhecimento (que não tem) do futuro e entusiasma os restantes com a discrição de algo que não existe (o amanhã). Naturalmente, quando o amanhã, com todas as suas incertezas e na sua plena complexidade chega tende a ser diferente do rudimentar sonho do político. Com toda a naturalidade, desmentido pela realidade, após gastos inauditos num sonho por concretizar, sobra ao político culpar (quem?) , o mundo, pois claro. Destes temos aos pontapés: e por isso estamos como estamos. A outra categoria de personagem política é o Estadista. O Estadista distingue-se por ter a capacidade de não se iludir por sonhos descabidos e, ao contrário do político, não pretende iludir ninguém porque já está ele próprio, o Estadista, desiludido com a realidade. Ele não pretende conhecer, ele conhece. Ele não faz crer que compreende; ele compreende, de facto. Porque sabe que a realidade é complexa compreende que não pode mudar tudo o que imaginaria poder ser mudado e, por esta singela razão, consciente das suas naturais humanas limitações, pretende apenas contribuir para que as pessoas, através de correctas e simples medidas, possam genericamente viver melhor. É um conservador, portanto: a vida já é complicada o suficiente para que um qualquer vendedor de sonhos a complique ainda mais. Do político progressista sobra, normalmente, um declínio no nível de vida e uma dívida que alguém terá de pagar; do Estadista deriva, normalmente, uma melhoria generalizada das condições de vida. E que se poderá pedir mais a uma personagem da política se não que contribua para que aqueles que o elegeram vivessem melhor? Em Portugal, políticos tivemos e temos muitos; Estadistas, tivemos poucos e vivos só temos um. Apenas o Professor Cavaco Silva conseguiu fazer com que, com muitos erros e defeitos, certamente, após a sua passagem pelo Governo as condições de vida, a saúde financeira e económica do país e o bem-estar económico e social conhecessem verdadeira e factual melhoria. E, neste caso, uma melhoria abissal. É, efectivamente, um Estadista, alguém em que eu consigo confiar. Apesar de ter desejado um primeiro mandato mais interventivo, entre o que aqui se descreve e os dois ou três semeadores de sonhos contradizentes a cada semana que passa que se lhe opõem, a escolha não se me afigura difícil; nada difícil, diria mesmo óbvia.
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Shivaree, "Goodnight Moon", I Ought Give You a Shot in the Head fos Making me Live in This Dump (1999)
CONFUSÃO DENTÁRIA
Não sei quantos dentes, entre os caninos e os incisivos, existirão na parte da frente da boca humana mas sei que o Sr. António da drogaria só tem um. Imagino que a um ancião dos seus oitenta anos não se exijam grandes preocupações estéticas. O que me faz confusão é pensar no Sr. António e num bife; ou uma torrada de pão alentejano, vá lá. Isso é que me faz confusão.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
O SENTIDO DA VIDA
Não sei bem como começar esta história. Não sou escritor, pelo que penso que não saberei escrevê-la de forma conveniente. Para piorar ainda mais o nível de dificuldade da tarefa apesar do indelével interesse da mesma não sei bem como apresentar a história que vos quero contar. Há histórias que são inventadas e as pessoas gostam, imploram mesmo para as ouvirem por mais de uma vez – ai Adérito, conta lá ao Júlio como foi daquela vez que estiveste em Barcelona. Outras são meramente relatos fidedignos e, por essa estrita razão, assumem-se como mais um pequeno pixel na pastosa massa que compreende a nossa realidade. Nada de especial, a realidade, seja ela tida como mágica ou mero espasmo temporal, a verdade é que é real – igual para todos., portanto banal. Que há de especial então que mereça ser contado? Não sei responder a tal questão, no entanto, por vezes, não haverá maior sucesso ao contar uma história do que a mais fina certeza da sua veracidade: - garanto-te que foi assim mesmo que se passou, dirá o narrador ufano do seu feito de contador de histórias, e o pasmo será geral, precisamente porque se assegura a veracidade do relato que se apresenta. No presente caso, a história que pretendo contar será, por um lado uma invenção da minha mente, porque tudo o que penso não deixo de, até certo ponto, inventar. Por outro lado, porque sei que é real, então a história também o será. Uma invenção real, portanto. Como definir a história então? Por ventura poderei começar por afirmar que é uma grandessíssima merda. É melhor assumi-lo já. Uma poia contada. Uma bosta verbal veiculada por quem não tem nada melhor do que fazer do que aborrecer alguém com um pedaço insignificante da sua desinteressante vida pessoal. É assim a solidão. Até um pedaço de presunto que se alojou na cova de um dente durante três irritantes dias se torna motivo de conversa. Então, como vai, perguntou ele - o velho – em tom apressado, próprio de quem apenas assegura o cumprimento de uma obrigação social; ai, Sr. Castelo – disse a velha -, nem queira saber – e não quer mesmo – a ciática não me larga e – agarra-lhe o braço – agora com a mudança do tempo está pior, insuportável, sou uma desgraçada da vida, que terrível coisa esta, apenas estou para aqui à espera que a terra se abra e me engula por ela adentro, pelo magma do manto até ao núcleo de ferro, arderei no Quinto dos infernos, arderei – quero ser cremada, sabia? – arderei até não haver mais nada por onde arder. É uma história também. Uma história que ninguém quer ouvir. A solidão dos homens faz-se plena de histórias que ninguém quer ouvir. Por essa razão, não sei sequer porque quero eu contar a história que quero contar e que, por ventura, ninguém quererá ouvir. Talvez porque, penso eu, esta história, apesar de ser uma merda, é uma merda linda. Perfumada, perguntarão vocês? Também. Se um perfume é cheiroso ou não será uma matéria de subjectiva opinião. Mas é uma merda linda, mais do que perfumada, é bonita. Intensa. Estruturalmente bem feita. Uma merda mas uma merda perfeita. Não deixa de ser uma merda, atenção; é simplesmente a merda mais extraordinária do mundo. Talvez a verdadeira razão por detrás de tal vontade contadora de histórias seja o facto desta história encerrar dentro de si própria o mais profundo e desejado tesouro que a humanidade , desde sempre, procurou. Como assim?! Um tesouro? – acenas com um tesouro e todos te seguirão, disse o Sr. Laurentino - exacto, respondo eu: encerra a história que vos vou contar o segredo para a compreensão do sentido da vida. Não pode ser, isso é impossível, ninguém sabe com toda a certeza qual o sentido da vida, dirão vocês. Bem, responderei eu, quem ler a minha história, lê-la bem, mesmo bem, ficará a saber qual o sentido da vida. Ah, conta, então – o marqueting faz sempre efeito – por favor elucida-nos com a tua suprema sapiência. Ora, pois com certeza. Então a história reza assim: [voltar ao início]
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
TRATADO SOBRE A VELHICE
Quando passo por essas ruas da cidade; quando espreito pelos pixeis da televisão, ou, simplesmente, quando olho nos olhos dos velhos da vida; quando nos seus rostos - os dos velhos - vejo as marcas de uma vida quase inteira, porque já quase passada; quando nas suas vozes - as dos velhos - vislumbro a audição de uma tristeza sem nome; quando os oiço - aos velhos - praguejar na farmácia - porque a reforma não dá para tanto medicamento; quando os vejo - sim, os velhos - abandonados, esquecidos, arrumados, emprateleirados, ostracizados a apodrecer, esperando a morte, nas casas velhas, sem condições, sem espaço, sem dignidade - sim, sem dignidade - que construímos para eles. Quando tudo isto - e muito mais - perpassa a minha mente lembro-me de uma resposta de Sócrates aos apelos do ansião Céfalo para que aquele o visitasse com maior frequência:
"- Com certeza, ó Céfalo - disse [Sócrates] - , pois é para mim um prazer conversar com pessoas de idade bastante avançada. Efectivamente, parece-me que devemos informar-nos junto deles, como de pessoas que foram à nossa frente num caminho que talvez tenhamos de percorrer, sobre as suas características, se é áspero e difícil, ou fácil e transitável. Teria até gosto em te perguntar qual o teu parecer sobre este assunto - uma vez que chegaste já a esse período da vida a que os poetas chamam estar no limiar da velhice."
Platão, A República, 329eReparemos que os motivos para o prazer de Sócrates em visitar Céfalo não serão propriamente altruístas: há o interesse em perceber junto daqueles que já percorreram o caminho da vida que coisa é essa de viver. É um interesse, um aproveitamento, não uma simples caridade. O nível de uma sociedade averba-se, sem dúvida, a um nível emocional, pelo respeito altruísta e humano que tem pelos mais velhos. A forma como, a este nível, tratamos os nossos velhos só demonstra a nossa fraqueza de carácter; mas, a outro nível - o racional - mede-se a maturidade da nossa sociedade pela aprendizagem que esta ganha junto dos velhos porque - cada um na sua experiência - são esses os verdadeiros sábios da vida; os velhos - sim, os velhos - são o nosso farol. O desprezo a que os votamos não é apenas a prova da nossa desumanidade atroz: é também a mais simples e pura evidência de uma estúpida e infantil idiotice. No final, não deixa de ser um verdadeiro equilíbrio: possam as sociedades altruístas beneficiar da experiência e conhecimento dos velhos; quanto às outras - sim, nós, não duvidem -, possam essas se perder nos sinuosos caminhos da vida porque afundaram com o seu fraco carácter pejado de individualismo os seus faróis da vida; e que seja essa a paga pelo egoísmo que demonstram idolatrar. Concluindo, não somos apenas maus: somos burros. Trogloditas, portanto.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
O HOMEM E O REI
"O homem é visivelmente feito para pensar; é toda a sua dignidade e todo o seu mérito, e todo o seu dever é pensar como deve ser. (...) Ora em que pensa o mundo? Nunca nisto; mas em dançar, em tocar lira, em cantar, em fazer versos, em jogar ao anel, etc., em se bater, em se fazer rei, sem pensar o que é ser rei, e o que é ser homem."
Pascal, Pensamentos, 146; 4
Pascal, Pensamentos, 146; 4
A ORIGEM DA SENSATEZ
"Pois segundo entendo, no limite do cognoscível é que se avista, a custo, a ideia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto há de justo e de belo; que no mundo visível, foi ela quem criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para se ser sensato na vida particular e pública."
Platão, A República, 517:a
Platão, A República, 517:a
POIS
Hoje passei por alguém que já não via há alguns anos. Reparando na sua barba grisalha e nos seus abundantes cabelos brancos, não pude deixar de me perguntar como poderia alguém que eu sabia ser da minha idade estar tão velho. Pois.
sábado, 16 de outubro de 2010
ANO VIII
Há uns dias atrás este blog entrou no seu oitavo ano de existência. É algo marcante não tanto por algum esforço assinalável do seu autor mas pelo que o blog, ele próprio, já contém: uma mudança em permanência; mantendo-se uma essência mudam-se outras essências. Na multiplicidade da existência tudo é volátil e efémero, mesmo nós. Quando olho para o rapaz - sim, o rapaz - que começou este blog vejo-me a mim e, ao mesmo tempo, vejo uma outra pessoa, um eu passado, alguém que já não existe a não ser nas memórias de mim, não mais diferente do que os mortos que vivem nas memórias dos vivos. Tal como os humanos, mudou este blog várias vezes de aparência, de tipos de conteúdos, de inspirações e de vontades; mudou mas não deixou nunca de ser o meu blog, de ser o pensamentos desblogueados; um fiel companheiro, portanto. Uma memorização externa dos eus que passam por mim. É isso que este blog para nós (os eus que são e os eus que foram) significa: um percurso. E como todos os percursos, não me preocupa tanto para onde vai mas sim por onde passa. E este hoje passou por aqui. Mais uma vez. Obrigado a todos os que nos acompanham.
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
ÀS ARMAS
Não é que não goste do josé sócrates; simplesmente acredito que ele é o Anti-Cristo, filho do Príncipe de Satã, seu verdadeiro Mestre e Amo, enviado à Terra para destruir Portugal. Que estafermo.
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
A SOLIDÃO DOS HOMENS
Assumamos: estamos a cumprir pena; a solidão é a condenação dos homens. E passamos a vida a tentar quebrá-la. Vislumbramos a fusão, o uno, mas por mais cópula que se faça, por mais que nos penetremos e que nos perscrutemos, no final, extenuados, com a sensação de dever cumprido, não faltarão muitos minutos para compreendermos que permanecemos a parte distinta do todo. Uma parte à parte. A prole talvez seja a fusão. Mais um sonho?, ou, quiçá, pelo contrário, apenas um vislumbre solarengo e ilusório por entre as barras da janelita do cárcere. No fundo, só se sabe quando se lá chega. E, por essa importante razão, aqui continuamos no carrossel da solidão: há sempre um amanhã, até ao dia em que não há, sempre na dúvida se será esse dia o dia da libertação ou simplesmente o fim de tudo.
A ESCOLHA
Podem inventar um novo mundo, um admirável ou melhor ainda do que isso; se não chegar, podem inventar mais do que um: dois ou três, quatro, porque não?, cinco, ou mesmo seis. Podem pegar em tudo o que existe que causa desconforto e intentar torná-lo confortável, podem querer controlar, dominar, conter, predominar, reprimir, refrear ou subjugar o incerto; podem querer superintender, dirigir e verificar o desconhecido; podem querer fiscalizar, vigiar e restringir o medo: a segurança e o certo, portanto. Falharão, no entanto. Dessa correria e de todo esse esforço destruidor de tudo o que é bom e aprazível nada virá a não ser a incontornável conclusão de que qualquer que seja o cenário, a vida, a vida dos homens, é e sempre será a mesma: a escolha entre o Bem e o Mal.
PROGRESSO
O progresso e o modernismo não são mais do que duas palavras que implicam a destruição de tudo o que conhecemos e a imposição de algo que não sabemos muito bem o que é.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
ANDREW BIRD, O SUBLIME
"The «near death experience» experience: where you take a pill to have a near death experience but... a safe one. Just to enjoy life a little bit more."
Andrew Bird, Aula Magna, 7 de Outubro de 2010
Andrew Bird, Aula Magna, 7 de Outubro de 2010
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
SOZINHO
A condescendência e a arrogância podem perfeitamente ser palavras terceiras para a vanguarda incompreendida. Não sendo, compreendendo todos os que não entendem tal conceito, esperarei calmamente do alto do meu posto pelo momento de compreensão generalizada. Provavelmente sozinho. Assim seja.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
867
Portugal faz hoje oitocentos e sessenta e sete anos. Ninguém fala disto. Comemorar a implantação da república e não se referir (em lado algum) que hoje é o aniversário de Portugal é um ultraje. Seria como comemorar todos os anos o aniversário da primeira comunhão, ou do primeiro dia de escola, ou do primeiro beijo e nunca, nunca, comemorar o dia do nascimento. Patético. A grande conquista da esquerda e da extrema-esquerda pós-25 de Abril é a erosão do orgulho, dos valores e de parte da identidade nacional a coberto do medo, sempre o medo, do regresso do "fascismo". Não há fascismo nenhum. Só medo. E ódio. Como todos os ódios, também esses, um dia, serão derrotados. Parabéns Portugal.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
QUINTA-FEIRA, NA AULA MAGNA
Andrew Bird, A Nervous Tic Motion of The Head To The Left, Live at Bonnaroo - June 16, 2006 - Manchester, TN.
domingo, 3 de outubro de 2010
AINDA AQUI ESTAMOS (ou: como a génese da problemática cultural portuguesa deriva em grande medida da acção directa e indirecta da extrema esquerda no pós-25 de Abril)
"Porém, o caminho de regresso a esses ideais [a Democracia na Liberdade assente nos Direitos do Homem] apresenta-se, ainda, coalhado de obstáculos, não sendo fácil sair-se de um estado de desequilíbrio gerado por antagonismos sociais alicerçados no ódio entre classes, criminosamente fomentado por falsos ideólogos e alimentado pelo parasitismo dos que, apenas movidos pela ânsia de satisfação das suas ambições pessoais, se transformaram em pedras executórias de um plano de destruição do País.
(...)
Só assim se compreendem os aumentos de salário sem incentivar o aumento de produtividade sabendo-se que , em breves meses, esses aumentos não teriam qualquer significado no poder de compra. Só assim se compreende que se tenham destruído os «velhos monopolistas» de uma forma primária, em vez de os enquadrar e sujeitar a regras de justiça social, e surja uma nova classe de servidão do monopolismo estatal composta por parasitas sociais, que, sem a menor capacidade de gestão, se limitam a ser agentes de transmissão entre os trabalhadores e os governante. Enquanto estes, colocados na posição de superadmnistradores de empresas e sem a menor possibilidade de definirem uma política de desenvolvimento, geram a ruína da economia nacional.
Ao mesmo tempo, o funcionalismo público, as pequenas e médias empresas, os trabalhadores de serviços sem possibilidade de actualizarem convenientemente os seus proventos, as pessoas de rendimentos fixos que que vivem do que pouparam numa vida inteira de labuta, todos estes que, no seu conjunto, formam a classe média do País, encontram-se à beira da destruição, caminhando-se para um vazio social propício à indignação e à revolta.
(...)
Neste quadro social, com uma balança de pagamentos altamente deficitária, a gastar-se muito mais do que se produz, com o ouro a esvair-se, com empréstimos sobre empréstimos sem uma correcta aplicação em planos de desenvolvimento, tudo conduz para uma terrível situação que os portugueses em tempo algum sonharam: a «colonização» de Portugal.
Afinal nós os «colonialistas», os «homens do Império», passados a cidadãos de um pequeno e pobre país, sem dimensão universal e sem grandeza cultural, por virtude da nossa própria incapacidade, sujeitamo-nos a uma colonização financeira e tecnológica e, por esta via, a perder a independência."
António de Spínola, País Sem Rumo, 1978; pp. 361-3 [Negritos meus]
(...)
Só assim se compreendem os aumentos de salário sem incentivar o aumento de produtividade sabendo-se que , em breves meses, esses aumentos não teriam qualquer significado no poder de compra. Só assim se compreende que se tenham destruído os «velhos monopolistas» de uma forma primária, em vez de os enquadrar e sujeitar a regras de justiça social, e surja uma nova classe de servidão do monopolismo estatal composta por parasitas sociais, que, sem a menor capacidade de gestão, se limitam a ser agentes de transmissão entre os trabalhadores e os governante. Enquanto estes, colocados na posição de superadmnistradores de empresas e sem a menor possibilidade de definirem uma política de desenvolvimento, geram a ruína da economia nacional.
Ao mesmo tempo, o funcionalismo público, as pequenas e médias empresas, os trabalhadores de serviços sem possibilidade de actualizarem convenientemente os seus proventos, as pessoas de rendimentos fixos que que vivem do que pouparam numa vida inteira de labuta, todos estes que, no seu conjunto, formam a classe média do País, encontram-se à beira da destruição, caminhando-se para um vazio social propício à indignação e à revolta.
(...)
Neste quadro social, com uma balança de pagamentos altamente deficitária, a gastar-se muito mais do que se produz, com o ouro a esvair-se, com empréstimos sobre empréstimos sem uma correcta aplicação em planos de desenvolvimento, tudo conduz para uma terrível situação que os portugueses em tempo algum sonharam: a «colonização» de Portugal.
Afinal nós os «colonialistas», os «homens do Império», passados a cidadãos de um pequeno e pobre país, sem dimensão universal e sem grandeza cultural, por virtude da nossa própria incapacidade, sujeitamo-nos a uma colonização financeira e tecnológica e, por esta via, a perder a independência."
António de Spínola, País Sem Rumo, 1978; pp. 361-3 [Negritos meus]
DÉJÀ VU
"Com efeito, ao minimizar a crise económica e ao ignorar o seu inevitável agravamento perante a crescente deterioração do sector do Trabalho, o Primeiro-Ministro* revelava-se incapaz de dominar uma situação cuja gravidade não reconhecia ou, pior ainda, procurava omitir por razões de ordem política."
*Vasco Gonçalves
António de Spínola, País Sem Rumo; p. 210
*Vasco Gonçalves
António de Spínola, País Sem Rumo; p. 210
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
ABOUT TO LOSE MY MIND
Credence Clearwater Revival, I Heard it Through The Grapevine, Cosmo's Factory (1970)
[Cover do original de Smokey Robinson & The Miracles (1966)]
[Cover do original de Smokey Robinson & The Miracles (1966)]
PONTO DE SITUAÇÃO
Evito escrever no blog grande coisa sobre este pacote de medidas apresentado pelo governo. Talvez duas coisas evidentes mas que me parecem fundamentais: primeiro, que a única razão pela qual tamanhas medidas são necessárias deve-se à profunda incompetência da governação socialista que nos colocou na situação onde estas medidas seriam inevitavelmente necessárias; segundo, tenho sérias dúvidas que sejam implementadas tal como foram apresentadas. Infelizmente, e ao escrever estas palavras contenho com força a revolta que me inunda, mais tarde ou mais cedo pior ainda virá. Este país só mudará de vida quando percebermos que não se pode viver à conta do Estado; ou melhor, poder, pode-se, mas mal.
VER ESTE SOCIALISMO MARQUETISTA E LADRÃO DÁ NISTO
"To be governed is to be watched, inspected, spied upon, directed, law-driven, numbered, regulated, enrolled, indoctrinated, preached at, controlled, checked, estimated, valued, censured, commanded, by creatures who have neither the right nor the wisdom nor the virtue to do so. To be governed is to be at every operation, at every transaction noted, registered, counted, taxed, stamped, measured, numbered, assessed, licensed, authorized, admonished, prevented, forbidden, reformed, corrected, punished. It is, under pretext of public utility, and in the name of general interest, to be placed under contribution, drilled, fleeced, exploited, monopolized, extorted from, squeezed, hoaxed, robbed; then, at the slightest resistance, the first word of complaint, to be repressed, fined, vilified, harrassed, hunted down, abused, clubbed, disarmed, bound, choked, imprisoned, judged, condemned, shot, deported, sacrificed, sold, betrayed; and to crown all, mocked, ridiculed, derided, outraged, dishonered. That is government; that is its justice; that is its morality."
Pierre Joseph Proudhon, citado em Robert Nozick, Anarchy, State and Utopia, 1974
Pierre Joseph Proudhon, citado em Robert Nozick, Anarchy, State and Utopia, 1974
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
MAL MENOR
A propósito do post anterior. Como é evidente, mesmo que as regras de contenda argumentativa fossem respeitadas continuaria o debate eternamente. Isto porque iremos sempre discordar tanto quanto ao que existe tal como quanto ao que desejaríamos que existisse. Um debate racional, no entanto, permitiria que nos entendêssemos melhor e, pelo menos, no meio de toda a incerteza, chegássemos a melhores decisões. No mínimo, que eliminássemos aquelas que, de forma grosseiramente evidente, são más; como, por exemplo, as do actual governo e que rejeitássemos os marquetistas demagogos rastejantes que nele habitam.
AS REGRAS DO JOGO
Para que seja possível um debate livre, honesto e aberto - frutífero, portanto - é preciso que, para tal esgrima de argumentos, tal como nas batalhas, se encontre o espaço adequado a tal actividade. Nas antigas batalhas exigia-se que o campo de confronto fosse amplo, plano e desprovido de armadilhas que beneficiassem apenas uma das partes em contenda; de igual modo, numa discussão séria o espaço de debate deve ser regulamentado por critérios iguais para ambas as partes. Que critérios? Ora, os de racionalidade. Por critérios de racionalidade entende-se que:
1. Os conceitos em discussão são entendidos de parte a parte (exemplo: quando falando de liberdade ambas as partes compreendem o que cada um entende pelo termo liberdade);
2. Os dados referentes à discussão são tidos como bons e sérios por ambas as partes;
3. Os objectivos (e os respectivos meios e instrumentos que visam tais objectivos) de ambas as partes são cuidadosamente explicados focando-se o debate nas diferenças (entre os os objectivos, ou sendo estes semelhantes nas razões pelas quais os objectivos serão melhor atingidos com a solução A ou B);
4. Existe uma presunção de honra e verdade naquilo que é defendido - argumentado - por ambas as partes.
5. Finalmente, o arguente da contra-parte é irrelevante: o que interessa é o argumento apresentado.
Em Portugal passa-se o oposto:
1. Os conceitos em discussão são superficialmente abordados o que não permite que as partes sequer se definam em termos de um ponto de partida comum;
2. Cada parte apresenta os dados que lhe são mais favoráveis, muitas vezes truncados e deturpados, não permitindo que a discussão passe além de uma lamuria onde cada parte argumenta qual é a verdade (recusa-se sempre a perspectiva adversária tida como errada, falsa, mentirosa, etc.). Desta forma, ao invés de se debater o que fazer com uma realidade assumida por ambas as partes, debate-se o que é a realidade (neste ponto a falha é também da incapacidade de haver árbitros no jogo: os observadores - entenda-se os media - não são bem sucedidos a impor os elementos de realidade, apenas perspectivas superficiais, muitas vezes já preconceituosas, o que facilita a posterior deturpação, aproveitamento ou rejeição por cada parte). Este ponto é particularmente relevante pois basta uma das partes mentir descaradamente que a contra-parte vê-se na obrigação de a corrigir. Caberia ao intermediário esclarecer quem tem razão;
3. Os objectivos não são cuidadosamente definidos ou quando o são, são raramente realizáveis ficando o debate por acusações de demagogia que, sendo genericamente verdadeiras, permitem aos demagogos acusar igualmente aqueles com objectivos sérios e realizáveis de demagogia; no final são todos irresponsáveis e demagogos;
4. Cada parte conta uma verdade absoluta incompatível com a da contra-parte o que faz com que não exista confiança no jogo político; honra e honestidade são tidas como palavras do passado.
5. Finalmente, a fulanização é o cerne da questão: não se debatem argumentos, debate-se se o A ou o B é mentiroso, incoerente, ou desrespeitador. Consoante se descredibilize o arguente o argumento cai por terra; o inverso também se aplica: se A é acima de qualquer suspeita então os seus argumentos, por mais idiotas que sejam, serão bons argumentos.
Por estas razões em Portugal não existe debate político - público - racional. Nem sequer espaço público onde essa discussão racional verdadeiramente tome lugar. Mesmo nos blogues, espaços de verdadeira liberdade, a discussão faz-se constantemente de interesses disfarçados, de ideologias e preconceitos sem verdadeira capacidade de análise daquilo que é real como ponto de partida para aquilo que seria desejável. Não havendo esse debate, sobra o mundo imundo da aldrabice, do marqueting e da demagogia. É este mundo, esta triste realidade Portuguesa, que possibilita a manutenção de um Governo que mentiu e mente descaradamente, que é profundamente incompetente e responsável pela maior crise - e descredibilização - da democracia Portuguesa. No fundo, a nossa democracia não passa de um daqueles debates com venerandas figuras como o Pôncio Monteiro ou o Dias Ferreira a propósito de um lance ser ou não penalti. Ou uma discussão de miúdos, o célebre "quem diz é quem é".
1. Os conceitos em discussão são entendidos de parte a parte (exemplo: quando falando de liberdade ambas as partes compreendem o que cada um entende pelo termo liberdade);
2. Os dados referentes à discussão são tidos como bons e sérios por ambas as partes;
3. Os objectivos (e os respectivos meios e instrumentos que visam tais objectivos) de ambas as partes são cuidadosamente explicados focando-se o debate nas diferenças (entre os os objectivos, ou sendo estes semelhantes nas razões pelas quais os objectivos serão melhor atingidos com a solução A ou B);
4. Existe uma presunção de honra e verdade naquilo que é defendido - argumentado - por ambas as partes.
5. Finalmente, o arguente da contra-parte é irrelevante: o que interessa é o argumento apresentado.
Em Portugal passa-se o oposto:
1. Os conceitos em discussão são superficialmente abordados o que não permite que as partes sequer se definam em termos de um ponto de partida comum;
2. Cada parte apresenta os dados que lhe são mais favoráveis, muitas vezes truncados e deturpados, não permitindo que a discussão passe além de uma lamuria onde cada parte argumenta qual é a verdade (recusa-se sempre a perspectiva adversária tida como errada, falsa, mentirosa, etc.). Desta forma, ao invés de se debater o que fazer com uma realidade assumida por ambas as partes, debate-se o que é a realidade (neste ponto a falha é também da incapacidade de haver árbitros no jogo: os observadores - entenda-se os media - não são bem sucedidos a impor os elementos de realidade, apenas perspectivas superficiais, muitas vezes já preconceituosas, o que facilita a posterior deturpação, aproveitamento ou rejeição por cada parte). Este ponto é particularmente relevante pois basta uma das partes mentir descaradamente que a contra-parte vê-se na obrigação de a corrigir. Caberia ao intermediário esclarecer quem tem razão;
3. Os objectivos não são cuidadosamente definidos ou quando o são, são raramente realizáveis ficando o debate por acusações de demagogia que, sendo genericamente verdadeiras, permitem aos demagogos acusar igualmente aqueles com objectivos sérios e realizáveis de demagogia; no final são todos irresponsáveis e demagogos;
4. Cada parte conta uma verdade absoluta incompatível com a da contra-parte o que faz com que não exista confiança no jogo político; honra e honestidade são tidas como palavras do passado.
5. Finalmente, a fulanização é o cerne da questão: não se debatem argumentos, debate-se se o A ou o B é mentiroso, incoerente, ou desrespeitador. Consoante se descredibilize o arguente o argumento cai por terra; o inverso também se aplica: se A é acima de qualquer suspeita então os seus argumentos, por mais idiotas que sejam, serão bons argumentos.
Por estas razões em Portugal não existe debate político - público - racional. Nem sequer espaço público onde essa discussão racional verdadeiramente tome lugar. Mesmo nos blogues, espaços de verdadeira liberdade, a discussão faz-se constantemente de interesses disfarçados, de ideologias e preconceitos sem verdadeira capacidade de análise daquilo que é real como ponto de partida para aquilo que seria desejável. Não havendo esse debate, sobra o mundo imundo da aldrabice, do marqueting e da demagogia. É este mundo, esta triste realidade Portuguesa, que possibilita a manutenção de um Governo que mentiu e mente descaradamente, que é profundamente incompetente e responsável pela maior crise - e descredibilização - da democracia Portuguesa. No fundo, a nossa democracia não passa de um daqueles debates com venerandas figuras como o Pôncio Monteiro ou o Dias Ferreira a propósito de um lance ser ou não penalti. Ou uma discussão de miúdos, o célebre "quem diz é quem é".
NOVAS PALAVRAS
Belenensização, f. Acto ou efeito de belenensizar.
Belenensizar, v. t. Tornar pequeno quando atribuído a clubes de futebol. Decadência, irrelevância continuada. Tornar irrelevante, tornar limitado. Diminuição reiterada de estatuto e\ou estatura. Desaparecimento.
Exemplo prático: O Sporting está a belenensizar-se; o Sporting padece de um efeito de belenensização.
Belenensizar, v. t. Tornar pequeno quando atribuído a clubes de futebol. Decadência, irrelevância continuada. Tornar irrelevante, tornar limitado. Diminuição reiterada de estatuto e\ou estatura. Desaparecimento.
Exemplo prático: O Sporting está a belenensizar-se; o Sporting padece de um efeito de belenensização.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
FICÇÃO
Hoje, passando por uma loja de flores, deparei-me com uma grande fila. O primeiro pensamento que me ocorreu, por um instante, foi que seria tal pouco usual fila consequência do facto de ser hoje o dia dos namorados. Ora que estupidez, de imediato percebi que tal coisa não poderia ser pois que me recordava claramente de se estar algures em Setembro. Não deixei de sorrir: mesmo que por um breve e fugaz instante eu estava fora do tempo.
É ASSIM
A minha vizinha do lado, senhora idosa dos seus oitenta anos, todos os dias sobe, pelo menos uma vez, os três andares que entremeiam o nosso piso do rés do chão. Como na maior parte dos edifícios antigos do centro de Lisboa, não há elevador, não há escolha, hipótese ou alternativa. A senhora, agarrada ao corrimão, após o final de cada lance de escadas descansa durante uns minutos a recuperar o fôlego. O processo inteiro deve demorar pelas minhas contas uma boa meia hora. Serve o despropósito para que entendamos o seguinte: com subsídios ou sem subsídios, com Estado ou sem Estado a vida não é nem nunca será fácil.
O PROGRESSO
O mundo do progresso é aquele onde nunca se pode estar, apenas para ele se pode eternamente caminhar. "Rumo ao Progresso" é um slogan que nos diz que algo vai melhorar. Stanislaw Lec perguntava se seria progresso um canibal comer de garfo e faca. Será?
DA ESPECIALIZAÇÃO À FASCIZAÇÃO
"Não basta preparar o homem para o domínio de uma especialidade qualquer. Passará a ser então uma espécie de máquina utilizável, mas não uma personalidade perfeita. O que importa é que venha a ter um sentido atento para o que for digno de esforço, e que for belo e moralmente bom. De contrário, virá a parecer-se mais com um cão amestrado do que com um ser harmònicamente desenvolvido, pois só tem os conhecimentos da sua especialização. Deve aprender a compreender os os motivos dos homens, as suas ilusões e as suas paixões, para tomar uma atitude perante cada um dos seus semelhantes e perante a comunidade."
Albert Einstein, Como Vejo o Mundo, ENP, 2ªEd.; 1962
Albert Einstein, Como Vejo o Mundo, ENP, 2ªEd.; 1962
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
VAZIO
"O indivíduo pode visar numerosos objectivos pessoais, finalidades, esperanças, perspectivas, que lhe dêem o impulso para grandes esforços e elevadas actividades; mas quando o elemento impessoal que o rodeia, quando o próprio tempo, não obstante toda a agitação exterior, carece no fundo de esperanças e perspectivas, quando se lhe revela como desesperador, desorientado e sem saída, e responde com um silêncio vazio à pergunta que se faz consciente ou inconscientemente, mas em todo o caso se faz, a pergunta pelo sentido supremo, ultrapessoal e absoluto, de toda a actividade e de todo o esforço, então tornar-se-á inevitável, precisamente entre as naturezas mais rectas, o efeito paralizador desse estado de coisas e esse efeito será capaz de ir além do domínio da alma e da moral e de afectar a própria parte física e orgânica do indivíduo."
Thomas Mann, A Montanha Mágica, Círculo de Leitores, 1981; pp. 32
Thomas Mann, A Montanha Mágica, Círculo de Leitores, 1981; pp. 32
YOU WILL STILL BE HERE TOMORROW BUT YOUR DREAMS MAY NOT
Cat Stevens, Father and Son, Tea for the Tilleman (1970)
AS BESTAS
Existe a ideia de que somos seres racionais. É mentira. A Razão é, a meu ver, algo exterior à identidade humana; é um sistema universal pelo qual (tal como os planetas) perpassamos as nossas vontades. O argumento racional é posterior ao nosso querer, deriva da nossa preferência: é, portanto, justificativo. Ou seja: escolhemos de acordo com a nossa vontade (a emoção, entenda-se) e depois justificamos porque fizemos essa mesma escolha. Só assim se explica a capacidade esdrúxula de argumentar o indefensável. Pela mesma razão se compreende como duas pessoas, de coração aberto e boa vontade, conseguem, a propósito do mesmo assunto, argumentar posições adversas com proposições igualmente válidas. Não há ciência, há ideologia; não há progresso, há um sonho.
TRANSITÓRIO
"Lastimo os que atribuem grande importância ao tema do transitório das coisas e que se perdem em minudências terrenas sem valor. Porque nós existimos precisamente para transformar o transitório em duradouro, e tal só acontece quando somos capazes de apreciar ambas as coisas."
Goethe, Máximas e Reflexões, Relógio de Água, <155>; pp. 259
Goethe, Máximas e Reflexões, Relógio de Água, <155>; pp. 259
domingo, 26 de setembro de 2010
ENTENDIMENTO
A verdade residirá algures entre aquilo que quem fala pensa querer dizer e aquilo que quem ouve julga perceber. Verdadeira comunicação será, portanto, mesmo que feita de coração e mente aberta, algo muito difícil - se não impossível - de se alcançar: o Outro nunca sou Eu. Verdadeira empatia? Entendimento supremo? Talvez num orgasmo simultâneo; o amor, portanto.
THE CIRCLES THAT YOU FIND IN THE WINDMILLS OF YOUR MIND
Noel Harrison, The Windmills of Your Mind, The Thomas Crown Affair Soundtrack (1968)
sábado, 25 de setembro de 2010
NA MOUCHE
"A crise, na verdade, está muito para além das finanças, está no cerne de uma geração obcecada pelo poder, sem valores nem saber, que é capaz de tudo para nos enganar contra todas as evidências."
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
CAROUSEL
"We're captive on the carousel of time
We can't return we can only look
Behind from where we came
And go round and round and round
In the circle game"
Joni Mitchell, The Circle Game, Ladies of The Canyon (1970) aqui interpretado no Carnegie Hall em 1972.
We can't return we can only look
Behind from where we came
And go round and round and round
In the circle game"
Joni Mitchell, The Circle Game, Ladies of The Canyon (1970) aqui interpretado no Carnegie Hall em 1972.
SOCIALISMO MARQUETISTA
A escola de Lamego que, no ano passado, foi escolhida pela Microsoft para integrar a rede mundial de escolas inovadoras, fechou as portas. Os 32 alunos da EB1 de Várzea de Abrunhais - que dispunham de wireless e em cujas aulas os Magalhães trabalhavam conectados com o quadro interactivo - foram transferidos para um centro escolar onde não há telefone nem Internet.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
ESTADO DE ESPÍRITO
Quando vejo a capa do Correio da Manhã e logo a seguir vejo o aldrabão do Primeiro-Ministroa prometer tudo e mais umas botas tecnológicas completamente imune ao abismo para onde, através da propaganda e da incompetência, nos trouxe a todos lembro-me de Orwell:
Toda esta indecência se reflecte, de forma tão tristemente evidente, nos dirigentes que temos. Reflecte-se num Estado imoral que exige sem cumprir e que impõe a indecência do interesse de quem o controla. Reflecte-se na institucionalização da indecência. Reflecte-se na indiferença perante a indecência. É um problema nosso, próprio de um subdesenvolvimento qualquer que nos atola neste pântano imundo. E é deste pântano que pequenos indecentes como Sócrates e a sua entourage se fazem grandes indecentes. É deste pântano que Portugal se faz um país indecente. Porque os Portugueses não se dão ao respeito.
"Quanto aos restantes, a sua existência, tanto quanto se davam conta, era semelhante ao que sempre fora: andavam geralmente esfomeados, dormiam na palha, bebiam água da lagoa e trabalhavam nos campos; de Inverno sofriam com o frio, de Verão com as moscas (...) apenas podiam basear-se nas listas de números de Tagarela, que , invariavelmente, demonstravam que tudo estava a correr cada vez melhor."
George Orwell, A Quinta dos AnimaisA verdade é que o Primeiro Ministro não passa de um mentiroso. Já foi apanhado em mentiras várias, esquemas de corrupção menor, abusos de poder e nos meandros de perigosas influências. Nada lhe aconteceu. Consegue (uma capacidade sub-humana) andar de cabeça erguida como se nada fosse com ele; o que só lhe revela ainda mais a ausência de vergonha e, consequentemente, de carácter. Mas destes há muitos. Pior mesmo é que, além de tudo o acima descrito, a funesta personagem, no seu aterrador delírio, utilize todos os poderosos instrumentos que tem ao seu dispor para justificar o injustificável: que tudo está bem. Que dirá o aldrabão quando o FMI por aí entrar? Quem será o responsável? Uma coisa me parece certa: a aldrabice não se torna decente; tem de ser exterminada. Este bando de marquetistas sem carácter tem de ser removido. Mas depois vejo a apatia generalizada, a opinião pública lobotomizada e a vontade que se me aloja é o de ir de volta para a Holanda, um país com muitos defeitos mas que, em última análise, é um país decente. Em Portugal a indecência grassa: nos serviços, no futebol, no amiguismo que ninguém condena, nos esquemas interesseiros, nos compromissos que não se cumprem; grassa desde o pequeno fiscal da ASAE que a troco de umas notas lá assina o papel até ao cacique que feito banqueiro do Estado empresta dinheiro àqueles que lhe vão dar o emprego quando do Estado esse banqueiro mais não se puder servir; em Portugal, a indecência grassa desde os miúdos que batem nos professores e disso se orgulham até aos velhos que são abandonados por aí à fome e à miséria.
Toda esta indecência se reflecte, de forma tão tristemente evidente, nos dirigentes que temos. Reflecte-se num Estado imoral que exige sem cumprir e que impõe a indecência do interesse de quem o controla. Reflecte-se na institucionalização da indecência. Reflecte-se na indiferença perante a indecência. É um problema nosso, próprio de um subdesenvolvimento qualquer que nos atola neste pântano imundo. E é deste pântano que pequenos indecentes como Sócrates e a sua entourage se fazem grandes indecentes. É deste pântano que Portugal se faz um país indecente. Porque os Portugueses não se dão ao respeito.
terça-feira, 21 de setembro de 2010
RESPOSTA AO MANIFESTO ANTI-PERFECCIONISTA
Talvez a perfeição não seja uma ilusão mas apenas um entretém.
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
UMA EVIDÊNCIA A PROPÓSITO DO TGV (ou: o tolo e a vidente)
Um tolo e uma vidente ou um embusteiro e uma Senhora honesta? Dê por onde der é tão evidente a diferença entre os dois que, salvo alguma trapaça eleitoral que desconheço e na qual não acredito, aos Portugueses se reserva agora a consequência pela sua escolha: condenados a viver na miséria intelectual e material. Aos embusteiros trapaceiros, esses marquetistas trampolineiros a condenação deveria ser mais grave ainda mas duvido, no fundo nada muda, ou o que muda, nas palavras de Lampedusa, é para que tudo fique como dantes. Andamos nisto há muitos anos.
Vídeo apanhado no Cachimbo de Magritte
Vídeo apanhado no Cachimbo de Magritte
MANIFESTO ANTI-PERFECCIONISTA
Escovo os dentes vai para mais de trinta anos; um feito, sem dúvida. Se é verdade que no início, fruto de um desejo mais apressado ou simples impaciência, a meticulosidade empregada na tarefa deixaria algo a desejar, a compreensão trazida pelo final da infância trouxe o ímpeto perfeccionista à referida tarefa. Foi tamanho esforço recompensado de forma abundante com a total ausência de cáries - um monumento à vontade humana, certamente - e um sistema metódico, mecânico e infalível na arte de bem vassourar as incisivas, caninas, molares e demais tachas estomatológicas. Um orgulho! No entanto - e teria de haver um entanto se não nada haveria digno de especial reporte -, dou por mim a notar que volta não volta, sem especial cadência ou padrão de repetição, em certos dias que nada trazem de especial ao mundo - a não ser, porventura, aquilo que aqui se relata - inunda-me a mente a suprema vontade criadora e vislumbro uma pequena quase imperceptível potencial alteração no quase-perfeito sistema que atrás referi. Devo admitir que não deixo de ser surpreendido pelo facto de ver tal sistema aperfeiçoado, reformado ou mesmo corrigido: pasme-se o mundo que nem aquilo que faço para mais de três esforçadas décadas conseguiu encontrar ainda o seu mais elevado estado, o magnânime ponto mais alto do ensaio humano, o estado de proto-divindade, entenda-se: a perfeição. Vá-se lá compreender os mistérios do mundo. Passado o lamento, avante com o complemento! Que possa esta microscopização dentária inundar as mentes com dois pensamentos estritamente complementares: primeiro que a tentação de atingir a perfeição será, como se comprova pelo presente relato, um objectivo inatingível, inalcansável e impossível; poderemos nós, humanos cheios de dentes, almejar o impossível? Certamente, mas pelo menos com a mais fina certeza de que todos os esforços, todas as agruras e demais sacrifícios, todos eles, sem excepção, se revelarão infrutíferos e que tamanho sonho para sempre se quedará irrealizado. O segundo pensamento prende-se com o facto de, alertado para tamanha inutilidade esforçada, nem o próprio desejo de perfeição ser algo de profundamente desejável: afinal, poder-me-á alguém explicar, de que me servirá tamanha empresa, tamanho ansiado desejo que leve à minúcia e à pormenorização concentrada numa tarefa repetida e pensada por mais de trinta anos? Quererei porventura ser eu o cadáver com os dentes mais brancos do cemitério? Ou, quiçá, participar numa doação póstuma depois de retirados todos os molares do cadáver em pré-decomposição para algum colar de, vamos lá imaginar, uma nova moda futura onde adereços de presas humanas à volta do gargalo seja um desígnio de estilo avant garde? Talvez ainda, sabe-se lá, terminarem os objectos de tamanho labor numa vitrine com uma pequena placa onde se pudesse ler: "aqui estão os dentes mais brancos do mundo, os mais bem lavados, os mais metódica e escrupulosamente escovados do século XX e XXI?" Nem pensar! Recusarei tais coisas! A partir de agora, assumo-o com solenidade, considerando a inutilidade do esforço aperfeiçoador e a esterilidade do objectivo, será noutras coisas que pousará a mente durante o acto dentífrico. Quebrarei os jugos da vontade perfeccionista e os ímpetos da vontade humana! Soltarei as amarras do desejo primário e a prisão da paranóia racionalista! Assuma-se: a perfeição que se foda. Enfim, a Liberdade!
DO LADO DE LÁ DOS MONTES
"A leitura dos jornais, sempre penosa do ponto de ver estético, é-o frequentemente também do moral, ainda para quem tenha poucas preocupações morais.
As guerras e as revoluções - há sempre uma ou outra em curso - chegam, na leitura dos seus efeitos, a causar não horror mas tédio. Não é a crueldade de todos aqueles mortos e feridos, o sacrifício de todos os que morrem batendo-se, ou são mortos sem que se batam, que pesa duramente na alma: é a estupidez que sacrifica vidas e haveres a qualquer coisa inevitavelmente inútil. Todos os ideais e todas as ambições são um desvario de comadres homens. Não há império que valha que por ele se parta uma boneca de criança. Não há ideal que mereça um sacrifício de um comboio de lata. Que império é útil ou que ideal profícuo? Tudo é humanidade, e a humanidade é sempre a mesma - variável mas inaperfeiçoável, oscilante mas improgressiva. Perante o curso inimplorável das coisas, a vida que tivemos sem saber como e perderemos sem saber quando, o jogo de dez mil xadrezes que é a vida em comum e luta, o tédio de contemplar sem utilidade o que não se realiza nunca (...) - que pode fazer o sábio senão pedir o repouso, o não ter de pensar em viver, pois basta ter que viver, um pouco de lugar ao sol e ao ar e ao menos o sonho de que há paz do lado de lá dos montes."
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, 454; pp. 407
As guerras e as revoluções - há sempre uma ou outra em curso - chegam, na leitura dos seus efeitos, a causar não horror mas tédio. Não é a crueldade de todos aqueles mortos e feridos, o sacrifício de todos os que morrem batendo-se, ou são mortos sem que se batam, que pesa duramente na alma: é a estupidez que sacrifica vidas e haveres a qualquer coisa inevitavelmente inútil. Todos os ideais e todas as ambições são um desvario de comadres homens. Não há império que valha que por ele se parta uma boneca de criança. Não há ideal que mereça um sacrifício de um comboio de lata. Que império é útil ou que ideal profícuo? Tudo é humanidade, e a humanidade é sempre a mesma - variável mas inaperfeiçoável, oscilante mas improgressiva. Perante o curso inimplorável das coisas, a vida que tivemos sem saber como e perderemos sem saber quando, o jogo de dez mil xadrezes que é a vida em comum e luta, o tédio de contemplar sem utilidade o que não se realiza nunca (...) - que pode fazer o sábio senão pedir o repouso, o não ter de pensar em viver, pois basta ter que viver, um pouco de lugar ao sol e ao ar e ao menos o sonho de que há paz do lado de lá dos montes."
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, 454; pp. 407
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
SOBRE O FUTURO
"Lembremo-nos, além disso, que o futuro não é completamente nosso, nem completamente não nosso. de modo a não o esperarmos como devendo necessariamente existir e a não desesperar como se devesse absolutamente não existir".
Epicuro, Carta a Meneceu
Epicuro, Carta a Meneceu
ITALIAN SPIDERMAN
De um projecto final dum curso de cinema apareceu este trailer numa universidade de Adelaide, Austrália. Utilizando o absurdo e a paródia do cliché, adornado pela aparência setentista e com banda sonora, feita pelos próprios, a condizer, Italian Spiderman é um hino à creatividade de baixo orçamento e um belo exemplo do que a internet pode fazer pelos novos talentos: deste trailer de um filme imaginário para um trabalho universitário vieram a sair dez episódios verdadeiramente deliciosos. Ah, e a Susanna Dekker é uma diva do absurdo.
SOBRE A MORTE
"Estúpido é pois aquele que afirma ter medo da morte não porque sofrerá ao morrer mas por sofrer com a ideia de que ela há-de chegar. É verdadeiramente em vão que se sofre por esperar qualquer coisa que que não nos causa qualquer perturbação! Assim, o mais temível dos males, a morte, nada tem a ver connosco: quando somos a morte não é, e quando a morte é somos nós que já não existimos! Ela não tem qualquer relação nem com os vivos nem com os mortos, pois para uns ainda não é, e os outros já não são."
Epicuro, Carta a Meneceu
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
AGATHA CHRISTIE
Cumprem-se hoje 120 anos sobre o nascimento de Agatha Christie. A ela agradeço o gosto pela literatura que, desde muito novo me permitiu explorar horizontes que foram fundamentais para a forma como me identifico hoje. Por isso mesmo, considerando que eu não seria quem sou se, desde precoce idade, não me tivesse atirado aos livros com o assombro e o entusiasmo próprios da paixão, então eu devo não a minha vida mas a minha existência a, entre outros, esta senhora. Somos as escolhas que fizemos. Essas mesmas escolhas tomam-se à luz do melhor (ou não) conhecimento que temos no momento em que se escolhe. Essa informação que nos (in)forma é, portanto, causa fundamental daquilo que somos, daquilo que escolhemos ser. Por consequência lógica a nossa definição identitária não poderá ser, em momento algum, individualista. Somos um colectivo de vontades alheias. Somos uma soma da nossa vontade. E muita da minha vontade de pôr as little grey cells a funcionar deve-se a Agatha Christie. Por essa parte de mim que me faz de forma reiterada relembrar o deleite que me invadiu quando, pela primeira vez, (de muitas) me defrontei com A Primeira Investigação de Poirot lhe estarei eternamente grato.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
APOIADO
"O que é a verdade?, perguntava Pilatos. Também não sei, mas sei o que é a mentira. Uma mentira é uma declaração que sabemos falsa, feita com o intuito de enganar alguém. Fazer isso a quem gostamos, de modo intencional e repetido, é que é saudável? Garantem-me que sim. E eu regresso, mansamente, ao meu manicómio."
Aqui.
Aqui.
sábado, 11 de setembro de 2010
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
SOCIALISMO
Para quem ande mais distraído pode ficar a saber que o IVA recai sobre o ISV. Trocando por miúdos: o cidadão paga um imposto sobre o seu veículo automóvel (ISV) e sobre essa transacção entre o cidadão e o Estado recai o imposto de valor acrescentado, vulgo IVA. Ainda foi esta dupla tributação ser analisada em Bruxelas mas parece que agora foi autorizada. É que isto já não é uma questão de descaramento ou excesso de lata, é mesmo um roubo. Puro e simples.
sábado, 4 de setembro de 2010
FÓRMULA
Como encontrar satisfação num processo que ou redundará num falhanço estrondoso ou, em alternativa, culminará numa inexorável decadência será a fórmula da felicidade humana.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
QUEREM EXPERIMENTAR UMA DOSE DE POSITIVISMO ACÉFALO?
É fácil: fazer o favor de ir falar com a máquina e tentar candidatar-se a uma bolsa de doutoramento. Como?, papeis, pessoas, interacção? Claro que não. Faça o favor de resumir em mil palavras o desconhecimento a que se propõe atirar. Abra a carta lacrada de recomendação, leia-a e digitalize-a. Então, desculpe minha senhora, mas não há forma pessoal de tratar destas matérias, algum contacto, entrevista, interacção directa ou algo assim? Não. Sobra a noção de que quando a máquina se avariar não restará nada. Felizmente.
DO PROGRESSO TELEVISIVO
Aquilo que verdadeiramente impressiona é que cada vez que aparece um comentador, um apresentador ou um programa novo cada vez mais aparenta ser, por um lado, mais igual - conforme a norma; repetição ad nauseum - enquanto que, por outro lado, ao mesmíssimo tempo, cada vez aparenta ser mais superficial, idiótico ou simplesmente irritante. A arte de ir baixando o nível do conteúdo conquanto mantendo a aparência de igualdade na forma é o verdadeiro talento deste progresso atávico: a medida da nossa decadência.
sexta-feira, 30 de julho de 2010
A FELICIDADE E A MULTIDÃO
"E não é fácil alcançar a felicidade, mais ainda porque no caso de nos termos enganado no caminho, nos afastamos tanto mais dela quando para ela nos precipitamos com mais ardor. Quando o caminho conduz em sentido contrário, o nosso próprio impulso aumenta a distância. É preciso, pois, começar por definir bem o que é o objecto do nosso desejo, e examinar depois com cuidado o modo mais rápido de nos dirigirmos para ele; se a via é a correcta, dar-nos-emos conta, durante a própria viagem, dos progressos feitos todos os dias, e da nossa aproximação de um fim para o qual nos impele o desejo natural. Enquanto errarmos por aqui e por ali sem guia, obedecendo aos rumores e aos gritos discordantes de homens que nos chamam em direcções opostas, usaremos uma vida que os nossos enganos tornam breve, mesmo se trabalharmos dia e noite para cultivar o bem. Determinemos pois o objectivo para que tendemos e os meios de o alcançar; e não o façamos sem o apoio de um homem experimentado, que conheça bem o caminho no qual avançamos; pois nesta viagem, a situação não é exactamente a mesma que sucede nas outras: nestas últimas há uma caminho conhecido, interrogamos os habitantes e eles não nos deixam perder; mas aqui o caminho mais bem assinalado e mais frequentado é também o mais enganador. É por isso que a primeira coisa a fazer é não seguir, como uma ovelha, o rebanho das pessoas que nos precedem, pois nesse caso encaminhar-nos-íamos, não para onde é necessário ir, mas para onde vai a multidão. No entanto, nada nos arrasta mais para grandes males do que a conformação à voz pública, o pensar que o melhor está no assentimento do grande número, de tal modo que vivemos, não de acordo com a razão, mas por espírito de imitação. Daí resulta esse amontoado de pessoas que desabam umas sobre as outras. Um tal estado de coisas surge quando os homens estão apinhados, e se comprimem mutuamente, e ninguém cai sem arrastar outro na sua queda; os primeiros são a perda daqueles que os seguem. É isso que vemos acontecer na vida: ninguém se engana apenas por si próprio, sendo a causa e o instigador do engano dos outros. É prejudicial ligarmo-nos àqueles que vão à frente. Como cada um prefere acreditar nos outro, mais do que julgar, não se julga nunca, acredita-se sempre, o erro, ao transmitir-se de mão em mão, faz-nos rodopiar e depois cair; perecemos seguindo o exemplo dos outros. Curar-nos-emos na condição de nos separarmos da multidão; porque hoje a multidão toma resolutamente posição contra a razão e defende aquilo que causa a sua infelicidade."
Séneca, Da Vida Feliz
Séneca, Da Vida Feliz
quinta-feira, 29 de julho de 2010
VENTOINHA
A ventoinha faz o seu trabalho de forma lenta mas eficaz. Não falha. Para a esquerda e para a direita, num sinal de negação quase-eterno, o instrumento acena-nos com a sua frescura dando esperança a uma noite que parece não ter fim. É ritmada. Aparece, desaparece mas, sabemos nós, que nem o aparecimento nem o desaparecimento são coisas definitivas. Não são. A seguir a um vem o outro não podendo, por essa razão, ficar um gajo muito feliz com a frescura, porque logo de seguida ela se desvanecerá, como não pode também, na ausência da brisa temperadora, entrar em desespero porque, sabemos nós, não faltará muito para que ela retorne. É um ciclo completo. O melhor mesmo é louvar a brisa e o calor, porque sem este aquela de nada serviria, abençoados sejam, com estes podemos nós bem. Exaltemos os ciclos infinitos que, num carrossel mágico, nos levam a passear na existência universal. Viva o banal intermitente! Já o definitivo bem que pode esperar. Que se veja no acenar da ventoinha a recusa do definitivo: definitivo, definitivo, só mesmo a morte; é que essa, a cabra,, dizem-nos eles, não aparece nem desaparece, não é de intermitências: é, por essa razão, definitiva, a puta.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
A CONDIÇÃO HUMANA
"Dom Fabrizio sentiu passar-lhe a dureza do coração: o enfado dava lugar à compaixão por estes efémeros seres tentando gozar do exíguo raio de luz que lhes é concedido entre as duas trevas, antes do berço e após os últimos estertores. Como era possível enfurecer-se contra quem, pode-se ter a certeza, terá de morrer? Significava ser tão vil como as peixeiras que há sessenta anos ultrajavam os condenados na praça do Mercado. Até as macaquinhas nos poufs, até os velhos babuínos seus amigos, eram miserandos, insalváveis e queridos como o gado que à noite muge pelas ruas da cidade, conduzido ao matadouro; ao ouvido de cada um deles, havia de chegar um dia o tilintar que ele ouvira há três horas nas traseiras de S. Domenico. Não era lícito odiar senão a eternidade."
Tomasi di Lampedusa, O Leopardo, pp. 197
Tomasi di Lampedusa, O Leopardo, pp. 197
ROMEU E JULIETA
"Angelica e Tancredi passavam naquele momento diante deles, a mão direita enluvada dele apertando a cintura dela, de braços estendidos e compenetrados, os olhos de cada um fixos nos do outro. O negro do fraque dele e o rosa do vestido dela, misturados, formavam uma estranha jóia. Eles ofereciam o espectáculo mais patético de todos, o de dois jovens apaixonados dançando um com o outro, cegos aos recíprocos defeitos, surdos aos avisos do destino, com a ilusão de que todo o caminho da vida será liso como o soalho do salão, actores ignaros a quem um encenador dá a representar o papel de Julieta e de Romeu omitindo-lhes a cripta e o veneno, já previstos no guião."
Tomasi di Lampeduza, O Leopardo, p. 196
Tomasi di Lampeduza, O Leopardo, p. 196
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