quarta-feira, 29 de setembro de 2010

AS REGRAS DO JOGO

Para que seja possível um debate livre, honesto e aberto - frutífero, portanto -  é preciso que, para tal esgrima de argumentos, tal como nas batalhas, se encontre o espaço adequado a tal actividade. Nas antigas batalhas exigia-se que o campo de confronto fosse amplo, plano e desprovido de armadilhas que beneficiassem apenas uma das partes em contenda; de igual modo, numa discussão séria o espaço de debate deve ser regulamentado por critérios iguais para ambas as partes. Que critérios? Ora, os de racionalidade. Por critérios de racionalidade entende-se que:
1. Os conceitos em discussão são entendidos de parte a parte (exemplo: quando falando de liberdade ambas as partes compreendem o que cada um entende pelo termo liberdade);
2. Os dados referentes à discussão são tidos como bons e sérios por ambas as partes;
3. Os objectivos (e os respectivos meios e instrumentos que visam tais objectivos) de ambas as partes são cuidadosamente explicados focando-se o debate nas diferenças (entre os os objectivos, ou sendo estes semelhantes nas razões pelas quais os objectivos serão melhor atingidos com a solução A ou B);
4. Existe uma presunção de honra e verdade naquilo que é defendido - argumentado - por ambas as partes.
5. Finalmente, o arguente da contra-parte é irrelevante: o que interessa é o argumento apresentado.

Em Portugal passa-se o oposto:
1. Os conceitos em discussão são superficialmente abordados o que não permite que as partes sequer se definam em termos de um ponto de partida comum;
2. Cada parte apresenta os dados que lhe são mais favoráveis, muitas vezes truncados e deturpados, não permitindo que a discussão passe além de uma lamuria onde cada parte argumenta qual é a verdade (recusa-se sempre a perspectiva adversária tida como errada, falsa, mentirosa, etc.). Desta forma, ao invés de se debater o que fazer com uma realidade assumida por ambas as partes, debate-se o que é a realidade (neste ponto a falha é também da incapacidade de haver árbitros no jogo: os observadores - entenda-se os media - não são bem sucedidos a impor os elementos de realidade, apenas perspectivas superficiais, muitas vezes já preconceituosas, o que facilita a posterior deturpação, aproveitamento ou rejeição por cada parte). Este ponto é particularmente relevante pois basta uma das partes mentir descaradamente que a contra-parte vê-se na obrigação de a corrigir. Caberia ao intermediário esclarecer quem tem razão;
3. Os objectivos não são cuidadosamente definidos ou quando o são, são raramente realizáveis ficando o debate por acusações de demagogia que, sendo genericamente verdadeiras, permitem aos demagogos acusar igualmente aqueles com objectivos sérios e realizáveis de demagogia; no final são todos irresponsáveis e demagogos;
4. Cada parte conta uma verdade absoluta incompatível com a da contra-parte o que faz com que não exista confiança no jogo político; honra e honestidade são tidas como palavras do passado.
5. Finalmente, a fulanização é o cerne da questão: não se debatem argumentos, debate-se se o A ou o B é mentiroso, incoerente, ou desrespeitador. Consoante se descredibilize o arguente o argumento cai por terra; o inverso também se aplica: se A é acima de qualquer suspeita então os seus argumentos, por mais idiotas que sejam, serão bons argumentos.

Por estas razões em Portugal não existe debate político - público - racional. Nem sequer espaço público onde essa discussão racional verdadeiramente tome lugar. Mesmo nos blogues, espaços de verdadeira liberdade, a discussão faz-se constantemente de interesses disfarçados, de ideologias e preconceitos sem verdadeira capacidade de análise daquilo que é real como ponto de partida para aquilo que seria desejável. Não havendo esse debate, sobra o mundo imundo da aldrabice, do marqueting e da demagogia. É este mundo, esta triste realidade Portuguesa, que possibilita a manutenção de um Governo que mentiu e mente descaradamente, que é profundamente incompetente e responsável pela maior crise - e descredibilização -  da democracia Portuguesa. No fundo, a nossa democracia não passa de um daqueles debates com venerandas figuras como o Pôncio Monteiro ou o Dias Ferreira a propósito de um lance ser ou não penalti. Ou uma discussão de miúdos, o célebre "quem diz é quem é".

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