sexta-feira, 30 de julho de 2010

A FELICIDADE E A MULTIDÃO

"E não é fácil alcançar a felicidade, mais ainda porque no caso de nos termos enganado no caminho, nos afastamos tanto mais dela quando para ela nos precipitamos com mais ardor. Quando o caminho conduz em sentido contrário, o nosso próprio impulso aumenta a distância. É preciso, pois, começar por definir bem o que é o objecto do nosso desejo, e examinar depois com cuidado o modo mais rápido de nos dirigirmos para ele; se a via é a correcta, dar-nos-emos conta, durante a própria viagem, dos progressos feitos todos os dias, e da nossa aproximação de um fim para o qual nos impele o desejo natural. Enquanto errarmos por aqui e por ali sem guia, obedecendo aos rumores e aos gritos discordantes de homens que nos chamam em direcções opostas, usaremos uma vida que os nossos enganos tornam breve, mesmo se trabalharmos dia e noite para cultivar o bem. Determinemos pois o objectivo para que tendemos e os meios de o alcançar; e não o façamos sem o apoio de um homem experimentado, que conheça bem o caminho no qual avançamos; pois nesta viagem, a situação não é exactamente a mesma que sucede nas outras: nestas últimas há uma caminho conhecido, interrogamos os habitantes e eles não nos deixam perder; mas aqui o caminho mais bem assinalado e mais frequentado é também o mais enganador. É por isso que a primeira coisa a fazer é não seguir, como uma ovelha, o rebanho das pessoas que nos precedem, pois nesse caso encaminhar-nos-íamos, não para onde é necessário ir, mas para onde vai a multidão. No entanto, nada nos arrasta mais para grandes males do que a conformação à voz pública, o pensar que o melhor está no assentimento do grande número, de tal modo que vivemos, não de acordo com a razão, mas por espírito de imitação. Daí resulta esse amontoado de pessoas que desabam umas sobre as outras. Um tal estado de coisas surge quando os homens estão apinhados, e se comprimem mutuamente, e ninguém cai sem arrastar outro na sua queda; os primeiros são a perda daqueles que os seguem. É isso que vemos acontecer na vida: ninguém se engana apenas por si próprio, sendo a causa e o instigador do engano dos outros. É prejudicial ligarmo-nos àqueles que vão à frente. Como cada um prefere acreditar nos outro, mais do que julgar, não se julga nunca, acredita-se sempre, o erro, ao transmitir-se de mão em mão, faz-nos rodopiar e depois cair; perecemos seguindo o exemplo dos outros. Curar-nos-emos na condição de nos separarmos da multidão; porque hoje a multidão toma resolutamente posição contra a razão e defende aquilo que causa a sua infelicidade."

Séneca, Da Vida Feliz

Um comentário:

  1. Extraordinário! Não há dúvida de que as grandes verdades são-no já há muito tempo. Abraço!

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