sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
A INVEJA
Primeiro abordei aqui a forma como um certo idealismo romântico conduz a uma profunda intolerância na sociedade portuguesa; depois como esse mesmo idealismo romântico conduz a uma forte instabilidade política e à incapacidade da reforma política. Finalmente, parece-me que há um último aspecto que deverá ser mencionado: como se chega a esse idealismo - o ideal por cumprir - e, daí, a um certo imobilismo social.
Uma análise rápida e superficial da história portuguesa serve para mostrar que nos últimos quinhentos anos o país sobreviveu permanentemente graças ao influxo de capitais exteriores ao território nacional: a partir de 1415 foram as riquezas do Norte de África; o desvio destas rotas levou-nos directamente à fonte na Índia. A partir do Século XVII, o declínio do império do Oriente foi substituído pelo ouro do Brasil e quando este se esgotou foram as riquezas das colónias africanas que nos alimentaram. Finalmente, quando estas se foram, em 1975, bastaram onze anos para que se abrissem novas fontes de receita externa: os Fundos Comunitários. Na incapacidade destes satisfazerem plenamente as necessidades de despesa lusitanas pode acrescentar-se a partir dos últimos anos um influxo cada vez maior de capitais estrangeiros a financiarem a economia portuguesa através da emissão de dívida, dívida a qual, nos traz agora a esta situação de falência. Não admira pois que seja difícil aos Portugueses compreenderem que o modelo de organização económica que temos não é sustentável: é que o problema não tem apenas quinze ou trinta anos; já vem desde os primórdios da expansão ultramarina. Aliás, é quase constrangedor verificar como este viver por conta é uma situação nacional que se repete, que perdura já há meio milénio. Como é possível que o mesmo modo de vida se mantenha inalterado durante tanto tempo e que continuemos a repetir os vícios do passado e incapazes de começar, de facto, uma vida nova? Porque continuamos nós atascados nesta incapacitante situação? A resposta terá que, forçosamente, residir naquilo que é comum a todos esses tempos e a todas essas situações: os Portugueses. Somos nós os donos do nosso destino já desde 1143 e, por essa razão, na origem da repetição de um determinado modo de vida terá que estar a mentalidade e a cultura do povo que experimenta esse determinado modo de vida. Já em 1871 Antero de Quental alertava que na origem da decadência portuguesa estaria também o modo de vida que se instalou com a descoberta das riquezas ultramarinas. Nos idos de quinhentos enriqueciam os aventureiros e aqueles que, de alguma forma, nos portos da capital procuravam o negócio proveitoso que permitiria o enriquecimento súbito e com o menor esforço possível. Quem atingia tal desiderato, rapidamente ostentava a sua (nova) riqueza através dos fatos que envergava e do muito dinheiro que largava nas tascas e no jogo. Claro está que, para aquele que observava a rápida transformação de remediado em milionário, uma pergunta se impunha: porque não fui eu que me lembrei daquilo; ou: porque não eu também? A inveja é mais fecunda onde uma súbita transformação torna desigual o que imediatamente antes era igual. Num país pobre a súbita chegada de (muita) riqueza proveniente do estrangeiro gerou uma grande alteração: aquilo que se podia ganhar num único negócio era mais do que uma vida inteira de árduo trabalho. O sonho português, aquilo que se almejava - e invejava - era portanto o de enriquecer sem ter que trabalhar. De alguma forma se enraizou o conceito de que o sucesso seria a riqueza e que quanto mais fácil esta fosse mais esperto, mais inteligente e melhor seria aquele que a obtinha. Afinal a lei do menor esforço é do que mais básico existe na natureza: sucesso é ter o maior proveito possível com o menor esforço possível. Ao mesmo tempo, aqueles que se aplicassem profusamente num trabalho que no final da vida não lhes deu a riqueza ostentativa que outros tanto exibiram, de alguma forma, esses que tanto trabalharam e tão pouco no final tiveram para mostrar, esses teriam falhado. O sucesso mede-se não no esforço e no trabalho mas sim na ostentação e na ausência de esforço: quanto mais eu tiver com menor trabalho melhor eu sou, mais esperto eu sou. Quem, portanto, trabalhou uma vida inteira e não tem nada para apresentar só pode é ser parvo. É deste espírito que advém a fidalguia falida que Antero de Quental brilhantemente nos revela nas Conferências do Casino. Diz-nos ele que "do espírito guerreiro da nação conquistadora, herdámos um invencível horror ao trabalho e um íntimo desprezo pela indústria. Os netos dos conquistadores de dois mundos podem, sem desonra, consumir no ócio o tempo e a fortuna, ou mendigar pelas secretarias um emprego: o que não podem, sem indignidade, é trabalhar! Uma fábrica, uma oficina, uma exploração agrícola ou mineira, são coisas impróprias da nossa fidalguia. Por isso as melhores indústrias nacionais estão nas mãos dos estrangeiros, que com elas se enriquecem, e se riem das nossas pretensões. Contra o trabalho manual, sobretudo, é que é universal o preconceito: parece-nos um símbolo servil! Por ele sobem as classes democráticas em todo o mundo, e se engrandecem as nações; nós preferimos ser uma aristocracia de pobres ociosos, a ser uma democracia próspera de trabalhadores". Alimentámos nós estas pretensões através das riquezas externas que fomos conseguindo alcançar. Ao mesmo tempo alimentámos este sonho de que as riquezas não dependem do trabalho. Que há uma solução perfeita para todos os nossos anseios que não passa pelo árduo e difícil caminho do trabalho. E é talvez aqui, nesta ética do sonho, aliada à exaltação dos feitos descobridores e conquistadores, que o idealismo romântico encontrou lugar até hoje: ainda hoje esperamos pela solução, ainda hoje dependemos das riquezas estrangeiras e ainda hoje a ostentação e o status social fazem decidir o que é uma vida de sucesso ou não. Onde lá fora servir às mesas, lavar pratos ou trabalhar num McDonald's é visto como normal por cada jovem que tem que aprender que não há sucesso na vida sem trabalho, já em Portugal estas menores tarefas aparecem aos jovens Portugueses de classe média (nem falo da alta) como indignas ou não merecedoras da sua condição social. Sobra-nos no entanto a ambição: mas uma ambição que não tem por onde se sustentar pois num país refém de riquezas externas as oportunidades surgem a quem controla - ou tem acesso - às fontes externas de riqueza. E assim, apesar da ambição, num país que produz pouco, o sonho de riqueza fica-se pela inveja e pela leitura ávida das revistas dos famosos: aqueles que (aparentemente) levam a vida de ostentação que muitos ansiariam poder levar. Estão, portanto, os Portugueses encurralados: entre uma ética de trabalho que não os impele à acção e uma estrutura económica que impede os poucos que tentam de serem bem sucedidos. Nesta ratoeira sobra o sonho, o ideal e a inveja. E, claro, o caminho da corrupção na manipulação das riquezas que provém do exterior como forma mais rápida e com menor esforço de enriquecer. Enquanto o país se frustra pelo sonho que não se cumpre, os novos aventureiros e os novos ricos sem trabalhar continuam a ter as suas oportunidades: em terra onde o acesso à riqueza vem de fora quem controla as portas de entrada de tais riquezas é rei. E cá continuam a pulular os novos-ricos: desde o pretenso industrial que de repente anda de Ferrari, ao cacique político do interior que se fez banqueiro ou ao autarca que se fez milionário, cá continuamos na mesma vida: espertos são os que se safam. E quem é que se safa? Quem, de uma forma ou de outra, consegue ter acesso às novas especiarias: ou seja, aos fundos comunitários ou, mais recentemente, à despesa do Estado. Vivemos, pois, no mesmo país de quinhentos: apenas agora os novos-ricos e pretensos fidalgos não são os intermediários de negócios tremendos mas sim os intermediários do empobrecimento generalizado dos Portugueses: pois são os novos-ricos hoje aqueles que bem sabem aproveitar a gestão intermediária do dinheiro sacado em impostos ou emissão de dívida (impostos futuros) para o funcionamento do Estado que controlam. E à medida que se vai fechando a torneira dos fundos exteriores, a fonte de riqueza cada vez mais passa a ser os (parcos) fundos do interior: os impostos. É o país dos Sócrates e dos Relvas; o país dos ajustes directos, das concessões e das nomeações. Entretanto, enquanto uns enriquecem à vista de todos, os Portugueses desesperam e do ancestral não é digno trabalhar porque os bem sucedidos não têm que o fazer passamos para o não vale a pena trabalhar porque só os espertos é que se safam. É a frustração e a injustiça que se abatem sobre o sonho idealista lusitano: não apenas o sonho está por cumprir como aqueles para quem o sonho se cumpre não o merecem. Mas há pior: é que de repente o sucesso, de tanta corrupção videirinha, passa a estar relacionado com este não merecimento: ai safou-se? Então deve ser corrupto. Deve ser ladrão. É aqui que a inversão da ética do trabalho se torna completa: não só o esforço não é valorizado como o sucesso é sinónimo de malfeitoria. Ao mesmo tempo que os novos-ricos passeiam os seus BMW's (que muitas vezes não conseguem pagar) quem anda com o (cada vez mais caro) passe da CP roga pragas a todos os que andam de BMW esquecendo que muita gente trabalha honesta e arduamente para os ter. Da cobiça à inveja é um passo e para a mentalidade lusitana a riqueza é agora uma coisa má: não porque não se deve ostentar (a ostentação continua a ser secretamente invejada) mas porque quem se safa não deve ter feito coisa boa. Mais: na terra das poucas oportunidades mas dos sonhos gigantes e com os exemplos corruptos que impunemente se espraiam pelas revistas e campos de golfe, quem tem uma ideia é logo deitado abaixo. E só assim poderia ser pois na frustração da injustiça sobra a inveja daqueles que, contra tudo e contra todos, alcançam o sucesso. E se chamar a quem se safa de malandro é o descarregar máximo da frustração de quem pensa não ter hipótese de se safar, então quando alguém legitimamente tem uma ideia ou é empreeendedor e mostra que afinal até havia hipótese a inveja toma o seu lugar: porque foi ele a lembrar-se daquilo e não eu? E logo leva o mesmo destino: deve ter tido uma ajudinha, com certeza. Tem amigos. É o factor c. Vilipendia-se o sucesso porque aceitar que o triunfo de alguém se deve ao seu engenho e talento implica aceitar que não se tem o engenho e o talento que o outro demonstrou ter. Hoje em Portugal, os exemplos de corrupção e a ética centenária do sonho da riqueza fácil são um factor de imobilidade e impedem o empreendedorismo. Ao mesmo tempo, aqueles que se atrevem a quebrar esses grilhos da frustração e da comiseração pagam pelo seu atrevimento com a inveja e a maledicência. No final, para mal dos nossos pecados, juntando-se todos estes ingredientes não podemos de facto ficar muito admirados com a situação em que nos encontramos. Infelizmente, é preciso compreender isto para que se comece realmente a mudar de vida: é que a nova vida vem com os valores do trabalho, não da ausência dele. Com o querer seguir os exemplos de esforço e não os caminhos da facilidade. Com admirar e querer imitar o sucesso proveniente do empreendedorismo e da inovação e não sonhar com o que há-de cair do céu. Com celebrar a honestidade e não vilipendiá-la. Com o ser intransigente para com os corruptos e não achar que eles é que a levaram de boa. Com o ser indiferente para o que ostentam e não sonhar a fama fácil, imediata e geradora de riqueza. Com não invejar e não sonhar secretamente com o querer ser invejado. Mas isso, por enquanto, é outro país ainda; nos entretantos, cá nos vamos comiserando com a nossa sorte e, quiçá, sonhando com o petróleo de Peniche que viria salvar-nos do abismo e permitir-nos continuar a viver como se nada fosse: ou seja, na eterna frustração e inveja.
Uma análise rápida e superficial da história portuguesa serve para mostrar que nos últimos quinhentos anos o país sobreviveu permanentemente graças ao influxo de capitais exteriores ao território nacional: a partir de 1415 foram as riquezas do Norte de África; o desvio destas rotas levou-nos directamente à fonte na Índia. A partir do Século XVII, o declínio do império do Oriente foi substituído pelo ouro do Brasil e quando este se esgotou foram as riquezas das colónias africanas que nos alimentaram. Finalmente, quando estas se foram, em 1975, bastaram onze anos para que se abrissem novas fontes de receita externa: os Fundos Comunitários. Na incapacidade destes satisfazerem plenamente as necessidades de despesa lusitanas pode acrescentar-se a partir dos últimos anos um influxo cada vez maior de capitais estrangeiros a financiarem a economia portuguesa através da emissão de dívida, dívida a qual, nos traz agora a esta situação de falência. Não admira pois que seja difícil aos Portugueses compreenderem que o modelo de organização económica que temos não é sustentável: é que o problema não tem apenas quinze ou trinta anos; já vem desde os primórdios da expansão ultramarina. Aliás, é quase constrangedor verificar como este viver por conta é uma situação nacional que se repete, que perdura já há meio milénio. Como é possível que o mesmo modo de vida se mantenha inalterado durante tanto tempo e que continuemos a repetir os vícios do passado e incapazes de começar, de facto, uma vida nova? Porque continuamos nós atascados nesta incapacitante situação? A resposta terá que, forçosamente, residir naquilo que é comum a todos esses tempos e a todas essas situações: os Portugueses. Somos nós os donos do nosso destino já desde 1143 e, por essa razão, na origem da repetição de um determinado modo de vida terá que estar a mentalidade e a cultura do povo que experimenta esse determinado modo de vida. Já em 1871 Antero de Quental alertava que na origem da decadência portuguesa estaria também o modo de vida que se instalou com a descoberta das riquezas ultramarinas. Nos idos de quinhentos enriqueciam os aventureiros e aqueles que, de alguma forma, nos portos da capital procuravam o negócio proveitoso que permitiria o enriquecimento súbito e com o menor esforço possível. Quem atingia tal desiderato, rapidamente ostentava a sua (nova) riqueza através dos fatos que envergava e do muito dinheiro que largava nas tascas e no jogo. Claro está que, para aquele que observava a rápida transformação de remediado em milionário, uma pergunta se impunha: porque não fui eu que me lembrei daquilo; ou: porque não eu também? A inveja é mais fecunda onde uma súbita transformação torna desigual o que imediatamente antes era igual. Num país pobre a súbita chegada de (muita) riqueza proveniente do estrangeiro gerou uma grande alteração: aquilo que se podia ganhar num único negócio era mais do que uma vida inteira de árduo trabalho. O sonho português, aquilo que se almejava - e invejava - era portanto o de enriquecer sem ter que trabalhar. De alguma forma se enraizou o conceito de que o sucesso seria a riqueza e que quanto mais fácil esta fosse mais esperto, mais inteligente e melhor seria aquele que a obtinha. Afinal a lei do menor esforço é do que mais básico existe na natureza: sucesso é ter o maior proveito possível com o menor esforço possível. Ao mesmo tempo, aqueles que se aplicassem profusamente num trabalho que no final da vida não lhes deu a riqueza ostentativa que outros tanto exibiram, de alguma forma, esses que tanto trabalharam e tão pouco no final tiveram para mostrar, esses teriam falhado. O sucesso mede-se não no esforço e no trabalho mas sim na ostentação e na ausência de esforço: quanto mais eu tiver com menor trabalho melhor eu sou, mais esperto eu sou. Quem, portanto, trabalhou uma vida inteira e não tem nada para apresentar só pode é ser parvo. É deste espírito que advém a fidalguia falida que Antero de Quental brilhantemente nos revela nas Conferências do Casino. Diz-nos ele que "do espírito guerreiro da nação conquistadora, herdámos um invencível horror ao trabalho e um íntimo desprezo pela indústria. Os netos dos conquistadores de dois mundos podem, sem desonra, consumir no ócio o tempo e a fortuna, ou mendigar pelas secretarias um emprego: o que não podem, sem indignidade, é trabalhar! Uma fábrica, uma oficina, uma exploração agrícola ou mineira, são coisas impróprias da nossa fidalguia. Por isso as melhores indústrias nacionais estão nas mãos dos estrangeiros, que com elas se enriquecem, e se riem das nossas pretensões. Contra o trabalho manual, sobretudo, é que é universal o preconceito: parece-nos um símbolo servil! Por ele sobem as classes democráticas em todo o mundo, e se engrandecem as nações; nós preferimos ser uma aristocracia de pobres ociosos, a ser uma democracia próspera de trabalhadores". Alimentámos nós estas pretensões através das riquezas externas que fomos conseguindo alcançar. Ao mesmo tempo alimentámos este sonho de que as riquezas não dependem do trabalho. Que há uma solução perfeita para todos os nossos anseios que não passa pelo árduo e difícil caminho do trabalho. E é talvez aqui, nesta ética do sonho, aliada à exaltação dos feitos descobridores e conquistadores, que o idealismo romântico encontrou lugar até hoje: ainda hoje esperamos pela solução, ainda hoje dependemos das riquezas estrangeiras e ainda hoje a ostentação e o status social fazem decidir o que é uma vida de sucesso ou não. Onde lá fora servir às mesas, lavar pratos ou trabalhar num McDonald's é visto como normal por cada jovem que tem que aprender que não há sucesso na vida sem trabalho, já em Portugal estas menores tarefas aparecem aos jovens Portugueses de classe média (nem falo da alta) como indignas ou não merecedoras da sua condição social. Sobra-nos no entanto a ambição: mas uma ambição que não tem por onde se sustentar pois num país refém de riquezas externas as oportunidades surgem a quem controla - ou tem acesso - às fontes externas de riqueza. E assim, apesar da ambição, num país que produz pouco, o sonho de riqueza fica-se pela inveja e pela leitura ávida das revistas dos famosos: aqueles que (aparentemente) levam a vida de ostentação que muitos ansiariam poder levar. Estão, portanto, os Portugueses encurralados: entre uma ética de trabalho que não os impele à acção e uma estrutura económica que impede os poucos que tentam de serem bem sucedidos. Nesta ratoeira sobra o sonho, o ideal e a inveja. E, claro, o caminho da corrupção na manipulação das riquezas que provém do exterior como forma mais rápida e com menor esforço de enriquecer. Enquanto o país se frustra pelo sonho que não se cumpre, os novos aventureiros e os novos ricos sem trabalhar continuam a ter as suas oportunidades: em terra onde o acesso à riqueza vem de fora quem controla as portas de entrada de tais riquezas é rei. E cá continuam a pulular os novos-ricos: desde o pretenso industrial que de repente anda de Ferrari, ao cacique político do interior que se fez banqueiro ou ao autarca que se fez milionário, cá continuamos na mesma vida: espertos são os que se safam. E quem é que se safa? Quem, de uma forma ou de outra, consegue ter acesso às novas especiarias: ou seja, aos fundos comunitários ou, mais recentemente, à despesa do Estado. Vivemos, pois, no mesmo país de quinhentos: apenas agora os novos-ricos e pretensos fidalgos não são os intermediários de negócios tremendos mas sim os intermediários do empobrecimento generalizado dos Portugueses: pois são os novos-ricos hoje aqueles que bem sabem aproveitar a gestão intermediária do dinheiro sacado em impostos ou emissão de dívida (impostos futuros) para o funcionamento do Estado que controlam. E à medida que se vai fechando a torneira dos fundos exteriores, a fonte de riqueza cada vez mais passa a ser os (parcos) fundos do interior: os impostos. É o país dos Sócrates e dos Relvas; o país dos ajustes directos, das concessões e das nomeações. Entretanto, enquanto uns enriquecem à vista de todos, os Portugueses desesperam e do ancestral não é digno trabalhar porque os bem sucedidos não têm que o fazer passamos para o não vale a pena trabalhar porque só os espertos é que se safam. É a frustração e a injustiça que se abatem sobre o sonho idealista lusitano: não apenas o sonho está por cumprir como aqueles para quem o sonho se cumpre não o merecem. Mas há pior: é que de repente o sucesso, de tanta corrupção videirinha, passa a estar relacionado com este não merecimento: ai safou-se? Então deve ser corrupto. Deve ser ladrão. É aqui que a inversão da ética do trabalho se torna completa: não só o esforço não é valorizado como o sucesso é sinónimo de malfeitoria. Ao mesmo tempo que os novos-ricos passeiam os seus BMW's (que muitas vezes não conseguem pagar) quem anda com o (cada vez mais caro) passe da CP roga pragas a todos os que andam de BMW esquecendo que muita gente trabalha honesta e arduamente para os ter. Da cobiça à inveja é um passo e para a mentalidade lusitana a riqueza é agora uma coisa má: não porque não se deve ostentar (a ostentação continua a ser secretamente invejada) mas porque quem se safa não deve ter feito coisa boa. Mais: na terra das poucas oportunidades mas dos sonhos gigantes e com os exemplos corruptos que impunemente se espraiam pelas revistas e campos de golfe, quem tem uma ideia é logo deitado abaixo. E só assim poderia ser pois na frustração da injustiça sobra a inveja daqueles que, contra tudo e contra todos, alcançam o sucesso. E se chamar a quem se safa de malandro é o descarregar máximo da frustração de quem pensa não ter hipótese de se safar, então quando alguém legitimamente tem uma ideia ou é empreeendedor e mostra que afinal até havia hipótese a inveja toma o seu lugar: porque foi ele a lembrar-se daquilo e não eu? E logo leva o mesmo destino: deve ter tido uma ajudinha, com certeza. Tem amigos. É o factor c. Vilipendia-se o sucesso porque aceitar que o triunfo de alguém se deve ao seu engenho e talento implica aceitar que não se tem o engenho e o talento que o outro demonstrou ter. Hoje em Portugal, os exemplos de corrupção e a ética centenária do sonho da riqueza fácil são um factor de imobilidade e impedem o empreendedorismo. Ao mesmo tempo, aqueles que se atrevem a quebrar esses grilhos da frustração e da comiseração pagam pelo seu atrevimento com a inveja e a maledicência. No final, para mal dos nossos pecados, juntando-se todos estes ingredientes não podemos de facto ficar muito admirados com a situação em que nos encontramos. Infelizmente, é preciso compreender isto para que se comece realmente a mudar de vida: é que a nova vida vem com os valores do trabalho, não da ausência dele. Com o querer seguir os exemplos de esforço e não os caminhos da facilidade. Com admirar e querer imitar o sucesso proveniente do empreendedorismo e da inovação e não sonhar com o que há-de cair do céu. Com celebrar a honestidade e não vilipendiá-la. Com o ser intransigente para com os corruptos e não achar que eles é que a levaram de boa. Com o ser indiferente para o que ostentam e não sonhar a fama fácil, imediata e geradora de riqueza. Com não invejar e não sonhar secretamente com o querer ser invejado. Mas isso, por enquanto, é outro país ainda; nos entretantos, cá nos vamos comiserando com a nossa sorte e, quiçá, sonhando com o petróleo de Peniche que viria salvar-nos do abismo e permitir-nos continuar a viver como se nada fosse: ou seja, na eterna frustração e inveja.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
EM CASA
A beleza e a força da sensação de se chegar a casa só é plenamente evidente para aquele que regressa; e só regressa aquele que antes partiu.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
domingo, 9 de dezembro de 2012
THE SOUL
"When this mixture of the elements will have been of a more beautiful and more perfect equality, than which nothing more subtle or more beautiful can be found..., then it is made fit to receive from the giver of forms a form more beautiful than other forms, which is the soul of man."
Al-Ghazali, Metaphysics (~1100)
Al-Ghazali, Metaphysics (~1100)
sábado, 8 de dezembro de 2012
À ESPERA DE SEBASTIÃO
Já aqui abordei a temática do romantismo português e como esse idealismo perfeccionista conduz a uma profunda intolerância na sociedade portuguesa. Há, no entanto, mais a referir a propósito deste ideal romântico que parece pairar, que nem uma nuvem, sobre a psique portuguesa: se por um lado é certo que a busca (ou melhor dizendo: a crença) numa solução perfeita dificulta o compromisso e a tolerância porque estes pressupõem a aceitação dos caminhos do meio, não será menos verdadeira a noção de que o perfeccionismo também impossibilita a acção: na ânsia do perfeito, porque este não chega, acaba por não se fazer nada. Compreender que o óptimo é inimigo do bom é uma boa base para se reformar: devagar, com calma, alterando aqui e ali, lá se vai andando rumo a uma melhoria que, apesar de nunca ser perfeita, gradualmente vai melhorando a vida das pessoas. Já os Portugueses, sempre na ânsia da grande refundação, manifestam permanentemente propósitos grandiosos, objectivos espectaculares e finalidades nobres e celestiais que, invariavelmente, terminam na nomeação de uma nova comissão que, de tanta importância e relevância que a nova reforma tem, é absolutamente necessária para os hercúleos trabalhos reformadores que se terão de enfrentar. Infelizmente, com não menos frequência, os heróis da reforma apesar de se prepararem esmeradamente em terra nunca chegam a levantar voo; já as respeitosas, fundamentais e veneráveis comissões, essas, perduram no tempo atestando simultaneamente a sua importância e a sua inoperância pois que fizessem elas o que seria suposto fazerem e ao fim de mês e meio a sua existência deixaria de ser justificada. A busca da grande reforma, da solução perfeita, é bastante evidente no progresso das reformas políticas ao longo dos últimos duzentos anos. Primeiro, o liberalismo era a solução que se impunha pois viria iluminar o irracional nacional com o radiante Aufklarung: as luzes do Iluminismo compunham a solução que, sendo antes mágica, era agora inevitável por ser racional. Newton e Descartes haviam antes procurado a prova divina e aberto o caminho à revolução tecnológica industrializante enquanto que em Coimbra se Comentava respeitosamente Aritóteles. Talvez por vir com tanto atraso, foi pois com deslumbre que Rousseau, Kant e Marx chegaram a Portugal para indicar o caminho da marcha triunfal da Humanidade face à sua felicidade; uma felicidade que tardava em chegar a um Portugal atolado num rotativismo caciqueiro que mais não fazia do que perpetuar os negócios daqueles que bem sabiam influenciar o débil "liberalismo" nacional. Talvez o trágico destino da mais revolucionária e original geração de 70, fruto da frustração indigente, seja o mais perfeito exemplo do romantismo lusitano: o suicídio. Frustradas as esperanças liberais na falência e na vergonha do Ultimatum, para onde se vira o ímpeto reformista-perfeccionista? Para a República, pois claro. Seria a República a salvação. Com ela Portugal resgataria o seu destino grandioso, manteria o Império e, porque não, faria nascer o Quinto Império, o global, onde a nação lusa - já o Padre António Vieira o afirmava! - restabeleceria o reino de Deus na Terra. Infelizmente para os propósitos Cristãos, os Republicanos eram pouco dados a Cristo e a secularização forçada bem como a perseguição religiosa, grandes avanços civilizacionais nas palavras dos grandes reformadores republicanos, mais não deram do que, falência após a falência, num estrondoso abrir de portas para a Ditadura que se lhe seguiria. E seria essa agora a solução: o salvador da pátria, Oliveira Salazar, punha as contas em ordem - tal como a moral - e assumia que Deus, Pátria e Família eram a solução que salvaria Portugal dos perigos da modernidade. Sobre as palavras sábias da Encíclica de Leão XIII, da acção nacionalista de Maurras e com a benesse de Cerejeira, sobre a máscara do progresso autoritário, o mais profundo conservadorismo vinha salvar Portugal. Quatro décadas mais tarde a salvadora já seria outra: seria a liberdade. A ditadura, afinal, era uma vergonha e a liberalizante abertura de Abril seria a solução. Lá vieram mais uma vez as grandes reformas: as nacionalizações, a descolonização (tão apressada quanto irresponsável, foram milhões os que lá perderam a vida nas décadas que se seguiram) e a marcha triunfante da liberdade que, em 1975, se confundia com o comunismo. Curiosamente, os sábios democratas de visão aquilina e acutilante tanto viram e tanto reformaram que em menos de dez anos lá foi o país à falência de novo... duas vezes. Mas logo apareceu nova solução: queríamos ser Europeus agora. A salvação final, enfim! A normalidade democrática e transformarmo-nos no bom aluno trariam a vida que agora víamos entrar-nos em casa pela televisão. E de fora vieram os milhões e milhões e com eles as directrizes de como ser europeu e moderno. E chegámos finalmente aqui: de tanto nos salvarmos tantas vezes sempre com a grande solução, aqui estamos novamente falidos a carecer de salvação nacional. Claro que lá vêm de novo as musas das soluções perfeitas gritar que a culpa é da Toika e desses malandros dos mercados, o que é preciso é rasgar os acordos, é a independência nacional (como em 1890) e o que é fundamental é uma revolução. Mais uma. Rumo a uma solução. Rumo à solução. Entretanto, do outro lado, lá vem o Governo mais reformista de sempre, supostos liberais, implementar o maior aumento de impostos de sempre e nomear umas comissões sobre como diminuir a burocracia das comissões. Cá continuamos na mesma: à espera da solução como quem espera por D. Sebastião. Numa noite de nevoeiro ele há-de regressar e com ele a solução perfeita, aquela que resgatará Portugal rumo ao destino que merece. Entretanto, os parasitas sociais, aqueles que vendem mundos e fundos, aqueles que vendem sonhos irrealizáveis servindo-os em receitas apuradíssimas que carecem de avental culinário e tudo, lá continuam a mandar no país e calmamente a fazer os seus negócios, sempre sobre o beneplácito dos seus amigos que, seja com robalos, seja com alheiras, lá estão no Estado, de mão estendida, a vender o interesse pátrio por meia dúzia de tostões. Mas não nos enganemos: a responsabilidade é nossa. É este sonho por cumprir que nos leva a acreditar nas promessas tão grandiosas quanto vãs de que algo vai mudar. Diz Vasco Pulido Valente que os "chefes do «liberalismo» inauguravam o seu reino com a fraude e o arbítrio para se enriquecer a si mesmos". Como é triste ver que em duzentos anos nada mudou. E a razão porque nada muda é porque continuamos sempre à espera das grandes soluções em vez de começarmos a tratar daquilo é preciso ser tratado. Pior: porque queremos tudo não nos contentamos com analisar, caso a caso, como podemos melhorar a nossa vida aqui e ali. Ficamos pelos jargões; pelos inultrapassáveis princípios e éticas republicanas que terminam invariavelmente nos testemunhos abonatórios da honra e da seriedade de quem roubou descaradamente. E depois vem o miserabilismo: lá fora é que é. E esperamos que a solução venha de fora: onde antes foi a pimenta da Índia, depois o ouro do Brasil, as riquezas africanas ou, finalmente, os milhões europeus, cá continuam os Portugueses à espera da civilização que, por ser artificialmente importada, nas palavras do Eça, nos fica sempre curta nas mangas. Em última análise o problema não é apenas a espera da solução perfeita: é que esta, por ser inatingível, se transforma na mais perfeita desculpa para não se ter que fazer nada. E enquanto não compreendermos que os princípios somos nós que os inventamos, que a ética é a do esforço e do trabalho e que não há liberdade sem a responsabilidade árdua de a manter bem podemos penar por D. Sebastião ou, já agora, vai dar ao mesmo, porque não pelo Godot ou pelo Salazar. Nas palavras de Jorge Palma, enquanto houver ventos e mar a gente vai continuar; mas palavras mais portuguesas talvez pudessem ser o cá se vai andando. Para onde é que eu já não sei.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
O SR. DA CONSTITUIÇÃO
Volta não volta lá aparece o Sr. Douto e Venerando Jorge Miranda a dizer que qualquer coisa é inconstitucional. Três breves notas: 1. O nível da discussão não se pode ficar pela constitucionalidade ou não de uma coisa. Neste caso, taxar o secundário é mau porque é mau (há várias razões, é uma outra questão) e não porque é inconstitucional. Ou seja, lá porque é inconstitucional não quer dizer que não se faça (porque se pode mudar a Constituição) tal como se for constitucional não quer dizer que se faça pela mesma razão. O que interessa é debater se determinada política é boa ou má e não apenas se é constitucional ou não porque se for do interesse do país e houver consenso passa a poder ser constitucional. Um debate limitado é um debate inquinado. 2. Neste momento tudo em Portugal parece ser inconstitucional; infelizmente, a Constituição não dá dinheiro nem alimenta o povo por isso é melhor ter cuidado com as interpretações restritivas da Constituição ou ainda acabamos a escolher entre o pão e a Constituição. Sempre que tal aconteceu nunca os resultados foram bons. 3. Não consigo perceber porque taxar o secundário é inconstitucional e ir buscar o mesmo exacto valor da taxa em impostos sobre a população já não é. Em Portugal, graças a Constituição, pode pagar-se tudo ou nada desde que seja o Estado a fazê-lo. Aquilo que os Srs que fizeram a Constituição não perceberam, tal como o Douto Miranda, é que não há dinheiro público e que, por essa simples e singela razão, a gratuitidade do sistema educativo é uma grande mentira: é que o que não se paga em taxas paga-se em impostos. Gratuito o quê, então? Não pagamos todos os impostos? Se somos nós que pagamos não é gratuito; logo, se não é gratuito não é constitucional. Se formos levar a Constituição à letra os impostos são então também inconstitucionais pois andam a pagar o que deveria ser gratuito. Seria pago por quem? Isso já ninguém sabe. E esta, Sr. Doutor Miranda, hein?
WHY PHILOSOPHY MATTERS
"During St. Thomas' second sojourn at Paris (1268-1272), masters and scholars were discussing Averroes' views on the intellect. Even less erudite men were aware of the doctrine that there is only one intellect for the whole human race. William of Tocco, an early biographer of Thomas Aquinas, tells of a certain soldier at Paris who was unwilling to atone for his sins because, as he put it: "If the soul of the blessed Peter is saved, I shall also be saved; for if we know by one intellect, we shall share the same destiny."
Beatrice Zedler, On The Unity of The Intellect Against The Averroists: Introduction (1968)
Beatrice Zedler, On The Unity of The Intellect Against The Averroists: Introduction (1968)
terça-feira, 27 de novembro de 2012
OS CHONÉS
O Tozé que não quer negociar o corte de 4000 milhões de euros na despesa é o mesmo Tozé que critica o "enorme" aumento de impostos? Faz sentido porque, para o Tozé - tal como para o PS - tudo se financia com a criação de dívida e, dessa forma, não se corta na despesa e não se aumentam os impostos. Não se vê o lindo resultado que isso deu? É este o nível do debate político português. Pior: esta indigência intelectual atinge mais de 30% das intenções de voto nas sondagens. Como se não bastasse, o mesmo Tozé argumenta contra o orçamento dizendo que a maioria recusou as propostas do PS que - imagine-se! - permitiriam um encaixe extra, onde?, na receita. Ora, talvez o Tozé pudesse explicar como quer criticar o aumento de impostos defendendo... o aumento de impostos? Há receita sem ser de impostos? Um visionário, o Tozé. E depois fala de buraco orçamental. Mas não discute o corte de despesa porque, claro, é pela defesa do "Estado-Social". Ora, eu também sou pleo Estado-Social e é por isso mesmo que gostaria de ter um país não-falido que pudesse pagar o Estado-Social que o país falido pelo PS agora não consegue sustentar. A minha dúvida agora é se o Tozé anda a querer enganar as pessoas para ver se chega ao "poleiro" ou se simplesmente não sabe do que está a falar. É que se for a primeira então o Tozé é um crápula; se for a segunda o Tozé é simplesmente choné. Um pateta, portanto. Felizmente isto deveria ser suficiente para racionalmente perceber onde não votar: se não queremos ser governados por quem deliberadamente nos quer enganar (os crápulas) nem por quem não sabe o que faz (os patetas-chonés) então não queremos o Tozé. Óbvio, não? Talvez não. Para ser óbvio era preciso que o debate fosse um pouco mais profundo; um pouco, apenas: fizessem os jornalistas, por exemplo, as perguntas que se exigem, estudassem as matérias, ponderassem argumentos, enfim: analisassem as questões com a devida profundidade e talvez o Choné, perdão, o Tozé não se safasse a dizer coisas que, pura e simplesmente, não fazem sentido.
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
FAITH
"Our own existence, and the existence of all things outside us, must be believed and cannot in anyway be demonstrated."
Johann Georg Hamann, Metacritique of the Purism of Reason (1788)
Johann Georg Hamann, Metacritique of the Purism of Reason (1788)
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
THE WAIT
"A rustic fellow waiteth on the shore
For the river to flow away,
But the river flows, and flows on as before, And it flows forever and aye."
Horace
For the river to flow away,
But the river flows, and flows on as before, And it flows forever and aye."
Horace
terça-feira, 20 de novembro de 2012
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
VÓRTICE
Hoje as pessoas não têm tempo - ou simplesmente não conseguem evitar a multidão - para estar sozinhos. Por isso mesmo têm alternativas a ter que lidar consigo próprias e não precisam de aprender a lidar com o Eu e com a profundidade que os nossos próprios pensamentos implicam. Pensamos no que fazer, no que nos ocuparmos mas pouco ou nada com o que somos. Tal como as crianças procura-se a acção - para onde não interessa - para que a solidão não ataque. Os pensamentos do Eu assustam pois trazem incertezas e dúvidas que se encaram como fraquezas ou dificuldades. Mas porque é precisamente nas fraquezas e nas dificuldades que se aprende, no mínimo a conhermo-nos com maior profundidade que a de um horóscopo semanal, a condição humana foge-nos porque não a procuramos primeiro dentro de nós. E com essa fuga esvai-se a nossa humanidade e a compreensão do mundo: o nosso e o dos outros. Antigamente, sem jogos, sem TV, sem IPhones ou sem internet sobrava o Eu e os outros: a família. A nossa tecnologia faz passar o tempo na irrelelevância afastando a ilusão da solidão: e com isso o aprofundamento de nós com os outros. Individualizamo-nos ao mesmo tempo que nos superficializamos. Infantiliza-nos ao permitir-nos fugir de nós próprios. E no mundo da fantasia, da fuga, tudo é possível e tudo é melhor do que ter que lidar com a contrariedade; com o real, portanto. Não admira que estejamos falidos: economicamente, porque não compreendemos o mundo; moralmente, porque não temos mundo para além dos nossos sonhos.
IRRELEVANCE
"A method that can explain everything that might happen explains nothing."
Karl Popper, The Poverty of Historicism (1957)
Karl Popper, The Poverty of Historicism (1957)
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
LA HAINE
A propósito da "polémica" que as palavras da Sra. Isabel Jonet causaram vem-me à cabeça uma pequena estória. Aqui há uns anos, estava eu na Universidade de Leiden, na Holanda, e tive que fazer uma apresentação sobre um autor holandês, Arend Lijphart de seu nome. O seu mais famoso trabalho, The Politics of Accommodation: Pluralism and Democracy in the Netherlands, versa sobre as diferentes técnicas (que Lijphart apelida de 'políticas de acomodação') que os Holandeses utilizam por forma a conseguirem uma estabilidade política - já desde 1848 - e uma unidade nacional num território profundamente dividido (os Belgas, por exemplo, tornaram-se independentes). Ao contrário do que possa parecer a Holanda não é homogénea: congrega diferentes modos de vida e, acima de tudo, quatro poderosos pilares: os católicos, os protestantes, os liberais e os socialistas que, profundamente antagónicos entre si, colocaram sempre um enorme desafio à unidade nacional. Lijphart tenta "sistematizar" vários instrumentos e instituições, umas mais outras menos oficiais, que mostram como os quatro blocos conseguiram entender-se e, contra todas as possibilidades, não apenas manter a unidade nacional mas também fazê-lo sem nenhuma alteração ao "normal funcionamento das instituições". Quando comecei a ponderar a minha apresentação sobre o tema, apenas Portugal me vinha à cabeça: todos os factores de divisão que os Holandeses posuíam - para não aborrecer fico-me pela divisão religiosa - nenhum existia em Portugal. No entanto, enquanto os Holandeses seguiam na sua normalidade institucional (e democrática) há mais de cento e cinquenta anos, durante o mesmo tempo, os Portugueses conseguiram fazer quatro revoluções, assassinar um Rei e um Presidente da República e ir três vezes à falência enquanto se pululava da Monarquia para a República e dentro desta entre democracias e ditaduras, a última das quais, que durou mais de quarenta anos, configurou o período mais longo de estabilidade política e social. Na minha apresentação, depois de comparar as Histórias dos dois países, fiz notar que aos Holandeses podiam dividir muitas coisas mas que Lijphart se tinha esquecido de mencionar aquela que os unia: eram todos Holandeses e, olhando para a história, não é difícil de compreender que, apesar de antagónicos, apesar de rivais, os quatro blocos sempre souberam colocar os intereses da Holanda à frente dos seus interesses particulares aprendendo a ser tolerantes uns com os outros e forçando-se a negociar equilíbrios. No fundo, todos perceberam que era do seu interesse comum encontrarem plataformas de entendimento com aqueles que têm visões profundamente diferentes das suas porque, apesar de tudo, estão melhor juntos que separados; e se têm que estar juntos então o melhor é fazerem as coisas funcionarem o melhor possível para todos. A tolerância holandesa é, acima de tudo, uma tolerância prática: a mesma que os leva a ser pioneiros nas liberdade individuais, na assimilação imigratória (aqui vislumbram-se alguns problemas hoje em dia porque as novas comunidades não se querem "acomodar" mas isso é outra estória) e nas políticas fiscais que levam negócios do mundo inteiro para as terras baixas (incluindo o Pingo Doce) e ajudam a fazer da Holanda um país com um dos maiores níveis de vida do mundo e uma das economias mais fortes da Europa. A minha apresentação foi um sucesso pois colocou em evidência a necessidade prévia de partilha de um conjunto de valores culturais, ou seja: foi precisamente essa partilha que permitiu a operacionalidade dos instrumentos sobre os quais Lijphart versou. Nunca mais me esqueci dessa semana de trabalho porque tornou-se profundamente evidente e consciente a noção que os Portugueses são tudo menos tolerantes. Aliás: podem ser tolerantes com muito, com tudo mesmo, menos com uma coisa: consigo próprios. Por alguma razão é um traço cultural nosso a incapacidade de lidar com a diferença de opinião. Talvez os Holandeses tenham na sua "engenharia mental" compreendido que não há verdades absolutas e que o compromisso é a base da paz entre visões sempre incompletas da realidade; mas nós, os Portugueses, somos diferentes: românticos incuráveis procuramos ainda aquela verdade suprema, aquela solução mágica, total e final que, harmonizando todos os problemas da Humanidade, trará a paz perfeita e perpétua ao mundo. Os Holandeses contentam-se com o que têm; os Portugueses querem aquilo que, apenas porque não existe, não poderão nunca vir a ter. Talvez seja essa inconsciente mas constante busca da verdade revelada que faz cada português por esses cafés fora levantar-se e, do alto da ignorância da qual ninguém em lado algum do mundo pode fugir, gritar bem alto enquanto bate ufano com a mão no peito: eu cá fazia assim e resolvia-se o problema. Onde há um portugês, há uma solução. Infelizmente, porque somos apenas humanos, onde há uma solução cabem mais duas ou três. E se vontades, interesses e ideias parcelares sobre o mundo se podem entender, verdades absolutas apenas se podem combater. Onde a verdade é revelada, o orgulho da sua defesa implica antes quebrar que torcer. É através desta profunda intolerância romântica que os práticos oportunistas, os politiqueiros de serviço, se colocam às cavalitas do povo: vendem-lhes ilusões de soluções mágicas; e o povo compra. Compra porque, acima de tudo, quer acreditar; porque os românticos muitas vezes preferem sonhar. Durante os últimos anos, anos de abundância e melhoria das condições de vida, habituaram-se os Portugueses à ideia de que, afinal, haveria a tal solução: apesar dos avisos dos velhos do Restelo, o nível de vida subiu e os Portugueses viveram como nunca antes haviam vivido. Infelizmente, essa melhoria do nível de vida não foi atingida por nenhum progresso social, político ou económico: apenas através da emissão de dívida. Dívida essa que agora nos bate à porta forçando-nos a acordar do sonho em que nos enlevámos. E agora, na dificuldade, lá regressa a frustração da ausência de solução: mais uma vez a revelação mágica se mostra infundada. Afinal a história não acabou e cá temos nós que decidir o caminho. Talvez a mais profunda diferença entre os práticos e os românticos seja essa: os práticos percebem que a boa vida é um caminho; os românticos penam pela solução final, a perfeita. E enquanto não aparece a perfeição discute-se quem tem razão. E o ódio vem ao de cima: quem advoga razões diferentes da minha - porque a minha razão é a certa - está a advogar a derrota de todos, incluindo a minha; e eu odeio quem me sujeita à pobreza, à miséria e ao falhanço por estar a impôr uma solução errada: só pode ser burro! O ódio nasce da luta de absolutos: eu estou certo e o meu adversário está errado. Principalmente quando o adversário que diz coisas erradas é alguém que vive melhor do que eu. Aí, o mundo não faz sentido: como pode ser justo que alguém que está errado esteja melhor do que eu que estou certo? E assim nasce o ódio. O ódio de todos contra todos, porque todos discordam em alguma coisa e todos estão melhor do que alguém em alguma outra coisa. Hoje, na falência económica que apenas revela o falhanço de mais uma solução perfeita - o socialismo - vivem os Portugueses na angústia da sua própria frustração o renascer dos ódios que os dividem, aniquilam e auto-destroiem. A frustração que sentem consigo próprios pela situação que se vive revela-se no ódio que, nascendo do Eu, se dirige a todos aqueles que representam, no imaginário de cada um, as razões da sua própria desgraça. Torna-se este complexo emaranhado evidente com as reacções às declarações da Sra. Isabel Jonet: apenas o ódio - e o ódio apenas - pode explicar que uma opinião - uma mera opinião - por parte de uma pessoa que dedicou a sua vida a um projecto que ajuda aqueles que mais precisam a alimentar-se, apenas esse ódio profundo, o ódio de si mesmos reflectido nos outros, apenas esse ódio pode justificar as reacções que uma coisa tão incipiente quanto irrelevante pôde causar. Talvez no fundo do poço se vislumbrem agora as verdadeiras razões do nosso infortúnio: a profunda desconfiança e rivalidade que grassa no mais íntimo âmago da sociedade portuguesa. E porque da desconfiança e rivalidade ao ódio e à inveja é um passo, cá vamos nós gritando e barafustando com tudo e com nada, com os outros que detestamos e vilipendiamos, quando no fundo apenas gritamos contra nós próprios e a frustração profunda que sentimos por não sermos os melhores do mundo e sermos apenas Portugueses.
terça-feira, 6 de novembro de 2012
O PATRIOTISMO ESTÁ NOS ACTOS E NÃO NOS GRITOS
Esta curiosa personagem consegue dizer que tudo está mal sem apresentar uma única solução para resolver o problema da dívida. É que o que esta gente se esquece é que a única razão porque estamos como estamos é que o funcionamento da nossa economia (e do nosso Estado) depende de conseguir arranjar pessoas que nos emprestem dinheiro. Ora, a malta (estrangeira ou não) até empresta dinheiro mas como o nosso nível de endividamento já é tão elevado tem medo de não o recuperar, logo exige juros mais elevados; juros esses que o Estado para os pagar precisa de pedir mais dinheiro emprestado. A este ciclo vicioso chama-se falência porque o Estado não se sustenta a si próprio e, infelizmente, é óbvio que, estando no meio do lago indefesos como patos apáticos, pusemo-nos a jeito. A única solução para este dilema (que não dependa da bondade ou aproveitamento estrangeiro) que está ao nosso alcance é evidente: passa pela diminuição da nossa dívida e, obviamente, da causa desta: os constantes e perpétuos deficits que ao acumularem ao longo dos últimos quarenta anos resultaram na dívida que hoje temos. Resolver isto implica reduzir custos e criar condições de crescimento económico sem recorrer a grande investimento público (que representaria mais dívida). Muito difícil de implementar mas fácil de compreender. Ora, andar para aqui a vociferar contra as potências estrangeiras e a clamar pela independência nacional, ou que é preciso "voz grossa para negociar com a Troika" vale tanto como rasgar as vestes com o Ultimatum e a questão do mapa cor de rosa: nada, a não ser talvez ficar com a voz rouca. Queríamos manter Angola e Moçambique ligadas? Tivéssemos um exército que defendesse o território. Querem Portugal fora do alcance da vontade da Chanceler e dos "terríveis" conspiradores por detrás dos mercados? Construamos pois uma economia que lhes seja imune. Claro que este desiderato esbarra na Constituição, no PS e em todos aqueles que falam muito, criticam muito mas não compreendem a mais elementar das verdades humanas: quem se endivida para além da sua capacidade de pagar o preço (juro) desse endividamento acaba nas mãos dos seus credores. Normalmente pendurado de cabeça para baixo e do alto de um quinto andar.
O VAZIO
Os senhores da comunicação política do PS devem ter dito ao Sr. Seguro que as declarações prévias não caíram bem no "público". Agora lá vem dar o dito por não dito não dizendo nada. O vazio, pois claro.
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
LÓGICA INVERTIDA
Está aqui uma lógica porreira: o Estado endivida-se brutalmente e ao apurar-se o resultado, segundo o título da notícia, a malta é que deve dinheiro ao Estado, mais concretamente: "Cada Português deve 20 mil euros ao Estado". Assim se vê como funciona a psique tuga: o Estado cria dinheiro e a malta paga-lhe o obséquio. Ora, a dívida pública não é o que os portugueses devem ao Estado mas sim o que o Estado deve às pessoas que lhe emprestaram dinheiro, incluindo a alguns Portugueses. No entanto, como o Estado não tem dinheiro a não ser o dinheiro que retira através de impostos aos Portugueses, os Portugueses acabam a dever a dívida criada pelo Estado aos credores internacionais. Dizer que os Portugueses devem ao Estado implica dizer que o Estado é credor e isso é mentira: o Estado é devedor. E o mexilhão é que paga.
SEM VERGONHA
O Partido Socialista representa hoje em Portugal o mais perfeito exemplo da superficialidade argumentativa e da demagogia política. É que, tal como o bronco que se recusa a tentar compreender os argumentos contrários à sua posição e grita por forma a nem os ouvir, recusa-se sequer a debater os cortes na despesa. Ficamos, portanto, com o deficit, a dívida e o Estado asfixiante que temos. Ah, e a austeridade que o PS também recusa. O que propõe então o PS? Nada. Absolutamente nada ao mesmo tempo que exige tudo e o seu contrário. Uma vergonha. E mais um prego no caixão da triste sina portuguesa: o interessezinho comezinho vale sempre mais do que as obrigações para com o país. Mas que outra coisa se poderia esperar daqueles que nos trouxeram à falência? Arrependimento? Para isso seria preciso primeiro que tivessem vergonha na cara.
terça-feira, 16 de outubro de 2012
ORA, NEM MAIS, ENTÃO É FÁCIL
É que é isto mesmo que é preciso: sugiro aos Srs. ilustres Deputados do PSD e do CDS que, em resposta ao desafio de Gaspar, comecem por sugerir a transferência de serviços do sector público para o privado. Assim de repente podem começar por sugerir acabar com o centralismo despesista e controleiro do ministério da educação e propor o princípio de que as escolas são mais bem geridas localmente e, se possível, por entidades privadas. Podem dar como exemplo que as escolas privadas com contratos de associação com o Estado têm melhores resultados - e a menor custo para o Estado! - do que as suas vizinhas públicas. Também podem referir que, já que 80% da despesa do Estado é feita com a função pública e as prestações sociais, se não se reformar o entendimento que temos da educação e da saúde não vamos a lado algum. Podem também referir que a ideia de prestar serviços gratuitos a quem os pode pagar, financiado este desiderato através de dívida acumulada (deficits) ou impostos pesadíssimos sobre os cidadãos é um factor de uma enorme injustiça social. E depois podem relembrar que nenhuma destas sugestões servem para alguma coisa porque vivemos num país em que tudo é inconstitucional, até o Mestrado da Nova leccionado em Inglês. Já agora, podem aproveitar a dica da constitucionalidade e passar umas gravações onde o então candidato Passos Coelho, cheio de cabelo, afirmava ainda no tempo dos P(R)EC's de sócrates, o pequeno, que era necessária uma revisão constitucional para reformar Portugal. Posto isto podem os Srs. ilustres deputados enfiarem-se nos seus Clios e dirigirem-se para casa com a consciência tranquila de quem tudo fez o que estava ao seu alcance para que tudo mudasse apesar de saberem que, com excepção dos hipotéticos Clios, não têm poder para fazer rigorosamente mais nada. Viva Portugal e paz à Sua alma.
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
domingo, 14 de outubro de 2012
AVISO À NAVEGAÇÃO
Se os senhores e senhoras que andam por aí a clamar pela queda do governo e por alguma forma de revolução popular estão à espera de ajudar em alguma coisa estão muito enganados: se cair o governo e houver eleições antecipadas virão os senhores da dívida dar cabo do que resta guiando o país ao caos e à miséria. Se assim for, depois, talvez eleitos pelo povo na democracia que agora não respeitam, os senhores da dívida, do Estado e do progresso da estrema-esquerda, a ser-lhes dada a oportunidade, tratarão de revolucionar Portugal rumo a um socialismo ditatorial. Se acham que a PSP é mazinha esperem para ver depois a guarda do novo regime. Se, por outro lado - este inimaginável para mim -, estes revolucionários de All Stars às cores e IPnones na mão tivessem sucesso nalguma forma de alteração de regime político, o resultado seria o mesmo: uma questão de tempo até os novos iluminados virem salvar a pátria e impor a sua nova ordem. Em nome do povo, claro. A ignorância impera mas eu deixo um claro aviso à navegação: sejam as brigadas populares ou os guardas oficiais de um novo regime, quem vier tentar ocupar aquilo que é meu será recebido de caçadeira na mão: a liberdade luta-se por ela e eu não estou disposto a abdicar da minha.
THE TREE OF LIFE
Vi ontem o filme The Tree of Life (2011) de Terence Malick. Estava curioso porque as críticas que me tinham chegado eram bastante antagónicas: pessoas que eu respeito ora me diziam que o filme era uma estucha pretenciosa ora afirmavam plenos de convicção que tinha sido um dos filmes mais belos que já haviam visto na vida. Perante tal cenário sabia eu já uma coisa: o filme não era indiferente e, apenas por essa razão - em tempos de triste indiferença - já tinha eu uma expectativa positiva: quer fosse uma repulsa profunda ou um enamoramento por algo belo, pelo menos, algo iria acontecer. E aconteceu, de facto. O filme começa de uma forma enigmática sem que se perceba bem qual a ligação entre o momento presente e a acção que se passa nos anos 50. No entanto - e isso eu já sabia aos cinco minutos de filme - os planos de realização e a fotografia simples e cristalina transmitiam imagens de uma beleza rara no cinema. Tal como profundamente sensorial é toda a sequência da criação universal onde, ao som da Lacrimosa de Preisner, somos levados aos píncaros do belo: o cosmos que também somos na sua magnitude universal. Por este ponto já intuía eu que, por pior que viesse aí, já não poderia dar o meu tempo como perdido. Da orgíaca criação cosmológica para a evolução da vida na Terra e a serenidade do mar de onde a vida partiu, passando por uma extrapolação infundada onde a compaixão nasceria ainda com os dinossauros, tudo faz parte de uma preparação para que libertemos os pensamentos e nos deixemos levar pelas sensações. Aqui uma nota mais técnica para a recusa de Malick em utilizar os efeitos especiais actuais e ter recrutado Douglas Trumbull para supervisor de efeitos especiais; Trumbull foi o responsável pelos efeitos de filmes como 2001 A Space Odissey (1968) e Blade Runner (1982), tendo sido este, aliás, o seu último filme em vinte e nove anos: não esqueceu, pelo contrário. Aliás, venham mais destes que a falsidade cibernética e espalhafosa da actualidade de facto não lhes chega aos calcanhares. As semelhanças com a obra prima de Kubrick não ficam por aqui: todo o sentimento de descoberta e evolução da vida através de uma epopeia onde o mais singelo feito toma a forma de um acto heróico faz mesmo lembrar aqueles minutos imortais iniciais de 2001 A Space Odissey. E não fica a perder. Finalmente entramos onde Malick nos quis trazer: ao nascimento e ao desenvolvimento do emocional, dos seus laços, do amor e do ódio, de tudo que, no final, é a essência da vida. Através das imagens esculpidas e da música que emana entramos nós no mundo daquela criança que um dia todos nós fomos. Emanuel Lubezki, o director de fotografia, explica que a fotografia, e o filme em geral, mais do que pretender narrar uma estória tem por finalidade funcionar como gatilho para a libertação de "toneladas de memórias, tal como um cheiro ou um perfume". E é isso mesmo que The Tree of Life é: um perfume. Acompanhar o crescimento daquela criança é sermos de novo a criança; é reviver-se a nossa infância, os momentos de ligação profunda e única com os pais, a família, o amor; reviver uma vida que para nós, os adultos, já passou e onde a enclausura implacável do tempo nos faz garantir que é uma vida que nunca mais voltará. The Tree of Life permite reviver, sentir de novo, relembrar, sentir, sentir, sentir, recordar. É, nesse sentido, profundamente avassalador. As dúvidas sobre o bem e o mal, as arbitrariadades da vida moral, dos humanos eles próprios, a incerteza e as frustrações, as certezas e as desilusões; enfim, as vicissitudes da vida e o sofrimento da condição humana: está lá tudo. Por fim a mensagem: talvez fique para cada um a interpretação dos desertos de Sean Penn (que instintivamente me fizeram lembrar Zabriskie Point (1970) de Antonioni) e dos planos absolutamente fenomenais da cidade moderna. A mim, depois de mergulhar no oceano de emoções minhas que Malick me ajudou a reviver, sobra a convicção - que já tenho há muito - de que, perdidos no cosmos, apenas nos sobram as mãos daqueles que estão perdidos connosco. Não será difícil de perceber que me junto àqueles que afirmam The Tree of Life como uma das mais belas experiências cinematográficas que já viveram. É isso e algo mais ainda: porque é um filme para se sentir e não para se entender, não querendo com isto dizer que o filme não se compreenda. Pelo contrário: sentir é também uma forma de compreensão do todo que Malick pretende mostrar. No final, fica um hino à emoção que por duas horas nos livra da fria e crua realidade racional onde nos querem enfiar fazendo-nos relembrar a nossa condição através do reviver das nossas próprias memórias. Um gatilho implacável, de facto. Qualquer racionalista empedernido contemporâneo não há-de ter aguentado, provavelmente, mais do que vinte ou trinta minutos. Pior para ele: ficam os pretensos racionalistas a perder mais um pedaço da experiência da humanidade.
Votação IMDB: 6.9 \ 10
Votação Desblogueada: 10 \ 10
sábado, 13 de outubro de 2012
sexta-feira, 12 de outubro de 2012
GASPAR, NÃO É POR AÍ
O novo regime de IRS é uma vergonha. Ponto final. Em Portugal vive-se para sustentar o Estado, o que significa que o Estado entende que deve retirar uma grande parte do rendimento das pessoas (a sua propriedade privada, fruto do seu trabalho) e decidir ele próprio em nome das pessoas onde gastá-lo. Claro está que pelo caminho resolve gastar em coisas que, provavelmente, as pessoas nem consideram muito aceitáveis. Isto é o socialismo na sua essência mais pura: ter uns poucos a decidir o que fazer com o trabalho de muitos. O Estado português representa hoje em dia um peso que afunda os Portugueses que se vêem todos os dias a pensar como vão pagar as suas contas; pior: ao retirar-lhes muito do pouco que têm, ao retirar dinheiro da economia privada, havendo menos consumo, menos investimento e, consequentemente, menos emprego, afunda também essa mesma economia fazendo com que, dessa forma, os Portugueses sofram uma asfixia dupla. Em suma: o Estado está a levar-nos ao fundo; neste momento estamos num caminho onde o único resultado possível será a miséria: em vez da miséria abrupta que uma bancarrota sócrates nos causaria, temos a miséria gradual, asfixiante e inexorável que o garrote fiscal vai impondo à economia e aos Portugueses. Agora, entendam-se duas coisas: a austeridade é necessária pois que o Estado não pode continuar a gastar mais do que ganha; no entanto, há várias receitas para essa austeridade. A alternativa não está em "acabar com a austeridade" como os socialistas irresponsáveis (aqueles que em primeira instância nos colocaram nesta situação) querem vender aos mais incautos, mas sim nas diferentes formas como aplicá-la. E aqui há dois caminhos: a actual política socialista encapotada onde as contas são equilibradas primariamente através do aumento das receitas do Estado (mais impostos) e onde a consequência é que diminuem os rendimentos disponíveis da economia fazendo com que, proporcionalmente, o Estado vá ficando cada vez mais pesado; ao mesmo tempo, as empresas vão falindo, o desemprego vai aumentando e o Estado, implacável, precisando de manter o desiderato de equilibrar as contas, lá vai aumentando sempre os impostos, carregando e carregando todo o peso do seu desnorte em cima dos cidadãos. Este é o caminho que tem sido seguido: um caminho de miséria inevitável e de uma privação cada vez mais inaceitável da liberdade individual. A alternativa é óbvia: diminuir o deficit diminuindo efectivamente a despesa do Estado. O problema aqui é que 80% dessa despesa é com salários e prestações sociais. Ou seja: diminuir a despesa de facto implica duas coisas básicas, fundamentais e inevitáveis: (1) que o acesso aos bens públicos (educação, saúde) tem que ser repensado de forma a que sejam apenas gratuitos para os mais pobres que não podem mesmo pagar e que (2) se tem de diminuir a massa salarial da função pública de forma permanente: despedir (ou transferir para o sector privado) funcionários públicos, portanto. Não se pode ter o melhor dos dois mundos. A escolha é entre uma miséria anunciada para todos ou uma reforma profunda na sociedade portuguesa que nos abra novos horizontes e possibilidades de sucesso. Agora, austeridade sem que haja uma mudança do paradigma que nos trouxe à falência é óbvio que não trará nada de bom: apenas um lento agonizar nas malhas do descalabro anunciado. Não me parece justiça social, por exemplo, ter bens públicos gratuitos para todos aqueles que podem perfeitamente pagá-los quando precisarem; também não me parece justiça social termos todos que sustentar milhares de cidadãos que estão na função pública sem produzir (veja-se o caso de professores sem horários, p. ex.) ou a produzir bens que podem ser perfeitamente produzidos pelo sector privado (assumindo este os seus salários) ou, pior ainda, a produzir bens desnecessários: despesa, portanto. A reformulação da função pública passa por racionalizar, privatizar ou extinguir serviços o que forçará, naturalmente, os funcionários públicos afectados a ter que ir procurar emprego no sector privado. Claro está, que tais medidas não podem ser implementadas sem ser no seio de um programa mais vasto de (des)intervenção económica: se já sabemos que mais impostos travam a economia é preciso que seja desanuviada a carga fiscal precisamente para obter o efeito contrário: diminuindo os impostos sobre as pessoas aumenta-se o consumo e actividade económica, criando-se novos empregos; diminuindo os impostos sobre as empresas aumenta-se a sua capacidade de investimento e criam-se novos empregos. Finalmente, edificando um regime fiscal competitivo e estável - sublinhe-se o termo 'estável' - criam-se condições para atrair investimento estrangeiro, criando mais emprego. É através da actividade económica privada que se cria emprego - emprego esse que gera receita fiscal para o Estado; é precisamente através do aumento da actividade económica que se aumentam as receitas fiscais futuras de forma a gerarem-se superavits que possibilitem pagar (parte da) dívida acumulada. Manter o nível actual de de funcionários públicos apenas garante a impossibilidade de efectivamente diminuir a despesa. Tudo isto, obviamente, deverá ser acompanhado de uma drástica e evidente redução de regalias para a classe política; não porque o seu efeito seja de uma grande poupança económica (por si só não resolve nada, apenas ajuda) mas porque é de uma enorme e imperiosa necessidade ética e moral. Posto isto importa dizer que, obviamente, o caminho não é fácil; pelo contrário: é bastante penoso. Mas é um caminho. Seguindo o actual rumo estamos enfiados num buraco. Até Bruxelas já percebeu isso. A solução será portanto menos Estado, mais economia privada; menos impostos, mais liberdade individual; menos função pública, mais empregos no sector privado; menos garantias, mais riscos (e oportunidades); menos miséria anunciada mas mais possibilidade de prosperidade. O problema é que, mesmo com o apoio de Bruxelas, liberalizar de facto a economia apesar de ser o (único) caminho para maior justiça social (porque é a única possibilidade de permitir a criação de riqueza a médio prazo) implica enfrentar todos os interesses instalados na sociedade portuguesa. E para isso precisa-se de um governo forte, capaz de implementar as reformas necessárias, por mais difíceis que sejam. O problema (ou a virtude) é que as actuais medidas não serão suportadas por muito mais tempo o que levará à inevitabilidade do caminho alternativo aqui proposto, nem que seja imposto de fora. Ou seja: ou precisamos de um governo esclarecido e determinado com força para implementar as reformas de que absolutamente necessitamos ou, tristemente, precisamos de um governo obediente a Bruxelas mas que tenha força para implementar no país as medidas que nos serão impostas. Neste momento não temos nem uma coisa nem outra porque aquilo que é mesmo necessário é força; e força é coisa que este governo parece não ter. Pior: temos um governo ferido de legitimidade moral porque um governo que exige o sacrifício que actualmente é exigido aos Portugueses não pode ter nada a que se possa apontar o dedo. Nada. Muito menos ter por lá um ministro como o Dr. Relvas que, sozinho, conseguiu deitar por terra a credibilidade do próprio, do Primeiro Ministro e, consequentemente, do governo. É preciso emendar a mão. É preciso inverter o rumo. Venha a remodelação governamental e venha, fundamental! a coragem e o ímpeto verdadeiramente reformista: e se assim não for que da maioria parlamentar venha outro Primeiro Ministro e outro governo capaz de fazer aquilo que este não conseguiu. Permitir que a actual maioria parlamentar chegue ao fim do seu mandato sem que as principais reformas tenham sido feitas será a receita do fracasso nacional. É que as alternativas já nós sabemos quais são.
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
DA INDIFERENÇA
O facto de sermos uma espécie que tem a capacidade de adaptar o meio ambiente a si própria é um facto absolutamente assinalável e merecedor de grande orgulho. Darmos por nós em realidades físicas onde tudo é feito à medida humana - casas, cadeiras, estradas - é um feito único e tremendo. Tremendo! Mas a maior parte dos ditos humanos passa por esse permanente monumento como se nada fosse, nada significasse: como aqueles passageiros que voam velozmente por entre as nuvens a reclamar com o ruído que um vizinho de ocasião produz. Voar, imagine-se! Se tal feito é por si só uma obra prima universal, igualmente esclarecedor será o universal encolher de ombros com que se encara a realização efectiva do mais antigo sonho da Humanidade: andar pelos céus. Talvez seja precisa tal indiferença para que se criem coisas novas mas sobra então a pergunta: coisas novas para quê? Se as maiores novidades eclodem apenas para encontrar a mais fria indiferença humana para quê, então, todo o esforço? De que vale a obra humana se, na sua insignificância universal, não é valorizada e gozada por aqueles únicos para quem ela é grande, entenda-se: os próprios? Valerá, pois então, valerá para quem a viva; valerá para quem não lhe seja indiferente e que guarde tal modesto orgulho como motivo de conforto. Para os restantes sobra a crua insatisfação e a infelicidade de quem não sabendo o que quer, tudo deseja sem que lhe aproveite nada.
DAS LÁGRIMAS
"E todavia, meu amigo, se um bom silogismo vale muito, uma lágrima bem quente, bem viva e bem sentida, deve valer tanto - ou muito mais ainda. O peso de uma lágrima! Leve cousa, talvez, na palma da mão de um filósofo, acostumada a levantar a mole espantosa dos argumentos, dos sistemas, das ciências. Mas quando sobre o coração nos cai, duns olhos que Deus fizera para a luz e para a ventura, e a que a vida só deu sombras e abrolhos - então! sente-se-lhe bem o peso, a essa pobre gota de água, e não há aí já peito de bronze que não vergue e se abale, como se tocasse o dedo invisível de uma divindade..."
Antero de Quental, O Sentimento da Imortalidade [Carta ao Sr. Anselmo de Andrade] (1865)
Antero de Quental, O Sentimento da Imortalidade [Carta ao Sr. Anselmo de Andrade] (1865)
DA OPOSIÇÃO
"What is in opposition is in agreement and the most beautiful harmony comes out of things in conflict (and all is born according to strife)."
Heraclitus
Heraclitus
TRISTEZA
Ora aqui está uma palhaçada: construir uma ponte é que não mas uma barragem gigante já pode ser. Isto sem entrar no logro financeiro e económico (e político) que a construção da barragem significa desde logo. Sinceramente, estou a marimbar-me para classificações internacionais, agora ver aquela zona única do nosso país alterada permanentemente (destruída) em nome de interesses ilegítimos é simplesmente ofensivo; mais uma página na (longa) destruição ambiental do país: troca-se o permanente por uns patacos no presente. O diabo que os carregue a todos.
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
869
Parece que a malta do sistema anda por ai' a comemorar umas coisas; como de costume enfiaram a pata na poça e la' fizeram asneira com uma bandeira. Indiferente: Portugal comemora hoje oitocentos e sessenta e nove anos de independência. O resto são batatas. E quem ainda não percebeu que o Dia de Portugal e' o 5 de Outubro de 1143 pode ir aprender porquê. Diz que hoje em dia utilizando uma tal de 'internet' não e' coisa que leve muito tempo. Basta vontade.
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
PONTO DE SITUAÇÃO
1. Pedro Passos coelho nunca mais pode dizer que não vira a cara às dificuldades e que assume sempre ele a responsabilidade de comunicar aos Portugueses as medidas difíceis.
2. Paulo Portas não conta para o totobola pois, como sabemos, não concorda com aumentos de impostos.
3. A via do socialismo continua imparável: cada vez mais impostos, cada vez mais os Portugueses, literalmente, trabalham para sustentar o Estado.
4. As reformas na Educação, Administração Interna e Defesa onde o governo conta poupar em 2014 ficaram por explicar; sobra a intenção.
5. Os impostos serão diminuídos à medida que a despesa pública for sendo reduzida (e a respectiva substituição do deficit for um superavit, depreendo). Fico muito mais descansado.
Conclusão:
a) fico apreensivo pela coesão do governo;
b) tenho dúvidas, que espero ver esfumadas - haja esperança! -, na capacidade do governo em reformar de facto o Estado e a despesa pública portuguesa;
c) há um cabrão a rir-se em Paris que merece um enxerto de pancada. E alguns em Lisboa, este, por exemplo. Só o BPN custou 3405 milhões de euros.
2. Paulo Portas não conta para o totobola pois, como sabemos, não concorda com aumentos de impostos.
3. A via do socialismo continua imparável: cada vez mais impostos, cada vez mais os Portugueses, literalmente, trabalham para sustentar o Estado.
4. As reformas na Educação, Administração Interna e Defesa onde o governo conta poupar em 2014 ficaram por explicar; sobra a intenção.
5. Os impostos serão diminuídos à medida que a despesa pública for sendo reduzida (e a respectiva substituição do deficit for um superavit, depreendo). Fico muito mais descansado.
Conclusão:
a) fico apreensivo pela coesão do governo;
b) tenho dúvidas, que espero ver esfumadas - haja esperança! -, na capacidade do governo em reformar de facto o Estado e a despesa pública portuguesa;
c) há um cabrão a rir-se em Paris que merece um enxerto de pancada. E alguns em Lisboa, este, por exemplo. Só o BPN custou 3405 milhões de euros.
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
MEDIOCRIDADE
O DN hoje resolveu publicar uma entrevista desta personagem. Pior: a entrevista é feita pela agência pública (paga com o dinheiro dos contribuintes, portanto) Lusa. Ali se fala sobre a situação política portuguesa "esquecendo-se" que a personagem em questão é, no mínimo, um ludibriador da justiça portuguesa. Não há vergonha.
DEPENDÊNCIA FINANCEIRA
Aquilo que mais salta à vista quando lemos que Bruxelas já aprovou as medidas que substituirão a "TSU" é que perdemos por completo a nossa liberdade: antes do povo saber, já Bruxelas sabe. E, antes que se levantem os indignados a gritar e a rasgar as vestes porque não são tidos nem achados, permitam-me que esclareça uma pequena coisa: isto é o que acontece a quem vai à falência e fica nas mãos dos credores. Quem quiser clamar por liberdade que faça o favor de pensar primeiro porque é que estamos falidos. Aliás, já S. João Bosco dizia, e muito bem, que liberdade é igual a responsabilidade: não tivemos a segunda logo perdemos a primeira. Curiosamente, ainda não vi manifestações populares que exijam a diminuição da despesa do Estado (a razão porque estamos falidos é que o nosso Estado gasta mais do que ganha há 40 anos) portanto imagino que não haja muita gente preocupada com a liberdade do nosso país.
O LEGALISMO
Já se sabe há muito tempo que o que o Dr. Relvas fez não era ilegal; mais: que era mesmo legal no sentido em que tinha seguido regulamentos e disposições legais também se sabia. No país da regulite e do legalismo - na senda da ética republicana socialista, aliás - apenas importa se é legal ou não: as PPP's do Campos? Eram legais. A viabilização do Freeport em zona protegida? Foi legal. Ninguém pergunta se se consideram tais comportamentos como aceitáveis ou não. Como se as leis que impedem os maus comportamentos caíssem do céu sem ninguém lutar por elas, ou então, que já tivessem sido todas as leis encontradas e que o ordenamento legal que temos é eterno e imutável. O problema é que se decidirmos que tais comportamentos não são aceitáveis temos que fazer qualquer coisa - clarificar legislação que torne o legal em ilegal - agora, se apenas nos perguntarmos se foi legal ou não, nada sobra para fazer: os governantes fazem as leis que quiserem e depois desde que não as infrinjam podem fazer as asneiras que lhes bem aprouver. A ver se nos entendemos: a pergunta não é apenas se é legal ou não; é também se o comportamento é aceitável ou não e se a lei que regula tais comportamentos é boa ou não. E aí entra-se - finalmente! - numa profundidade do debate que seria útil para alguma coisa.
domingo, 30 de setembro de 2012
A LIBERDADE COMO MANIFESTAÇÃO DE VONTADE
Se os conceitos são uma tensão permanente entre opostos o que lhes atribuí então um significado específico para o homem? A vontade humana que preside à interpretação, pois claro. A única manifestação absolutamente despótica da liberdade revela-se na criação dos sentidos e significados: inventamos literalmente o mundo em que vivemos.
A LIBERDADE COMO HARMONIA
A nossa realidade é limitada por uma tensão dicotómica que se revela em tudo no nosso mundo: ao frio contrapõe-se o quente, ao uno o múltiplo ou ao bom o mau. No entanto, os limites da nossa realidade (o menos e o mais de cada uma dessas tensões) não são absolutos: o bem de um pode ser o mal do outro ou, mais fácil, o que para um é quente para outro pode ser frio. Como os conceitos são interpretações (criações) humanas - e os humanos são tão mundo quanto uma pedra ou uma árvore - também estes são limitados pela mesma tensão dicotómica: a liberdade é a tensão entre o interesse do indivíduo e o interesse da comunidade que o engloba tal como a conduta humana varia na tensão permanente entre a certeza do incerto e a convicção absoluta. No meio está a virtude não porque tenhamos que rejeitar os opostos desse meio (estamos mergulhados neles sempre, fazem parte de nós) mas sim porque é nesse meio que a tensão, ao equilibrar-se entre opostos igualmente válidos, ganha uma harmonia que de outra forma seria impossível de adquirir. A vida feliz, porque livre, será então a de reconhecer - e aceitar - os opostos que nos limitam para, ao fazê-lo, conseguir procurar a virtude do meio termo: não se encontra o meio se não soubermos os seus limites.
DA LIBERDADE
Ser-se livre não é fazer tudo, muito pelo contrário: é reconhecer os limites dessa liberdade por forma a que se tenha à disposição o maior leque possível de escolhas. Aquele que não conhece os limites da sua acção potencial - as fronteiras da sua liberdade de acção -, ao escolher entre premissas que não tem (porque estão fora dessa fronteira) ou não levando em consideração aquelas que não conhece (apesar de possíveis), está condenado a um leque de opções mais reduzido, a uma menor possibilidade de escolha; a ser menos livre, portanto.
sábado, 29 de setembro de 2012
BEING IN THE WORLD
Vale a pena ver este documentário. Além de dar uma simples ideia da importância da filosofia para a compreensão do processo que é a vida e de como usufrui-lo melhor - a vida feliz, portanto - consegue de uma forma muito agradável dar uma nota no pensamento profundo de Heidegger e no seu conceito de ser. Claro que tem uma agenda por detrás, é verdade, mas independentemente disso pode servir sempre para reflectir um pouco sobre o que significa de facto ser-se humano; filosofar, a modos que.
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
O SOCIALISMO E A INDIFERENÇA
"Não há necessidade de sermos voluntários num hospital ou num clube de juventude, de entrarmos para o serviço de socorro nem de organizarmos um bazar beneficente quando todos os nossos problemas são resolvidos por um plano central."
Roger Scruton, As Vantagens do Pessimismo (2009)
Roger Scruton, As Vantagens do Pessimismo (2009)
DO FUTURISMO
Scruton diz-nos que "substituindo «é» por «será» permitimos que o irreal vença o real e que mundos sem limites obliterem os constrangimentos que conhecemos." Trocando por miúdos: achar que os problemas sociais se resolvem com um mundo novo - um sonho, portanto - não é mais do que recusar os limites da realidade substituindo-os por um mundo de fantasia onde as nossas vontades, por mais ingénuas que sejam, serão sempre satisfeitas. Atirar para amanhã permite que conquanto tudo seja possível na nossa imaginação o mundo real verdadeiramente esteja a soçobrar à nossa volta hoje. Atirar para a manhã significa não ter que fazer nada agora a não ser recusar o que é. Uma birra, portanto. Entre a inacção e a recusa da realidade sobra a incapacidade de aceitar a vida tal como ela é; uma incapacidade própria dos humanos que mais sonham com o que não podem ter: as crianças.
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
SATAN YOUR KINGDOM MUST COME DOWN
Robert Plant, "Satan Your Kingdom Must Come Down", Band of Joy (2010)
A MORTE DA SEGURANÇA SOCIAL
Para um conservador os mortos falam através dos valores e tradições que nos deixaram, tal como os não-vivos, aqueles que ainda não nasceram, também não deixam de ter voz porque, incautos e desprotegidos, vão encontrar o mundo que os vivos lhes deixarem. Não podemos por essa razão deixar de os considerar nos arranjos políticos do momento: um arranjo político que não tem em consideração o futuro é a morte anunciada de uma sociedade, consequentemente, um desrespeito aos direitos dos que ainda não vivem e à memória dos que já viveram. A solidariedade inter-geracional é por isso fundamental mas, como veremos, difere um pouco dos princípios éticos que presidem à génese dos esquemas de segurança social: aqui os novos sustentam os velhos; e aqueles quando chegados a velhos serão sustentados pelos novos de então. No entanto, este esquema de financiamento, difere muito pouco do estratagema que levou Bernard Madoff à cadeia ou que celebrizou um imigrante italiano na América dos anos 20: Carlo Ponzi. Neste esquema prometem-se elevados rendimentos a quem nele quiser investir e vão se pagando os juros com o dinheiro que vai entrando através de novos investidores (atraídos pela confirmação do pagamento de levados juros aos primeiros investidores). Enquanto o sistema for capaz de atrair novos investidores há dinheiro para pagar os juros dos investidores mais antigos; no momento em que deixarem de entrar novos investidores o sistema colapsa pois não há dinheiro para retornar àqueles que no esquema confiaram depositando o seu dinheiro. Se analisarmos bem é precisamente este o esquema da segurança social: enquanto entrarem novos financiadores (trabalhadores no activo) vai-se pagando os juros aos financiadores mais antigos (reformas dos reformados). No entanto, infelizmente, o esquema está a entrar em colapso pois, como para todos deveria ser evidente, há cada vez menos trabalhadores no activo (as taxas de natalidade batem recordes negativos) e cada reformado pretende receber mais juros (porque vivem mais tempo, têm reformas mais longas). Não é preciso ser um especialista para perceber que o sistema tem os dias contados. Pior: não só o Estado gere uma aldrabice (exige dinheiro que não devolverá) como a torna obrigatória; ao menos nos esquemas Madoff-Ponzi só caía quem queria. Hoje em dia os trabalhadores são forçados por lei a financiar um esquema falido do qual garantidamente não virão a beneficiar no futuro; a um esquema assim chama-se roubo e consiste numa verdadeira aldrabice que se não fosse gerida pelo Estado daria seguramente prisão. Infelizmente, não ouvimos falar disto nas manifestações da CGTP, no entanto, mentalizemo-nos: hoje em dia defender verdadeiramente os interesses dos trabalhadores é lutar para que cada um tenha o direito de investir o fruto do seu labor no plano de poupança para a velhice que cada um entender; já lutar pela manutenção de um esquema falido que obriga a gastar agora o que não se receberá depois não é mais do que manter uma injusta e vergonhosa exploração do trabalhador moderno. Mas vá-se lá explicar isto aos Srs. sindicalistas e à esquerda da "solidariedade social": impossível, esses, continuam à espera de descontar os cupões do Carlo Ponzi.
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
PARA OS SENHORES CONTRA-SISTEMA (e a extrema-esquerda em geral)
"Os optimistas inescrupulosos acreditam que as dificuldades e as desordens da espécie humana podem ser vencidas por um ajustamento em grande escala: basta inventar um novo arranjo, um novo sistema, e as pessoas serão libertadas da sua prisão temporária para um reino de sucesso. Quando se trata de ajudar os outros, portanto, todos os seus esforços são postos no esquema abstracto do melhoramento humano e absolutamente nenhum na virtude pessoal que lhes podia permitir o desempenho do pequeno papel que aos humanos é atribuído na na melhoria da sorte dos seus semelhantes. A esperança, no seu quadro mental, deixa de ser uma virtude pessoal que modera as dores e os problemas, que ensina a paciência e o sacrifício e que prepara a alma para o agape. Torna-se, em vez disso, um mecanismo de transformação dos problemas em soluções e da dor em exultação, sem fazer uma pausa para estudar a evidência acumulada da natureza humana, que nos diz que único melhoramento que está sob o nosso controlo é o melhoramento de nós próprios."
Roger Scruton, As Vantagens do Pessimismo (2009)
Roger Scruton, As Vantagens do Pessimismo (2009)
AS THE DAYS KEEP TURNING INTO NIGHTS
Alexi Murdoch, "All of My Days", Time without Consequence (2006)
UM ISALTINO, DOIS ISALTINOS, TRÊS ISALTINOS
Gosto desta notícia mas, como português honesto, já vou estando calejado: ver para crer, ver para crer. No entanto, entre estas ocorrências e os milhões da família abastadíssima de sócrates, o pequeno, vai-se percebendo o nível da governação socialista e porque estamos como estamos. Às vezes parece que os Portugueses já se esqueceram.
CONDICIONAMENTO DAS MASSAS
Aquilo que para os primeiros marxistas passava pelo controlo e organização do proletariado passou para os seus herdeiros, na ausência do proletariado que está hoje acomodado às benesses da vida burguesa, capitalista e tecnológica, por uma tentativa de condicionamento das massas que, sendo as massas mais ricas da História, carecem de um discurso diferente do original "opressão do proletariado através da usurpação da mais valia". Há, neste caso, uma aparente normalização democrática na tentativa de angariar apoios: os lobos vestem a pele de cordeiros, portanto. Enquanto no Século XIX um marxista era um revolucionário que pugnava pela luta armada e a instauração da ditadura do proletariado que iria libertar os oprimidos trabalhadores, hoje um radical de esquerda tem que ter mais cuidado: os trabalhadores já têm o suficiente para não gostar da ideia da igual distribuição da riqueza... através do Estado. Assim, sendo uma minoria, arranjam os radicais os mais variados estratagemas para se fazerem parecer mais do que são: desde ao aproveitamento da rua até à dissimulação da sua verdadeira agenda revolucionária. Um bom exemplo disto é a manifestação "contra a Troika": apesar do resultado da ausência da troika ser a saída do euro, a ausência de financiamento para sustentar as funções mais básicas do Estado e o consequente processo de miséria e caos que daí adviria, a manifestação foi organizada precisamente sob o desígnio de se seguir uma alternativa à austeridade ("queremos as nossas vidas") que seja melhor. Ora, que alternativa é essa que passa por recusar o financiamento? Nenhuma. Pelo menos nenhuma que a maioria dos Portugueses que se manifestavam verdadeiramente quisesse assumir. No entanto, a extrema-esquerda sabe bem que a recusa da troika passa por um processo de isolamento internacional português onde o Estado, sem possibilidades de se financiar no estrangeiro, teria de recorrer aos recursos económicos domésticos. Daí às nacionalizações, ao congelamento dos depósitos bancários e à integração da economia no Estado seria um pulo. A ditadura da esquerda, pois claro. Essa é a verdadeira agenda da extrema-esquerda. No entanto, como não pode ser assumida - porque seria rejeitada pela população - vai sendo posta em prática a coberto da dissimulação e da demagogia política: tentarem enxovalhar ao máximo os governantes, acusar o sistema como culpado da situação, exigir bens públicos (que custam dinheiro público) ao mesmo tempo que clamam pela "expulsão" da troika (que efectivamente garante o financiamento dos bens públicos que temos). Esta paradoxo desmascara a aldrabice demagógica que a extrema-esquerda (e o sedento de poder estatal PS aproveita a onda) representa na vida democrática portuguesa. Querem - e exigem - o sol na eira e a chuva no nabal; e dessa forma desonesta pretendem que tanto os partidários do sol na eira como os da chuva no nabal os sigam. Mas quem organizou a manifestação? E quão "independentes" são de facto? No final fica a demagogia de quem exige o que não é possível de ser exigido: que se gaste o que não se tem ao mesmo tempo que se exige que quem empresta para que se gaste deixe de emprestar. Esta tentativa de condicionamento da acção política através da rua já foi feita antes: também após o 25 de Abril, o PREC e o "verão quente" de 75, a extrema-esquerda das ocupações e das manifestações intentava o estabelecimento de uma "democracia popular" em Portugal. Curiosamente quando chegaram as eleições de 1976 para a Assembleia da República o PCP não chegou aos 15% e a restante extrema-esquerda toda junta não lhe acrescentava nem sequer 3%. Foi aí que perceberam que isto pelo voto popular não vai lá a não ser... que se engane as pessoas. É por isto que ganha todo o significado a notícia de que os organizadores da manifestação anti-troika querem juntar-se à manifestação da CGTP. Não é mais do que tentar cavalgar o descontentamento popular (legítimo) para causas particulares que, nalguns casos até podendo ser legítimas, não são aquelas causas que acomodam os problemas que levaram as pessoas a manifestar-se a 15 de Setembro. Claro que as pessoas têm todo o direito a manifestar-se; convinha é que soubessem ao que vão. E que as alternativas que lhes vendem não são mais do que o engodo de um projecto de poder que, na sua génese, na sua ideologia e no seu processo, é profundamente anti-democrático.
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
OS ININPUTÁVEIS
O nível medíocre do espaço público português atesta-se facilmente pela capacidade que qualquer pateta tem em vomitar as maiores barbaridades e vê-las plasmadas em primeiras páginas. Num país decente declarações tão idiotas quanto estas seriam simplesmente descartadas por serem aquilo que são: politiquice rasteira, não credível e que trata os Portugueses como absolutos atrasados mentais. Daqui a uns anos teremos sócrates, o pequeno, a concorrer a Presidente da República e o Ministério da Educação a imprimir manuais de História a referirem a 'bancarrota Passos Coelho'? A sério: ainda aturam esta gente? Entre o pateta que tem o desplante de dizer o que diz, até ao jornal que faz manchete e aqueles que vão ler o artigo enquanto acenam colericamente em franca concórdia contra os bandidos dos fascistas da direita, entre uns e outros, eu apenas vislumbro a profunda miséria intelectual do meu país. Isso e uma grande falta de vergonha na cara.
sábado, 22 de setembro de 2012
AI PORTUGAL, PORTUGAL
Estou profundamente preocupado com o futuro próximo do meu país. Parece-me que, infelizmente, se afunilam as condições ideais para uma tensão inevitável e sem solução pacífica: um conflito forte, portanto. As condições para esta tempestade perfeita são três: a fragilidade governamental, a terrível situação estrutural da economia nacional e incapacidade da população interpretar fielmente a realidade dos factos.
Vamos por partes. A segunda e terceira causa estão profundamente inter-relacionadas: a população tem dificuldade em interpretar a realidade dos factos porque ninguém que esteja habituado a viver de uma determinada forma aceita e compreende bem que, repentinamente, tenha que mudar para pior. Mais: na melhor tradição progressista foi-lhe sempre - ao longo dos últimos quarenta anos - vendida a ilusão (até há bem pouco tempo) de que as coisas iriam melhorar sempre. O progresso caminha sempre, diziam eles, para a riqueza, para vivermos sempre melhor. Assim, o país, na senda progressista, abraçando o socialismo voluntarioso e eleitoralista, tem gasto sempre mais do que aquilo que produz precisamente para acomodar estes anseios e estas ilusões: verdade seja dita que nunca um político ganhou eleições a dizer que vamos passar a viver pior.
No entanto, infelizmente - e como era previsível -, porque ninguém pode viver acima das suas possibilidades, o dinheiro acabou-se e chegou a altura de mudar de vida. Das duas uma: ou se produz mais para se poder gastar o mesmo que se gastava ou, então, gasta-se menos para poder viver-se sem maior endividamento. Mas que não hajam dúvidas: o desequilíbrio estrutural da nossa economia há-de endireitar-se (não digo resolver-se mas pelo menos atenuar-se) porque ninguém empresta dinheiro a quem não pode pagar de volta. De uma forma ou de outra a vida vai mesmo ter que mudar. O problema é que a obrigatoriedade de produzir mais e gastar menos não é fácil de aceitar; e, como logo aparecem os oportunistas de serviço sempre a vender ilusões, entre aquele que diz aquela verdade e o político que vende ilusões há uma tentação de ir por este segundo. O mal é troika? Acabe-se com ela. O mal é o governo? Acabe-se com ele. O mal é o euro? Saia-se já. Tudo muito simples, tudo muito fácil de ser apreendido e propagado pelo espaço público: a solução está com os críticos. E quem são estes? Aqueles que ao longo dos últimos anos mais gastaram o que não tinham (o PS) ou que mais reclamaram e ainda reclamam para que se gaste ainda mais o que agora ainda menos se tem (PCP e BE). A desonestidade política da extrema esquerda é tenebrosa e muito perigosa até porque no desespero de não aceitar a situação, ouvir as sereias que cantam facilidades e utopias pode tornar-se tentador. Mas não nos admiremos da aparente estupidez das propostas da extrema-esquerda: no fundo a extrema esquerda deseja o colapso financeiro pois apenas este corroborará as suas teses marxistas; da mesma forma apenas o caos generalizado decorrente do colapso económico lhes permitirá - imaginam eles - a implementação do seu novo mundo. Até lá, escondem-se na suposta protecção dos mais desfavorecidos. Não tenhamos dúvidas: são esses os mais perigosos adversários.
No entanto a questão de fundo é simples: a vida vai mudar radicalmente. E mais, o principal problema é que ela vai mudar inevitavelmente: qualquer que seja a alternativa que se escolha as condições de vida vão piorar sempre pois teremos que sustentar a vida que levamos e a esta factura ainda acrescentar a da vida que levámos (e que ainda não pagámos). Que o choque com a realidade seja duro e difícil ninguém nega; agora que se recuse a realidade é que não serve de nada. E na forma como nas manifestações populares - legítimas - e na contestação generalizada não existe a menor capacidade de apresentar uma alternativa credível vê-se como a crítica é mais contra o que é do que contra a forma como é. Assim sendo, juntando-se a inevitabilidade do ajustamento estrutural económico nacional com a recusa da aceitação desse facto pela população só se pode esperar um crescendo de insatisfação... e potencial conflito. Quanto mais se recusar o ajustamento mais ele virá à força; quanto mais vier à força maior será a recusa em aceitá-lo. Em última instância se a tese da extrema esquerda for ouvida o colapso do nosso modo de vida será inevitável. E com a miséria virá a violência e a natural perda de direitos liberdades e garantias. Como dizia: de uma forma ou de outra a vida vai mudar.
A única forma de evitar o colapso será através de uma governação forte, clara e, acima de tudo, credível. A mim parece-me que Pedro Passos Coelho não "perde" o país (que não perdeu) naqueles quinze minutos a comunicar mais medidas de austeridade. Onde me parece que Passos Coelho "perde" a força de que mais necessitava agora é quando não deixa cair Miguel Relvas. A forma como Relvas continua sempre a pulular por aí (agora no estrangeiro para fugir à populaça como se esta o esquecesse), esgueirando-se pelos bastidores governamentais e partidários, "agarrado ao tacho" é uma coisa que irrita o comum dos cidadãos. Depois de sócrates, o pequeno, dar-se de caras o povo português com mais um chico-esperto da cacicagem partidária a quem literalmente nada acontece e não podemos admirarmo-nos por haver uma irritação generalizada: o povo a sofrer e o Relvas é inimputável? A malta a ser espremida e o Relvas no bem bom? Estas frases fizeram mais pela contestação generalizada do que qualquer corte salarial. Foi esta irritação para com uma gritante injustiça que ardeu em lume brando durante os últimos meses que fez saltar a ideia de que também este governo é mais um que está cheio d'eles, no fundo, no fundo, uns eles que são todos iguais. Não podemos exigir os sacrifícios que têm sido exigidos sem oferecer em contrapartida a máxima credibilidade. E foi aí que o Governo - e o o PM em particular - falharam.
Mas o enredo ainda piora. Na pior altura possível o até agora silencioso ministro Portas resolveu falar. Num oportunismo demagógico que deveria envergonhar o mais anónimo militante centrista, lá veio o politiqueiro fazer poitiquice. E se politiquice vale pouco, neste momento vale muito: ficamos com uma coligação governamental que demonstra que, por um lado, tem um partido refém dos seus interesses internos e caciqueiros (PSD e Relvas) e tem, pelo outro, um outro partido refém da sua ambição política desmesurada (CDS e Portas). Talvez a crise total e um PSD abaixo dos 20% seja um cenário que apeteça ao ambicioso Portas mas no meio disto tudo onde fica Portugal? Um joguete nas mãos dos fracos, corruptos e ambiciosos? Um alvo para os demagogos, anti-democráticos e anti-liberais? Um dependente dos ignorantes ou dos oportunistas? Que rumo para este país? Não estamos em alturas para brincadeiras e é bom que os senhores dirigentes dos partidos governamentais percebam isto. O mínimo deslize e as consequências podem ser fatais.
No fundo do buraco onde nos enfiaram os socialistas socretinos e os seus cúmplices (muitos estão aí à volta do novo governo) a vida não vai fácil e chegou a hora da coragem: coragem do povo recusar os cantos de sereias de quem vende ilusões - às quais bastando um pouco de investigação se percebe que não são credíveis: leiam os programas políticos da esquerda progressista e ponderem bem se querem trocar as liberdades que têm nas presentes dificuldades pela miséria escravizada que as soluções que eles preconizam sempre produziram onde foram implementadas. É preciso coragem para aceitar a realidade e recusar as facilidades oferecidas pelas ilusões. E é precisa ainda mais coragem para que os nossos governantes ponham o país à frente de tudo o resto e façam as reformas dolorosas que o país precisa. Estou certo que havendo credibilidade os Portugueses saberão aceitar a necessidade de mudança. Três anos e uma maioria absoluta dão para muita coisa: haja tino nos Srs. políticos porque apenas o fortalecimento virtuoso da governação pode evitar a tempestade perfeita que se avizinha. Isso e uma remodelação governamental.
Vamos por partes. A segunda e terceira causa estão profundamente inter-relacionadas: a população tem dificuldade em interpretar a realidade dos factos porque ninguém que esteja habituado a viver de uma determinada forma aceita e compreende bem que, repentinamente, tenha que mudar para pior. Mais: na melhor tradição progressista foi-lhe sempre - ao longo dos últimos quarenta anos - vendida a ilusão (até há bem pouco tempo) de que as coisas iriam melhorar sempre. O progresso caminha sempre, diziam eles, para a riqueza, para vivermos sempre melhor. Assim, o país, na senda progressista, abraçando o socialismo voluntarioso e eleitoralista, tem gasto sempre mais do que aquilo que produz precisamente para acomodar estes anseios e estas ilusões: verdade seja dita que nunca um político ganhou eleições a dizer que vamos passar a viver pior.
No entanto, infelizmente - e como era previsível -, porque ninguém pode viver acima das suas possibilidades, o dinheiro acabou-se e chegou a altura de mudar de vida. Das duas uma: ou se produz mais para se poder gastar o mesmo que se gastava ou, então, gasta-se menos para poder viver-se sem maior endividamento. Mas que não hajam dúvidas: o desequilíbrio estrutural da nossa economia há-de endireitar-se (não digo resolver-se mas pelo menos atenuar-se) porque ninguém empresta dinheiro a quem não pode pagar de volta. De uma forma ou de outra a vida vai mesmo ter que mudar. O problema é que a obrigatoriedade de produzir mais e gastar menos não é fácil de aceitar; e, como logo aparecem os oportunistas de serviço sempre a vender ilusões, entre aquele que diz aquela verdade e o político que vende ilusões há uma tentação de ir por este segundo. O mal é troika? Acabe-se com ela. O mal é o governo? Acabe-se com ele. O mal é o euro? Saia-se já. Tudo muito simples, tudo muito fácil de ser apreendido e propagado pelo espaço público: a solução está com os críticos. E quem são estes? Aqueles que ao longo dos últimos anos mais gastaram o que não tinham (o PS) ou que mais reclamaram e ainda reclamam para que se gaste ainda mais o que agora ainda menos se tem (PCP e BE). A desonestidade política da extrema esquerda é tenebrosa e muito perigosa até porque no desespero de não aceitar a situação, ouvir as sereias que cantam facilidades e utopias pode tornar-se tentador. Mas não nos admiremos da aparente estupidez das propostas da extrema-esquerda: no fundo a extrema esquerda deseja o colapso financeiro pois apenas este corroborará as suas teses marxistas; da mesma forma apenas o caos generalizado decorrente do colapso económico lhes permitirá - imaginam eles - a implementação do seu novo mundo. Até lá, escondem-se na suposta protecção dos mais desfavorecidos. Não tenhamos dúvidas: são esses os mais perigosos adversários.
No entanto a questão de fundo é simples: a vida vai mudar radicalmente. E mais, o principal problema é que ela vai mudar inevitavelmente: qualquer que seja a alternativa que se escolha as condições de vida vão piorar sempre pois teremos que sustentar a vida que levamos e a esta factura ainda acrescentar a da vida que levámos (e que ainda não pagámos). Que o choque com a realidade seja duro e difícil ninguém nega; agora que se recuse a realidade é que não serve de nada. E na forma como nas manifestações populares - legítimas - e na contestação generalizada não existe a menor capacidade de apresentar uma alternativa credível vê-se como a crítica é mais contra o que é do que contra a forma como é. Assim sendo, juntando-se a inevitabilidade do ajustamento estrutural económico nacional com a recusa da aceitação desse facto pela população só se pode esperar um crescendo de insatisfação... e potencial conflito. Quanto mais se recusar o ajustamento mais ele virá à força; quanto mais vier à força maior será a recusa em aceitá-lo. Em última instância se a tese da extrema esquerda for ouvida o colapso do nosso modo de vida será inevitável. E com a miséria virá a violência e a natural perda de direitos liberdades e garantias. Como dizia: de uma forma ou de outra a vida vai mudar.
A única forma de evitar o colapso será através de uma governação forte, clara e, acima de tudo, credível. A mim parece-me que Pedro Passos Coelho não "perde" o país (que não perdeu) naqueles quinze minutos a comunicar mais medidas de austeridade. Onde me parece que Passos Coelho "perde" a força de que mais necessitava agora é quando não deixa cair Miguel Relvas. A forma como Relvas continua sempre a pulular por aí (agora no estrangeiro para fugir à populaça como se esta o esquecesse), esgueirando-se pelos bastidores governamentais e partidários, "agarrado ao tacho" é uma coisa que irrita o comum dos cidadãos. Depois de sócrates, o pequeno, dar-se de caras o povo português com mais um chico-esperto da cacicagem partidária a quem literalmente nada acontece e não podemos admirarmo-nos por haver uma irritação generalizada: o povo a sofrer e o Relvas é inimputável? A malta a ser espremida e o Relvas no bem bom? Estas frases fizeram mais pela contestação generalizada do que qualquer corte salarial. Foi esta irritação para com uma gritante injustiça que ardeu em lume brando durante os últimos meses que fez saltar a ideia de que também este governo é mais um que está cheio d'eles, no fundo, no fundo, uns eles que são todos iguais. Não podemos exigir os sacrifícios que têm sido exigidos sem oferecer em contrapartida a máxima credibilidade. E foi aí que o Governo - e o o PM em particular - falharam.
Mas o enredo ainda piora. Na pior altura possível o até agora silencioso ministro Portas resolveu falar. Num oportunismo demagógico que deveria envergonhar o mais anónimo militante centrista, lá veio o politiqueiro fazer poitiquice. E se politiquice vale pouco, neste momento vale muito: ficamos com uma coligação governamental que demonstra que, por um lado, tem um partido refém dos seus interesses internos e caciqueiros (PSD e Relvas) e tem, pelo outro, um outro partido refém da sua ambição política desmesurada (CDS e Portas). Talvez a crise total e um PSD abaixo dos 20% seja um cenário que apeteça ao ambicioso Portas mas no meio disto tudo onde fica Portugal? Um joguete nas mãos dos fracos, corruptos e ambiciosos? Um alvo para os demagogos, anti-democráticos e anti-liberais? Um dependente dos ignorantes ou dos oportunistas? Que rumo para este país? Não estamos em alturas para brincadeiras e é bom que os senhores dirigentes dos partidos governamentais percebam isto. O mínimo deslize e as consequências podem ser fatais.
No fundo do buraco onde nos enfiaram os socialistas socretinos e os seus cúmplices (muitos estão aí à volta do novo governo) a vida não vai fácil e chegou a hora da coragem: coragem do povo recusar os cantos de sereias de quem vende ilusões - às quais bastando um pouco de investigação se percebe que não são credíveis: leiam os programas políticos da esquerda progressista e ponderem bem se querem trocar as liberdades que têm nas presentes dificuldades pela miséria escravizada que as soluções que eles preconizam sempre produziram onde foram implementadas. É preciso coragem para aceitar a realidade e recusar as facilidades oferecidas pelas ilusões. E é precisa ainda mais coragem para que os nossos governantes ponham o país à frente de tudo o resto e façam as reformas dolorosas que o país precisa. Estou certo que havendo credibilidade os Portugueses saberão aceitar a necessidade de mudança. Três anos e uma maioria absoluta dão para muita coisa: haja tino nos Srs. políticos porque apenas o fortalecimento virtuoso da governação pode evitar a tempestade perfeita que se avizinha. Isso e uma remodelação governamental.
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
O SISTEMA
Claro que o Tó Zé tem que vir bradar contra a ousadia de uma eventual privatização da Caixa Geral de Depósitos. Claro que sim. Que outro instrumento além da CGD tem sido tão bem utilizado pelos estatistas de serviço para financiar o seu poder? Será preciso lembrar que foi a Caixa do Vara que financiou a tomada de assalto do BCP para pôr lá, entre outros... o Vara? Uma coisa da penumbra pantanosa da politiquice portuguesa se pode retirar: quanto mais os socialistas (os do PS e os outros) estrebucharem mais se está a atacar o sistema que nos trouxe à falência. É só vê-los a saltar.
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