Portishead, 'Cowboys', Portishead (1997)
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
O ESPÍRITO GREGÁRIO
O argumento do isolamento. A reprovação da consciência, mesmo entre os mais conscienciosos, é fraca em comparação com o seguinte argumento: «Isto ou aquilo é contrário aos costumes da tua sociedade.» O olhar frio, a boca contraída de parte daqueles entre os quais e para os quais a pessoa foi educada, eis o que mesmo o mais forte teme. Que é que ele verdadeiramente teme? O isolamento! Este argumento é capaz de abalar mesmo os melhores argumentos para uma pessoa ou para uma causa. Assim se exprime, em nós, o espírito gregário."
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência (1882)
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência (1882)
DA LUCIDEZ
"Não podia haver fórmulas para fixar as pessoas em si mesmas, senão quando as pessoas, no medo de perderem a segurança das causas, as inventassem, e se atribuíssem a si mesmas motivações que não tinham ou que não eram exactamente aquelas. Sendo assim, não havia diferença alguma entre os imbecis e os lúcidos, entre os honestos e os patifes. Ou só uma diferença: o quererem ser lúcidos, e o quererem ser leais. Era então muito pouco o que restava: uma lucidez sempre imperfeita, e uma lealdade sem objecto seguro."
Jorge de Sena, Sinais de Fogo
Jorge de Sena, Sinais de Fogo
DA GREVE
Ontem, pela manhã, um automóvel relativamente novo, ornamentado com duas bandeiras vermelhas e equipado com uns altifalantes poderosos, passava uma voz rouca que afirmava que "os trabalhadores da função pública não são responsáveis pelo despesismo, que os trabalhadores não são responsáveis pelo estado a que as coisas chegaram". Talvez concorde. Em parte. No entanto, não deixo de concordar também que trabalhadores que têm um vínculo de trabalho permanente, um sistema de acesso à saúde fantástico e beneficiado de condições que mais ninguém beneficiou (estou a pensar nos aumentos salariais de 2009, por exemplo) não poderiam deixar de ter o reverso da medalha: trabalham para um patrão falido. E contra o poder imponderável da realidade - não há dinheiro - sobra, de facto, a questão da responsabilidade; e essa afere-se de forma muito simples: em quem andaram os trabalhadores da função pública a votar nos últimos quinze anos? É que a responsabilidade de facto não mora unicamente num pretenso curso de "filosofia" em Paris.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
FORA A CHINA
Fora a China! A China é má! O comunismo é mau! Abaixo o Hu Jintao! Chop suey é uma bosta! A bandeira chinesa é feia! O hino pior! Cheira mal na China! Lixem-se os comunistas chineses!
Ah, adoro o cheiro a liberdade pela manhã.
Ah, adoro o cheiro a liberdade pela manhã.
CENSURADO
Acabei de descobrir que este blog, com certeza devido aos ataques aqui proferidos contra a nação chinesa, está bloqueado - censurado, portanto - na China. Uma maravilha a ditadura, não é?
terça-feira, 22 de novembro de 2011
DO LEGALISMO (VII)
Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Parte VI
Os problemas desta tentativa progressista de construção de um novo homem e a consequente regulamentação de todas as cambiantes da vida humana são muitos variados: estatismo, corrupção, violação das liberdade individuais, endividamento (o estatismo carece de meios), enfraquecimento da sociedade, perda de valores morais sociais, etc. No entanto, o maior dos problemas, como se estes já não fossem mais do que suficientes - e evidentes como se pode ver pelo actual estado das coisas -, é a sua completa impraticabilidade. No fundo, aquilo que acaba por dividir a esquerda da direita é a noção ontológica que cada uma entende sobre o Homem: onde a esquerda vê um animal imperfeito que no seu optimismo urge aperfeiçoar e resolver, a direita vê um animal imperfeito que será sempre imperfeito pois não podem seres imperfeitos resolverem as suas imperfeições e atingirem a perfeição. Assim, o caminho do progresso deve ser orientado para o bem-estar e a força da comunidade deve residir na sociedade e nos indivíduos, os únicos que podem - e devem - ser responsabilizados pelos seus próprios erros. Um indivíduo erra e sofre as consequências; o Estado erra e todos sofrem as consequências. Uma sociedade dependente do Estado é, portanto, uma sociedade enfraquecida que corre o enorme risco de se auto-destruir quando o rumo traçado, como todos, se revelar finalmente inadequado, insuficiente ou simplesmente errado: assim foi com todos os sistemas políticos que fizeram a sociedade vergar-se perante o poder do Estado e um desígnio que entendiam superior. Neste sentido, a liberdade e a responsabilidade individuais serão sempre as pedras basilares de uma comunidade forte e saudável. Tudo o resto são falácias, as quais, que nem cantos de sereias vendedoras de facilidades, confortos e certezas inexistentes e infantis, vão infelizmente seduzindo os mais incautos e desprotegidos. Até ao dia em que a realidade, como sempre, lhes bater à porta.
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Parte VI
Os problemas desta tentativa progressista de construção de um novo homem e a consequente regulamentação de todas as cambiantes da vida humana são muitos variados: estatismo, corrupção, violação das liberdade individuais, endividamento (o estatismo carece de meios), enfraquecimento da sociedade, perda de valores morais sociais, etc. No entanto, o maior dos problemas, como se estes já não fossem mais do que suficientes - e evidentes como se pode ver pelo actual estado das coisas -, é a sua completa impraticabilidade. No fundo, aquilo que acaba por dividir a esquerda da direita é a noção ontológica que cada uma entende sobre o Homem: onde a esquerda vê um animal imperfeito que no seu optimismo urge aperfeiçoar e resolver, a direita vê um animal imperfeito que será sempre imperfeito pois não podem seres imperfeitos resolverem as suas imperfeições e atingirem a perfeição. Assim, o caminho do progresso deve ser orientado para o bem-estar e a força da comunidade deve residir na sociedade e nos indivíduos, os únicos que podem - e devem - ser responsabilizados pelos seus próprios erros. Um indivíduo erra e sofre as consequências; o Estado erra e todos sofrem as consequências. Uma sociedade dependente do Estado é, portanto, uma sociedade enfraquecida que corre o enorme risco de se auto-destruir quando o rumo traçado, como todos, se revelar finalmente inadequado, insuficiente ou simplesmente errado: assim foi com todos os sistemas políticos que fizeram a sociedade vergar-se perante o poder do Estado e um desígnio que entendiam superior. Neste sentido, a liberdade e a responsabilidade individuais serão sempre as pedras basilares de uma comunidade forte e saudável. Tudo o resto são falácias, as quais, que nem cantos de sereias vendedoras de facilidades, confortos e certezas inexistentes e infantis, vão infelizmente seduzindo os mais incautos e desprotegidos. Até ao dia em que a realidade, como sempre, lhes bater à porta.
DO LEGALISMO (VI)
Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Infelizmente, o excesso de leis é apenas uma das várias consequências do ideal progressista e positivista que vai norteando a sociedade contemporânea. O ideal de que o Homem sendo imperfeito carece de melhoramentos e que esses melhoramentos cabem ao Estado conduzi-los é o arauto máximo desta ideologia que, quanto a mim, une o centro-esquerda, a esquerda e a extrema-esquerda numa coincidência de objectivos: a resolução dos conflitos sociais através da "descoberta" das soluções para os problemas que atravancam a sociedade, a utilização do progresso tecnológico como arma para alcançar tal objectivo, a igualdade como o valor máximo de uma sociedade perfeita, a uniformização cultural (apesar do apelo à "diversidade" aparentar o oposto) como forma de harmonização conflitual universal e a rejeição da diferença como forma de identificação, seja ela individual (religiosa, ideológica ou até sexual), social (recusa da hierarquia) ou cultural (multiculturalismo). Para esta corrente ideológica - apesar de se assumir como pós-ideológica - as diferenças são para se aniquilar, as discriminações são a sua bandeira e a igualdade de facto o seu argumento. Ora, não há instrumento mais poderoso para tais desígnios do que a lei e o acesso ao monstro legalista: é este instrumento que dá poder ao Estado, é este instrumento que sujeita os indivíduos e é este mesmo instrumento que regula a sociedade e os seus comportamentos. Como vimos, não há lei que não seja moral e ideológica (partes I e II), portanto é através da lei que a ideologia progressista igualitária se impõe. Ou seja, com o advento contemporâneo desta sociedade hiper-regulamentada ao invés de serem as leis a reflectirem a moral (a fronteira entre o bom e o mau comportamento) da sociedade é a sociedade que se vê amordaçada por um estatismo legalista que, mostrando uma face protectora (o Estado paternal) e solidária (o Estado Social), esconde uma determinada ideologia que, a pouco e pouco, vai moldando a sociedade para um rumo novo. Como o estatismo enfraquece a sociedade, assim o progressismo vai construindo o seu novo Homem.
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Infelizmente, o excesso de leis é apenas uma das várias consequências do ideal progressista e positivista que vai norteando a sociedade contemporânea. O ideal de que o Homem sendo imperfeito carece de melhoramentos e que esses melhoramentos cabem ao Estado conduzi-los é o arauto máximo desta ideologia que, quanto a mim, une o centro-esquerda, a esquerda e a extrema-esquerda numa coincidência de objectivos: a resolução dos conflitos sociais através da "descoberta" das soluções para os problemas que atravancam a sociedade, a utilização do progresso tecnológico como arma para alcançar tal objectivo, a igualdade como o valor máximo de uma sociedade perfeita, a uniformização cultural (apesar do apelo à "diversidade" aparentar o oposto) como forma de harmonização conflitual universal e a rejeição da diferença como forma de identificação, seja ela individual (religiosa, ideológica ou até sexual), social (recusa da hierarquia) ou cultural (multiculturalismo). Para esta corrente ideológica - apesar de se assumir como pós-ideológica - as diferenças são para se aniquilar, as discriminações são a sua bandeira e a igualdade de facto o seu argumento. Ora, não há instrumento mais poderoso para tais desígnios do que a lei e o acesso ao monstro legalista: é este instrumento que dá poder ao Estado, é este instrumento que sujeita os indivíduos e é este mesmo instrumento que regula a sociedade e os seus comportamentos. Como vimos, não há lei que não seja moral e ideológica (partes I e II), portanto é através da lei que a ideologia progressista igualitária se impõe. Ou seja, com o advento contemporâneo desta sociedade hiper-regulamentada ao invés de serem as leis a reflectirem a moral (a fronteira entre o bom e o mau comportamento) da sociedade é a sociedade que se vê amordaçada por um estatismo legalista que, mostrando uma face protectora (o Estado paternal) e solidária (o Estado Social), esconde uma determinada ideologia que, a pouco e pouco, vai moldando a sociedade para um rumo novo. Como o estatismo enfraquece a sociedade, assim o progressismo vai construindo o seu novo Homem.
DO LEGALISMO (V)
Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
A abissal diferença de poder entre o Estado e o cidadão é alimentada pelo excesso legalista: a lei é o caminho de comunicação directa entre os dois, pois é através dela que o primeiro regula os segundos tal como é através dela que os segundos se defendem dos abusos cometidos pelo primeiro bem como dos cometidos entre eles próprios. Desta forma, quanto maior for o monstro legal e menor for a capacidade dos cidadãos controlarem esse mesmo monstro legal, maior é capacidade de o Estado, sem escrutínio, controlar eficazmente a vida dos cidadãos. De igual modo, cada lei ou decreto, cada norma ou regulamento, cada portaria ou directiva é mais uma forma de o Estado interferir directamente na vida dos indivíduos. Ora, como a lei é a única defesa que os indivíduos têm em relação à interferência do Estado nas suas vidas privadas e quanto maior for o monstro legalista menor é a capacidade de os cidadãos terem acesso a essa defesa, então podemos concluir que o excesso de leis prejudica também a defesa da liberdade individual.
Parte II
Parte III
Parte IV
A abissal diferença de poder entre o Estado e o cidadão é alimentada pelo excesso legalista: a lei é o caminho de comunicação directa entre os dois, pois é através dela que o primeiro regula os segundos tal como é através dela que os segundos se defendem dos abusos cometidos pelo primeiro bem como dos cometidos entre eles próprios. Desta forma, quanto maior for o monstro legal e menor for a capacidade dos cidadãos controlarem esse mesmo monstro legal, maior é capacidade de o Estado, sem escrutínio, controlar eficazmente a vida dos cidadãos. De igual modo, cada lei ou decreto, cada norma ou regulamento, cada portaria ou directiva é mais uma forma de o Estado interferir directamente na vida dos indivíduos. Ora, como a lei é a única defesa que os indivíduos têm em relação à interferência do Estado nas suas vidas privadas e quanto maior for o monstro legalista menor é a capacidade de os cidadãos terem acesso a essa defesa, então podemos concluir que o excesso de leis prejudica também a defesa da liberdade individual.
DO LEGALISMO (IV)
Parte I
Parte II
Parte III
O emaranhado legal que deriva directamente da ambição de tudo legislar motivada pela crença de que o Homem tudo pode controlar (progressismo), não tem apenas como consequência nefasta oferecer uma posição de vantagem aos poderosos que têm acesso ao sistema: principalmente esse triunfo legalista oferece uma posição de vantagem ao maior de todos os poderosos: o Estado. É o Estado que controla o aparelho legal, adapta-o às suas necessidades e quando alguma dessas necessidades não é satisfeita rapidamente, porque legislar é banal e em tanta norma e regulamento mais uma lei ou duas passa despercebida, lá vem mais uma portaria ou um decreto alimentar o monstro legalista. E perante o monstro, o cidadão individual, desprotegido, incapaz de fazer face à complexidade ou sem meios para a influenciar, vê-se sujeito às maiores obrigações e sujeições legais, as quais não compreende ou sequer aceita mas contra as quais nada pode. Por outro lado, aqueles que têm acesso à máquina do Estado, quer por dela fazerem parte ou conhecerem alguém que a ela tenha acesso, melhor e rapidamente vêem os seus problemas resolvidos. Claro está que este acesso à máquina legalista tem custos e por isso rapidamente se fixa um preço para tais serviços. Ou seja: o excesso de leis beneficia tanto a desigualdade no acesso à justiça bem como a corrupção.
Parte II
Parte III
O emaranhado legal que deriva directamente da ambição de tudo legislar motivada pela crença de que o Homem tudo pode controlar (progressismo), não tem apenas como consequência nefasta oferecer uma posição de vantagem aos poderosos que têm acesso ao sistema: principalmente esse triunfo legalista oferece uma posição de vantagem ao maior de todos os poderosos: o Estado. É o Estado que controla o aparelho legal, adapta-o às suas necessidades e quando alguma dessas necessidades não é satisfeita rapidamente, porque legislar é banal e em tanta norma e regulamento mais uma lei ou duas passa despercebida, lá vem mais uma portaria ou um decreto alimentar o monstro legalista. E perante o monstro, o cidadão individual, desprotegido, incapaz de fazer face à complexidade ou sem meios para a influenciar, vê-se sujeito às maiores obrigações e sujeições legais, as quais não compreende ou sequer aceita mas contra as quais nada pode. Por outro lado, aqueles que têm acesso à máquina do Estado, quer por dela fazerem parte ou conhecerem alguém que a ela tenha acesso, melhor e rapidamente vêem os seus problemas resolvidos. Claro está que este acesso à máquina legalista tem custos e por isso rapidamente se fixa um preço para tais serviços. Ou seja: o excesso de leis beneficia tanto a desigualdade no acesso à justiça bem como a corrupção.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
DO LEGALISMO (III)
Parte I
Parte II
Compreendendo que não existe uma fórmula mágica para a resolução dos problemas humanos infere-se obrigatoriamente que não pode uma lei geral e abstracta ser capaz de, cegamente, discernir o que está certo do que está errado: apenas o discernimento humano pode definir a fronteira entre o que é um comportamento bom e o que configura um comportamento errado. Essa fronteira, sempre subjectiva, não é por isso universalmente válida pois não podemos esperar que um aborígene Australiano, uma católica Polaca ou um nova iorquino new age a definam da mesma forma: variando a cultura de uma comunidade assim varia o seu sentido de certo e errado. A moral, é portanto, relativa a cada comunidade, fazendo por essa razão variar o entendimento sobre a forma como essa mesma comunidade se deve organizar. Assim, como não há uma lei universal acessível aos humanos que todos aceitem como verdadeira, sobra a noção de que é sempre, por mais leis que se façam, o espírito moral de cada comunidade que se encontra por detrás dessas mesmas leis. Ora, não sendo outra coisa que o código moral (algo que o progressismo na sua pretensão universalista multicultural tende a rejeitar) que alimenta o sistema legal de uma comunidade como poderemos nós esperar que a interpretação desse sistema legal seja feita de outra forma que não a interpretação do espírito que preside à norma? Naturalmente assim é e por isso mesmo as grandes disputas não se fazem acerca do que determinada norma diz mas acerca do que essa mesma norma significa. E assim compreendemos que a legislação desmedida acaba por ser inútil pois a discussão acerca do seu próprio significado é eterna e que varia a interpretação desse significado consoante o interesse das partes envolvidas. Neste sentido, assumindo tal coisa como uma fatalidade da vida, forçosamente se terá de aceitar que o trabalho do juiz - ou do júri - deveria ser, como intérpretes do sentido de certo e errado de determinada comunidade, aferir se determinado comportamento é correcto ou não muito mais do que meramente aferir se determinada lei (cujo único propósito a priori seria garantir um comportamento correcto) é cumprida ou não: se é verdade que a lei em excesso prejudica a justiça, também é verdade que a lei não basta à justiça.
Parte II
Compreendendo que não existe uma fórmula mágica para a resolução dos problemas humanos infere-se obrigatoriamente que não pode uma lei geral e abstracta ser capaz de, cegamente, discernir o que está certo do que está errado: apenas o discernimento humano pode definir a fronteira entre o que é um comportamento bom e o que configura um comportamento errado. Essa fronteira, sempre subjectiva, não é por isso universalmente válida pois não podemos esperar que um aborígene Australiano, uma católica Polaca ou um nova iorquino new age a definam da mesma forma: variando a cultura de uma comunidade assim varia o seu sentido de certo e errado. A moral, é portanto, relativa a cada comunidade, fazendo por essa razão variar o entendimento sobre a forma como essa mesma comunidade se deve organizar. Assim, como não há uma lei universal acessível aos humanos que todos aceitem como verdadeira, sobra a noção de que é sempre, por mais leis que se façam, o espírito moral de cada comunidade que se encontra por detrás dessas mesmas leis. Ora, não sendo outra coisa que o código moral (algo que o progressismo na sua pretensão universalista multicultural tende a rejeitar) que alimenta o sistema legal de uma comunidade como poderemos nós esperar que a interpretação desse sistema legal seja feita de outra forma que não a interpretação do espírito que preside à norma? Naturalmente assim é e por isso mesmo as grandes disputas não se fazem acerca do que determinada norma diz mas acerca do que essa mesma norma significa. E assim compreendemos que a legislação desmedida acaba por ser inútil pois a discussão acerca do seu próprio significado é eterna e que varia a interpretação desse significado consoante o interesse das partes envolvidas. Neste sentido, assumindo tal coisa como uma fatalidade da vida, forçosamente se terá de aceitar que o trabalho do juiz - ou do júri - deveria ser, como intérpretes do sentido de certo e errado de determinada comunidade, aferir se determinado comportamento é correcto ou não muito mais do que meramente aferir se determinada lei (cujo único propósito a priori seria garantir um comportamento correcto) é cumprida ou não: se é verdade que a lei em excesso prejudica a justiça, também é verdade que a lei não basta à justiça.
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
DO LEGALISMO (II)
Parte I
O triunfo desta visão positivista e a decadência da importância do discernimento humano na avaliação dos comportamentos humanos detecta-se na forma como as grandes empresas actuam defendendo os seus interesses tal como o cidadão individual na sua pequena função decide se determinado comportamento é aceitável ou não. No entanto, acima de tudo, em nenhuma função é mais evidente do que na actividade política: aí tudo vale desde que se respeite a 'ética republicana', ou seja: a ética da lei. E para cada vez que se antevê que determinado comportamento lesivo do bem público é possível torneando, interpretando, muitas vezes de forma abusiva, a lei escrita, lá vem uma nova lei, um novo regulamento para resolver o problema. E, depois, mais interpretações e mais reinterpretações gerando um emaranhado de leis confusas, apenas acessíveis aos especialistas, onde quem dominar a especialidade leva o seu intento a bom porto e quem não a dominar é derrotado. No final, em nome do povo e do poder do povo, fazem-se todas essas leis que acabam por configurar um sistema legal ultra-complexo ao qual apenas os poderosos retiram vantagens porque apenas eles possuem os recursos que permitem contratar os especialistas. Pelo caminho se os comportamentos em julgamento são bons ou maus nem sequer interessa, nem sequer se sabe, apenas se estão conforme a lei ou não é o que os juízes podem julgar. Ou seja: quanto mais leis existirem, menor é a capacidade de aplicar-se a justiça.
O triunfo desta visão positivista e a decadência da importância do discernimento humano na avaliação dos comportamentos humanos detecta-se na forma como as grandes empresas actuam defendendo os seus interesses tal como o cidadão individual na sua pequena função decide se determinado comportamento é aceitável ou não. No entanto, acima de tudo, em nenhuma função é mais evidente do que na actividade política: aí tudo vale desde que se respeite a 'ética republicana', ou seja: a ética da lei. E para cada vez que se antevê que determinado comportamento lesivo do bem público é possível torneando, interpretando, muitas vezes de forma abusiva, a lei escrita, lá vem uma nova lei, um novo regulamento para resolver o problema. E, depois, mais interpretações e mais reinterpretações gerando um emaranhado de leis confusas, apenas acessíveis aos especialistas, onde quem dominar a especialidade leva o seu intento a bom porto e quem não a dominar é derrotado. No final, em nome do povo e do poder do povo, fazem-se todas essas leis que acabam por configurar um sistema legal ultra-complexo ao qual apenas os poderosos retiram vantagens porque apenas eles possuem os recursos que permitem contratar os especialistas. Pelo caminho se os comportamentos em julgamento são bons ou maus nem sequer interessa, nem sequer se sabe, apenas se estão conforme a lei ou não é o que os juízes podem julgar. Ou seja: quanto mais leis existirem, menor é a capacidade de aplicar-se a justiça.
DO LEGALISMO
A ideia legalista, o triunfo da norma geral e abstracta, onde se defende que a lei tudo consegue definir, sendo portanto soberana e fundamental, também faz com que se escondam os piores comportamentos por detrás da capa da legalidade: se a lei não proíbe determinado comportamento então, independentemente de ser bom ou mau, aquele é aceitável. Esta visão tem uma causa e uma consequência. (1) A causa é o ideal positivista com a sua transposição da matemática e da geometria para o terreno da sociedade e a intuição de que o racionalismo humano nos permite a todos organizarmo-nos numa forma perfeita e harmoniosa: se, tal como na matemática, uma resposta para uma equação não pode ser simultaneamente verdadeira e falsa então, também na vida, uma resposta racional para um problema não pode entrar em conflito com outro problema; assim, se a uma lei for racional ela deverá orientar racionalmente a sociedade para a harmonia universal. Daqui decorre a soberania da lei. (2) A consequência é que, sendo a lei aquilo que nos rege, deprecia-se o instrumento que é o discernimento humano: eu não tenho que pensar se o comportamento A ou B é certo ou errado, apenas me interessa se ele é legal ou não. Ou seja: o legalismo positivista excessivo tenderá a gerar uma sociedade amoral.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
POBREZA INTELECTUAL
Esclarecedor é ler um artigo num jornal online e depois, já sabendo o que nos espera, ir dar uma olhadela nos comentários ao dito artigo. Nunca vi tanta ignorância, tanta mania da certeza (tendem a andar juntas estas) e tanto ódio destilado. Por outro lado, basta-nos mudar para um jornal internacional para ver que o tom e o conteúdo dos comentários é muito mais elevado. Conclusão: ou o nosso nível civilizacional é muito mais baixo ou o nível de moderação jornalística dos comentários o é. Das duas uma, e não são assim tão diferentes.
DA DIGNIDADE
"Daí vem o caso, talvez único na Europa, de um povo que, não só desconhece o patriotismo, que não só ignora o sentimento espontâneo de respeito e amor pelas suas tradições, pelas suas instituições, pelos seus homens superiores; que não só vive de copiar, literária e politicamente, a França, de um modo servil e indiscreto; que não só não possui uma alma social, mas se compraz em escarnecer de si próprio, com os nomes mais ridículos e o desdém mais burlesco. Quando uma nação se condena pela boca dos seus filhos, é difícil, senão impossível, descortinar o futuro de quem perdeu por tal forma a consciência de dignidade colectiva."
Oliveira Martins, História de Portugal (1879)
Oliveira Martins, História de Portugal (1879)
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
DO PESSIMISMO OPTIMISTA
O medo, a indiferença e a burrice fazem deste país uma choldra chique a valer.
Quanto pior a choldra, mais saborosa a vitória.
Quanto pior a choldra, mais saborosa a vitória.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
ALENTEJANANDO
Lá fora, o vento uiva, a chuva bombardeia e os trovões explodem; cá dentro, no silêncio de uma luz amarela e amena, apenas perturbada pelos instantâneos dos relâmpagos, as sombras de labaredas dançam pela janela da salamandra enquanto o leve som do crepitar da madeira inunda a sala com os seus estalidos. A cadela, aos meus pés, dormita serenamente com a cabeça apoiada nas patas dianteiras e, agradecida pelo abrigo da tormenta, lança um longo suspiro enquanto eu viro mais uma página do meu livro.
DOS EMPRÉSTIMOS
"O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar «absolutamente». Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única preocupação dos ministérios era esta - «cobrar o imposto» e «fazer o empréstimo». E assim se havia de continuar..."
Eça de Queiroz, Os Maias (1888)
Eça de Queiroz, Os Maias (1888)
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
ANO IX
Passou-me despercebido mas há umas semanas atrás este blog entrou no seu nono ano de existência. e enquanto houver ventos e mar, enquanto houver estrada para andar, cá vamos continuar.
DA IRRELEVÂNCIA
Subitamente, reparei que passavam onze minutos das onze horas e que hoje era o décimo primeiro dia do mês de Novembro do ano de dois mil e onze. A repetição do número onze, a perfeição numérica do momento, divertiu-me e recostei-me, a sorrir, pensando que nada fazia aquele momento diferente de qualquer outro para além da arbitrária capacidade humana de numerar tudo o que existe. Depois apercebi-me que principiava a chover e, por isso, apressei-me a levantar-me para ir fechar a janela do quarto que sabia estar aberta.
DAS IMPORTAÇÕES
"Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilo, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssima, com os direitos da Alfândega: e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas..."
Eça de Queiroz, Os Maias (1888)
Eça de Queiroz, Os Maias (1888)
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
O TRIUNFO DO IGUALITARISMO
Porque será que, num tempo em que se afirma a mais badalada liberdade e se assiste ao triunfo da vontade individual, essa vontade se manifesta querendo todos as mesmas coisas?
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