quarta-feira, 25 de maio de 2011

O SENTIDO DA VIDA DOS HOMENS

Se queremos compreender o nosso universo, o dos homens, imaginemos pois duas linhas paralelas, como as de um comboio, que se prolongam num plano infinito: não têm, portanto, nem princípio nem fim, nunca se tocam, apenas existem sempre, não lhe conhecendo nós nem de onde vêm nem para onde vão. Se imaginarmos essas linhas pairando no infinito vazio, compreendemos que, sendo essas duas linhas a única coisa que existe, sem início nem final, nenhuma dessas linhas saberá sequer, em relação uma à outra, qual delas é a da esquerda ou qual delas é a da direita. No infinito, sem final ou princípio, não se sabe sequer qual o lado para o qual elas se dirigem. Assim, será preciso que um humano nelas viaje para que se convencione qual delas é qual. Ao dizer o homem que a da direita é a da direita e que a da esquerda é a da esquerda, oferece-lhes ele uma relação que, forçosamente, apenas existirá em relação ao viajante: tivesse o viajante virado de cabeça para baixo e a da esquerda já seria a da direita e a da direita a da esquerda. Ou seja: todo o relacionamento entre as duas linhas e tudo o que lhes diz respeito apenas é de determinada forma porque é essa a forma que o viajante nelas vê. Quer isto dizer: é sempre o caminhante dessas infinitas linhas que as define, as relaciona e sem ele, elas, não se tocando, não se relacionariam nunca; elas relacionam-se por intermédio daquele que as interpreta. Imaginemos agora que estas duas linhas paralelas e infinitas representam as duas dimensões do nosso universo intelectual: a razão e a emoção; se assim for, é apenas no homem que elas, não se tocando, mas nele se manifestando, interagem uma com a outra e lhe oferecem um ponto de vista, uma interpretação, um pensamento: uma visão do universo. No entanto, para que possa este universo fazer sentido, não basta o ponto de vista humano pois se um homem caminhar a vida toda por essas duas linhas infinitas poderá ele definir qual delas é a da direita e qual delas é a da esquerda mas não saberá ele para onde vai pois não lhes conhecendo o início (o infinito negativo) nem o final (o infinito positivo), apenas indo em frente, sem qualquer ponto de referência exterior às linhas  - como quem diz, sem conhecimento exterior ao da razão e ao da emoção - sem sequer saber se está virado para cima ou para baixo ou, ainda, tombado para um lado ou para o outro, sem fazer ideia de onde assentam as linhas, não poderá ele alguma vez sequer descortinar se vai para a frente ou se vai para trás, se vai para cima ou se vai para baixo, se vai para esquerda ou se vai para a direita. Na realidade, esse conhecimento é impossível de obter pois no plano da infinitude não há frente nem trás, simplesmente há... a infinitude. Se nos imaginarmos num comboio percebe-se melhor o ponto: apenas conhecendo o final e o início poderemos saber para que extremidade nos dirigimos; apenas sentindo a gravidade sabemos para que lado estamos virados e, na viagem que é a vida, ao longo de duas misteriosas linhas paralelas, sem essas informações fundamentais flutuamos sempre num infinito que, não sabendo nós sequer se vai do princípio para o fim ou se vai do fim para o princípio, não nos oferece qualquer sentido. É por esta razão que passamos a vida a tentar descortinar de onde vêm ou para onde vão as linhas que suportam a nossa existência, não nos ocorrendo, no entanto, que, sendo elas infinitas, forçosamente nem virão de nenhum lado como também não irão para lado algum. Se pensarmos no ponto de vista humano do universo - o nosso universo - como o ponto que ocupamos nessas duas linhas, percebemos que ele só ganha sentido (uma direcção, um objectivo, um desígnio) se oferecermos ao nosso posicionamento nessas duas linhas paralelas e infinitas precisamente um final; ou seja: somente se julgarmos conhecer o início das linhas como também apenas se lograrmos compreender para onde tendem elas e onde terminarão - para onde nos dirigimos, portanto -, apenas aí o nosso universo ganhará um sentido. Somente se soubermos de onde vimos e percebermos para onde vamos poderemos compreender onde estamos. Na realidade é preciso oferecer um limite à infinitude universal. Apenas aí poderemos então afirmar que sabemos para onde vamos. No entanto, como a presente metáfora pretende elucidar, esse conhecimento único que nos pode oferecer um sentido para o nosso caminho não está empiricamente disponível: é incognoscível. Dessa forma, quem pretender saber com toda a certeza para onde se dirigem os trilhos da existência humana encontrará apenas desilusão e tristeza pois esse supremo e infinito conhecimento não poderá alguma vez ser apreendido por seres finitos e ínfimos como nós: apenas um ser infinito e universal poderá compreender o infinito universal. Estamos então perdidos para sempre? Será a insatisfação humana um desígnio impossível de ultrapassar? Estaremos nós condenados a pairar sem ter alguma vez terreno firme onde assentar os pés? Com certeza que não pois que nos sobra o sonho. Sonhar o que somos e o para onde vamos permite-nos oferecer um limite compreensível para a infinitude da existência. O sonho sendo maior do que os homens mas sendo - porque é inventado por nós - menor do que o infinito, permite-nos imaginar um limite universal que será forçosamente superior que o nosso mundo (satisfazendo-nos) mas forçosamente inferior à realidade (sendo, por isso, alcançável). Apenas pelo sonho e pela intuição poderemos imaginar de onde vêm e o que são essas duas linhas, por isso poderemos crer de onde vimos; da mesma forma, apenas pelo sonho e pela imaginação poderemos intuir para onde vão as linhas e almejar um desígnio que nos ofereça sentido à nossa própria vida. A verdade é que nessa viagem sobre essas duas linhas infinitas que é a vida humana, todos saímos sempre antes do fim da linha, a vida continua sempre, as linhas continuam sempre para aqueles que nos sobrevivem, para quem nelas permanece, sobrando apenas para aqueles que dela saem as crenças e os sonhos que nela transportaram. Nenhum homem alguma vez verá o fim das linhas, da mesma forma como homem algum alguma vez lhes vislumbrou o início. E desse desconhecimento se faz o mistério da existência que sendo infinitamente insondável nos permite oferecer à nossa mísera existência - através do sonho - o sentido que muito bem nos aprouver: não podendo conhecer-se nada pode sonhar-se tudo! e é precisamente essa construção individual sobre o para onde vamos e o porque vamos (o mundo particular e único de cada um) que nos define como aquilo que de facto somos: os nossos sonhos, os nossos anseios e as nossas vontades. Neste sentido, a nossa ignorância representa a nossa suprema liberdade.

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