sexta-feira, 13 de maio de 2011

CRÍTICA AO POSITIVISMO CIENTISTA

"O que lhe falta é o que falta à inteligência científica. A inteligência científica, sendo positiva, tem de se colocar, e sem nunca sair dele, no terreno dos factos; sendo precisa, tem de ir procurar debaixo dos fenómenos complexos e cambiantes aqueles elementos irredutíveis e constantes, os únicos susceptíveis de avaliação rigorosa; sendo realista tem de aceitar esses elementos tais como eles se apresentam, sem indagar se nessa ideia imediata que deles forma não haverá porventura alguma grande ilusão, se ela não envolve algum fundo problema ontológico, que lhe escapa. Desta atitude  em face da realidade resulta um ponto de vista limitado, o que quer dizer incompleto. É a experiência no seu máximo de organização, mas é sempre a experiência. A base do seu edifício é estreita: generaliza impressões e delas tira inferências, mas os resultados mais elaborados desse processo lá trazem sempre o cunho da origem, que é sensual. Daí, o ponto de vista por excelência sensual, o do mecanismo. O mecanismo é o máximo grau de abstracção de que a inteligência é capaz dentro dos limites e com dados de sensibilidade, mas é só isso. Reduzindo tudo, por este processo, a elementos mecânicos, reduziu tudo aos elementos primitivos da sensibilidade e nada mais. Limitou por conseguinte o ser à sua esfera primeira e inferior. Por mais que faça e quanto mais fizer é só isso o que há-de achar no fundo do seu formidável cadinho. O universo da ciência. feito à imagem dessa inteligência que opera só sobre dados primitivos e elementares, é pois um universo inferior e elementar: foi como que amputado dos seus órgãos mais nobres. (...) É um universo que se move nas trevas, sem saber porquê nem para onde. Não o alumia a luz das ideias, não lhe dá vida a circulação do espírito. Paira sobre ele um mudo fatalismo. A inerte serenidade, que inspira a sua contemplação, é muito semelhante ao desespero. A sua beleza puramente geométrica tem alguma coisa de sinistro. Nada nos diz ao coração, nada que responda às mais ardentes aspirações do nosso sentimento moral. Para quê, um tal universo? E para quê viver nele? Nada alimenta tanto o mórbido pessimismo dos nossos dias como o gélido fatalismo  soprado pela ciência sobre o coração do homem."

Antero de Quental, Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX (1890)

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