"Duvidar não é só uma maneira de de propor os grandes problemas: é já um começo de resolução deles, porque é a dúvida que lhes circunscreve o terreno e que os define: ora um problema circunscrito e definido é já uma verdade adquirida e uma preciosa indicação para muitas outras verdades possíveis. É pela dúvida que a filosofia concebe, é a dúvida que a torna fecunda e a sua relatividade é, afinal, toda a sua razão de ser. Iludem-se então os que procuram a verdade na filosofia? Sim e não. Iludem-se, por certo, se procuram na filosofia a verdade total e definitiva, a fórmula completa, nítida e inalterável da lei suprema das coisas, esse segredo transcendental que, uma vez conhecido, se isso fosse possível, os tornaria deuses, segundo a expressão bíblica, ou, segundo o nosso modo de ver, os tornaria inertes, ininteligentes, moralmente decrépitos, adormecidos beatificamente à sombra da árvore da ciência. Saber tudo equivaleria a nada saber. Uma filosofia definitiva, feita e assente uma vez para todo o sempre, implicaria a imobilidade do pensamento humano: o absoluto anestesiá-lo-ia. Essa tal verdade, aspiração ingénua de espíritos incultos, pode animar os crentes e exaltar os entusiastas: nos domínios do puro pensamento nunca produzirá senão vertigem e ilusão."
Antero de Quental, Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX (1890)
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