segunda-feira, 18 de abril de 2011
OS PRISIONEIROS DO TEMPO
Tal como um pião que gira e gira e torna a girar também nós giramos sobre o nosso próprio eixo, como que planetas. Esse eixo, ou ponto fixo no conjunto - e intersecção - das dimensões universais configura a identidade; vazia de conteúdo, não passa de uma morada. O conteúdo é o pião, um pequeno receptáculo de momentos que escoam por entre as sinapses da memória e que, a cada momento que perpassam pelo eixo identificativo, consoante a posição por onde o pião passa, consoante a área emocional que ocupa, origina uma emoção. Se repararmos bem a vida é um girar eterno pelas mesmas emoções: tristeza é sempre tristeza, independentemente do que a tenha causado. Quando eu estou triste, eu estou com o meu pião no sector da tristeza e sinto algo. Esse algo é o que sinto sempre que me sinto triste. E porque nós somos o que sentimos, esse algo, naquele momento, é o que eu sou. Consequentemente, se cada vez que sinto tristeza é sempre o mesmo algo que sinto, sendo o que sinto aquilo que sou, então eu sou sempre aquilo quando estou triste. E quantas emoções há? Infinitas? Não. Muito poucas, na realidade. A vida, aliás, seria uma perfeita monotonia se estivéssemos conscientes que estamos sempre a sentir as mesmas coisas. Por isso, o fazedor de momentos, a entidade suprema que, por alguma razão, quer que sintamos essas quatro ou cinco sensações emocionais, o feiticeiro-mor, para que não nos aborreçamos e que continuemos a sentir, cria a ilusão de que amanhã será diferente. Nunca é. É sempre a mesma coisa; tal como o burro que, preso a uma árvore continua sempre a andar para o lado direito convencido que vai a algum lado. Não há lado algum para ir. Tal como peixe que dá a volta ao aquário a pensar - a todos segundos que passam por ele - que está no mar infinito porque nunca se lembra que já ali esteve antes. Também nós, quando sentimos, porque aquilo que nos faz sentir parece ser sempre diferente, também nós nos esquecemos que já ali estivemos antes. E que nunca vamos a lado algum diferente deste pequeno aquário de cinco ou seis emoções. O nosso erro está em pensar que a nossa vida é um percurso; não é: é um passear infinitamente repetitivo por entre as emoções primordiais. Simplesmente, essas emoções são desencadeadas por razões distintas mas, no final, na lista do feiticeiro do cosmos, se lerá, em percentagem certamente, qual a proporção de tristeza, alegria, amor, medo, nojo e atracção que configurou a nossa existência. Quanto às razões que motivaram tais coisas? Tudo aquilo que pensamos ser o mais importante? A nossa vida? Irrelevante. Tal como as cenas de um filme realizado por alguém que, atrás das cenas, nos cativa hipnoticamente com a promessa de uma cena seguinte, até aos créditos finais. A vida não seria assim mais do que uma cadeira de cinema; e eu, sabendo que a minha tristeza só se distingue da tua pelas suas causas, então, se sentimos o mesmo e as causas são irrelevantes, sou forçado a compreender que eu e tu somos o mesmo, talvez diferentes na ilusão e no tempo, mas objectivamente o mesmo, nada mais do que os olhos através dos quais o Criador se entretém observando o resultado da sua própria insanidade. E neste carrossel sem fim, neste eterno rodopiar pelas mesmas sensações sem final algum que não seja o início, nos vemos aprisionados ao destino - que não nos pertence - de querermos acreditar que aquilo que vamos sentir amanhã é melhor do que o que sentimos hoje. Compreender isto é igualmente inútil e desaconselhável, afinal, tal como sempre desconfiámos desde o início, a vida não é mais do que uma viagem numa montanha russa. E aproveitar o passeio não é passar o tempo a olhar para os carris. Quão má será a vida de um peixe de aquário de acordo com os critérios do peixe? Pois é. A verdadeira liberdade será então a simples aceitação de que dentro da nossa prisão até não se está nada mal: haja amor e uma mão amiga.
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Escreves tão bem...adoro!
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