quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ABOUT TO LOSE MY MIND

Credence Clearwater Revival, I Heard it Through The Grapevine, Cosmo's Factory (1970)
[Cover do original de Smokey Robinson & The Miracles (1966)]

PONTO DE SITUAÇÃO

Evito escrever no blog grande coisa sobre este pacote de medidas apresentado pelo governo. Talvez duas coisas evidentes mas que me parecem fundamentais: primeiro, que a única razão pela qual tamanhas medidas são necessárias deve-se à profunda incompetência da governação socialista que nos colocou na situação onde estas medidas seriam inevitavelmente necessárias; segundo, tenho sérias dúvidas que sejam implementadas tal como foram apresentadas. Infelizmente, e ao escrever estas palavras contenho com força a revolta que me inunda, mais tarde ou mais cedo pior ainda virá. Este país só mudará de vida quando percebermos que não se pode viver à conta do Estado; ou melhor, poder, pode-se, mas mal.

VER ESTE SOCIALISMO MARQUETISTA E LADRÃO DÁ NISTO

"To be governed is to be watched, inspected, spied upon, directed, law-driven, numbered, regulated, enrolled, indoctrinated, preached at, controlled, checked, estimated, valued, censured, commanded, by creatures who have neither the right nor the wisdom nor the virtue to do so. To be governed is to be at every operation, at every transaction noted, registered, counted, taxed, stamped, measured, numbered, assessed, licensed, authorized, admonished, prevented, forbidden, reformed, corrected, punished. It is, under pretext of public utility, and in the name of general interest, to be placed under contribution, drilled, fleeced, exploited, monopolized, extorted from, squeezed, hoaxed, robbed; then, at the slightest resistance, the first word of complaint, to be repressed, fined, vilified, harrassed, hunted down, abused, clubbed, disarmed, bound, choked, imprisoned, judged, condemned, shot, deported, sacrificed, sold, betrayed; and to crown all, mocked, ridiculed, derided, outraged, dishonered. That is government; that is its justice; that is its morality."

Pierre Joseph Proudhon, citado em Robert Nozick, Anarchy, State and Utopia, 1974

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

MAL MENOR

A propósito do post anterior. Como é evidente, mesmo que as regras de contenda argumentativa fossem respeitadas continuaria o debate eternamente. Isto porque iremos sempre discordar tanto quanto ao que existe tal como quanto ao que desejaríamos que existisse. Um debate racional, no entanto, permitiria que nos entendêssemos melhor e, pelo menos, no meio de toda a incerteza, chegássemos a melhores decisões. No mínimo, que eliminássemos aquelas que, de forma grosseiramente evidente, são más; como, por exemplo, as do actual governo e que rejeitássemos os marquetistas demagogos rastejantes que nele habitam.

AS REGRAS DO JOGO

Para que seja possível um debate livre, honesto e aberto - frutífero, portanto -  é preciso que, para tal esgrima de argumentos, tal como nas batalhas, se encontre o espaço adequado a tal actividade. Nas antigas batalhas exigia-se que o campo de confronto fosse amplo, plano e desprovido de armadilhas que beneficiassem apenas uma das partes em contenda; de igual modo, numa discussão séria o espaço de debate deve ser regulamentado por critérios iguais para ambas as partes. Que critérios? Ora, os de racionalidade. Por critérios de racionalidade entende-se que:
1. Os conceitos em discussão são entendidos de parte a parte (exemplo: quando falando de liberdade ambas as partes compreendem o que cada um entende pelo termo liberdade);
2. Os dados referentes à discussão são tidos como bons e sérios por ambas as partes;
3. Os objectivos (e os respectivos meios e instrumentos que visam tais objectivos) de ambas as partes são cuidadosamente explicados focando-se o debate nas diferenças (entre os os objectivos, ou sendo estes semelhantes nas razões pelas quais os objectivos serão melhor atingidos com a solução A ou B);
4. Existe uma presunção de honra e verdade naquilo que é defendido - argumentado - por ambas as partes.
5. Finalmente, o arguente da contra-parte é irrelevante: o que interessa é o argumento apresentado.

Em Portugal passa-se o oposto:
1. Os conceitos em discussão são superficialmente abordados o que não permite que as partes sequer se definam em termos de um ponto de partida comum;
2. Cada parte apresenta os dados que lhe são mais favoráveis, muitas vezes truncados e deturpados, não permitindo que a discussão passe além de uma lamuria onde cada parte argumenta qual é a verdade (recusa-se sempre a perspectiva adversária tida como errada, falsa, mentirosa, etc.). Desta forma, ao invés de se debater o que fazer com uma realidade assumida por ambas as partes, debate-se o que é a realidade (neste ponto a falha é também da incapacidade de haver árbitros no jogo: os observadores - entenda-se os media - não são bem sucedidos a impor os elementos de realidade, apenas perspectivas superficiais, muitas vezes já preconceituosas, o que facilita a posterior deturpação, aproveitamento ou rejeição por cada parte). Este ponto é particularmente relevante pois basta uma das partes mentir descaradamente que a contra-parte vê-se na obrigação de a corrigir. Caberia ao intermediário esclarecer quem tem razão;
3. Os objectivos não são cuidadosamente definidos ou quando o são, são raramente realizáveis ficando o debate por acusações de demagogia que, sendo genericamente verdadeiras, permitem aos demagogos acusar igualmente aqueles com objectivos sérios e realizáveis de demagogia; no final são todos irresponsáveis e demagogos;
4. Cada parte conta uma verdade absoluta incompatível com a da contra-parte o que faz com que não exista confiança no jogo político; honra e honestidade são tidas como palavras do passado.
5. Finalmente, a fulanização é o cerne da questão: não se debatem argumentos, debate-se se o A ou o B é mentiroso, incoerente, ou desrespeitador. Consoante se descredibilize o arguente o argumento cai por terra; o inverso também se aplica: se A é acima de qualquer suspeita então os seus argumentos, por mais idiotas que sejam, serão bons argumentos.

Por estas razões em Portugal não existe debate político - público - racional. Nem sequer espaço público onde essa discussão racional verdadeiramente tome lugar. Mesmo nos blogues, espaços de verdadeira liberdade, a discussão faz-se constantemente de interesses disfarçados, de ideologias e preconceitos sem verdadeira capacidade de análise daquilo que é real como ponto de partida para aquilo que seria desejável. Não havendo esse debate, sobra o mundo imundo da aldrabice, do marqueting e da demagogia. É este mundo, esta triste realidade Portuguesa, que possibilita a manutenção de um Governo que mentiu e mente descaradamente, que é profundamente incompetente e responsável pela maior crise - e descredibilização -  da democracia Portuguesa. No fundo, a nossa democracia não passa de um daqueles debates com venerandas figuras como o Pôncio Monteiro ou o Dias Ferreira a propósito de um lance ser ou não penalti. Ou uma discussão de miúdos, o célebre "quem diz é quem é".

NOVAS PALAVRAS

Belenensização, f. Acto ou efeito de belenensizar.

Belenensizar, v. t. Tornar pequeno quando atribuído a clubes de futebol. Decadência, irrelevância continuada. Tornar irrelevante, tornar limitado. Diminuição reiterada de estatuto e\ou estatura. Desaparecimento.

Exemplo prático: O Sporting está a belenensizar-se; o Sporting padece de um efeito de belenensização.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

FICÇÃO

Hoje, passando por uma loja de flores, deparei-me com uma grande fila. O primeiro pensamento que me ocorreu, por um instante, foi que seria tal pouco usual fila consequência do facto de ser hoje o dia dos namorados. Ora que estupidez, de imediato percebi que tal coisa não poderia ser pois que me recordava claramente de se estar algures em Setembro. Não deixei de sorrir: mesmo que por um breve e fugaz instante eu estava fora do tempo.

SEEKING SHELTER

Bob Seger and The Silver Bullit Band, Against The Wind, Against The Wind (1980)

É ASSIM

A minha vizinha do lado, senhora idosa dos seus oitenta anos, todos os dias sobe, pelo menos uma vez, os três andares que entremeiam o nosso piso do rés do chão. Como na maior parte dos edifícios antigos do centro de Lisboa, não há elevador, não há escolha, hipótese ou alternativa. A senhora, agarrada ao corrimão, após o final de cada lance de escadas descansa durante uns minutos a recuperar o fôlego. O processo inteiro deve demorar pelas minhas contas uma boa meia hora. Serve o despropósito para que entendamos o seguinte: com subsídios ou sem subsídios, com Estado ou sem Estado a vida não é nem nunca será fácil.

O PROGRESSO

O mundo do progresso é aquele onde nunca se pode estar, apenas para ele se pode eternamente caminhar. "Rumo ao Progresso" é um slogan que nos diz que algo vai melhorar. Stanislaw Lec perguntava se seria progresso um canibal comer de garfo e faca. Será?

DA ESPECIALIZAÇÃO À FASCIZAÇÃO

"Não basta preparar o homem para o domínio de uma especialidade qualquer. Passará a ser então uma espécie de máquina utilizável, mas não uma personalidade perfeita. O que importa é que venha a ter um sentido atento para o que for digno de esforço, e que for belo e moralmente bom. De contrário, virá a parecer-se mais com um cão amestrado do que com um ser harmònicamente desenvolvido, pois só tem os conhecimentos da sua especialização. Deve aprender a compreender os os motivos dos homens, as suas ilusões e as suas paixões, para tomar uma atitude perante cada um dos seus semelhantes e perante a comunidade."

Albert Einstein, Como Vejo o Mundo, ENP, 2ªEd.; 1962

RAIN

Credence Clearwater Revival, Have You Ever Seen The Rain?, Pendulum (1970)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

VAZIO

"O indivíduo pode visar numerosos objectivos pessoais, finalidades, esperanças, perspectivas, que lhe dêem o impulso para grandes esforços e elevadas actividades; mas quando o elemento impessoal que o rodeia, quando o próprio tempo, não obstante toda a agitação exterior, carece no fundo de esperanças e perspectivas, quando se lhe revela como desesperador, desorientado e sem saída, e responde com um silêncio vazio à pergunta que se faz consciente ou inconscientemente, mas em todo o caso se faz, a pergunta pelo sentido supremo, ultrapessoal e absoluto, de toda a actividade e de todo o esforço, então tornar-se-á inevitável, precisamente entre as naturezas mais rectas, o efeito paralizador desse estado de coisas e esse efeito será capaz de ir além do domínio da alma e da moral e de afectar a própria parte física e orgânica do indivíduo."

Thomas Mann, A Montanha Mágica, Círculo de Leitores, 1981; pp. 32

YOU WILL STILL BE HERE TOMORROW BUT YOUR DREAMS MAY NOT

Cat Stevens, Father and Son, Tea for the Tilleman (1970)

AS BESTAS

Existe a ideia de que somos seres racionais. É mentira. A Razão é, a meu ver, algo exterior à identidade humana; é um sistema universal pelo qual (tal como os planetas) perpassamos as nossas vontades. O argumento racional é posterior ao nosso querer, deriva da nossa preferência: é, portanto, justificativo. Ou seja: escolhemos de acordo com a nossa vontade (a emoção, entenda-se) e depois justificamos porque fizemos essa mesma escolha. Só assim se explica a capacidade esdrúxula de argumentar o indefensável. Pela mesma razão se compreende como duas pessoas, de coração aberto e boa vontade, conseguem, a propósito do mesmo assunto, argumentar posições  adversas com proposições igualmente válidas. Não há ciência, há ideologia; não há progresso, há um sonho.

TRANSITÓRIO

"Lastimo os que atribuem grande importância ao tema do transitório das coisas e que se perdem em minudências terrenas sem valor. Porque nós existimos precisamente para transformar o transitório em duradouro, e tal só acontece quando somos capazes de apreciar ambas as coisas."

Goethe, Máximas e Reflexões, Relógio de Água, <155>; pp. 259

PSICHO KILLER

Talking Heads, Psicho Killer; Talking Heads 77 (1977)

domingo, 26 de setembro de 2010

ENTENDIMENTO

A verdade residirá algures entre aquilo que quem fala pensa querer dizer e aquilo que quem ouve julga perceber. Verdadeira comunicação será, portanto, mesmo que feita de coração e mente aberta, algo muito difícil - se não impossível -  de se alcançar: o Outro nunca sou Eu. Verdadeira empatia? Entendimento supremo? Talvez num orgasmo simultâneo; o amor, portanto.

THE CIRCLES THAT YOU FIND IN THE WINDMILLS OF YOUR MIND

Noel Harrison, The Windmills of Your Mind, The Thomas Crown Affair Soundtrack (1968)

sábado, 25 de setembro de 2010

NA MOUCHE (II)

Aqui.

NA MOUCHE

"A crise, na verdade, está muito para além das finanças, está no cerne de uma geração obcecada pelo poder, sem valores nem saber, que é capaz de tudo para nos enganar contra todas as evidências."

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

UNTIL THE DAY I DIE

The Who, The Seeker; Meaty Beaty Big and Bouncy (1971)

ESTADO DE ESPÍRITO

Quando vejo a capa do Correio da Manhã e logo a seguir vejo o aldrabão do Primeiro-Ministroa prometer tudo e mais umas botas tecnológicas completamente imune ao abismo para onde, através da propaganda e da incompetência, nos trouxe a todos lembro-me de Orwell:
"Quanto aos restantes, a sua existência, tanto quanto se davam conta, era semelhante ao que sempre fora: andavam geralmente esfomeados, dormiam na palha, bebiam água da lagoa e trabalhavam nos campos; de Inverno sofriam com o frio, de Verão com as moscas (...) apenas podiam basear-se nas listas de números de Tagarela, que , invariavelmente, demonstravam que tudo estava a correr cada vez melhor."
George Orwell, A Quinta dos Animais
 A verdade é que o Primeiro Ministro não passa de um mentiroso. Já foi apanhado em mentiras várias, esquemas de corrupção menor, abusos de poder e nos meandros de perigosas influências. Nada lhe aconteceu. Consegue (uma capacidade sub-humana) andar de cabeça erguida como se nada fosse com ele; o que só lhe revela ainda mais a ausência de vergonha e, consequentemente, de carácter. Mas destes há muitos. Pior mesmo é que, além de tudo o acima descrito, a funesta personagem, no seu aterrador delírio, utilize todos os poderosos instrumentos que tem ao seu dispor para justificar o injustificável: que tudo está bem. Que dirá o aldrabão quando o FMI por aí entrar? Quem será o responsável? Uma coisa me parece certa: a aldrabice não se torna decente; tem de ser exterminada. Este bando de marquetistas sem carácter tem de ser removido. Mas depois vejo a apatia generalizada, a opinião pública lobotomizada e a vontade que se me aloja é o de ir de volta para a Holanda, um país com muitos defeitos mas que, em última análise, é um país decente. Em Portugal a indecência grassa: nos serviços, no futebol, no amiguismo que ninguém condena, nos esquemas interesseiros, nos compromissos que não se cumprem; grassa desde o pequeno fiscal da ASAE que a troco de umas notas lá assina o papel até ao cacique que feito banqueiro do Estado empresta dinheiro àqueles que lhe vão dar o emprego quando do Estado esse banqueiro mais não se puder servir; em Portugal, a indecência grassa desde os miúdos que batem nos professores e disso se orgulham até aos velhos que são abandonados por aí à fome e à miséria.
Toda esta indecência se reflecte, de forma tão tristemente evidente, nos dirigentes que temos. Reflecte-se num Estado imoral que exige sem cumprir e que impõe a indecência do interesse de quem o controla. Reflecte-se na institucionalização da indecência. Reflecte-se na indiferença perante a indecência. É um problema nosso, próprio de um subdesenvolvimento qualquer que nos atola neste pântano imundo. E é deste pântano que pequenos indecentes como Sócrates e a sua entourage se fazem grandes indecentes. É deste pântano que Portugal se faz um país indecente. Porque os Portugueses não se dão ao respeito.

DA LADROAGEM

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

UMA EVIDÊNCIA A PROPÓSITO DO TGV (ou: o tolo e a vidente)

Um tolo e uma vidente ou um embusteiro e uma Senhora honesta? Dê por onde der é tão evidente a diferença entre os dois que, salvo alguma trapaça eleitoral que desconheço e na qual não acredito, aos Portugueses se reserva agora a consequência pela sua escolha: condenados a viver na miséria intelectual e material. Aos embusteiros trapaceiros, esses marquetistas trampolineiros a condenação deveria ser mais grave ainda mas duvido, no fundo nada muda, ou o que muda, nas palavras de Lampedusa, é para que tudo fique como dantes. Andamos nisto há muitos anos.

Vídeo apanhado no Cachimbo de Magritte

MANIFESTO ANTI-PERFECCIONISTA

Escovo os dentes vai para mais de trinta anos; um feito, sem dúvida. Se é verdade que no início, fruto de um desejo mais apressado ou simples impaciência, a meticulosidade empregada na tarefa deixaria algo a desejar, a compreensão trazida pelo final da infância trouxe o ímpeto perfeccionista à referida tarefa. Foi tamanho esforço recompensado de forma abundante com a total ausência de cáries  - um monumento à vontade humana, certamente - e um sistema metódico, mecânico e infalível na arte de bem vassourar as incisivas, caninas, molares e demais tachas estomatológicas. Um orgulho! No entanto - e teria de haver um entanto se não nada haveria digno de especial reporte -, dou por mim a notar que volta não volta, sem especial cadência ou padrão de repetição, em certos dias que nada trazem de especial ao mundo - a não ser, porventura, aquilo que aqui se relata - inunda-me a mente a suprema vontade criadora e vislumbro uma pequena quase imperceptível potencial alteração no quase-perfeito sistema que atrás referi. Devo admitir que não deixo de ser surpreendido pelo facto de ver tal sistema aperfeiçoado, reformado ou mesmo corrigido: pasme-se o mundo que nem aquilo que faço para mais de três esforçadas décadas conseguiu encontrar ainda o seu mais elevado estado, o magnânime ponto mais alto do ensaio humano, o estado de proto-divindade, entenda-se: a perfeição. Vá-se lá compreender os mistérios do mundo. Passado o lamento, avante com o complemento! Que possa esta microscopização dentária inundar as mentes com dois pensamentos estritamente complementares: primeiro que a tentação de atingir a perfeição será, como se comprova pelo presente relato, um objectivo inatingível, inalcansável e impossível; poderemos nós, humanos cheios de dentes, almejar o impossível? Certamente, mas pelo menos com a mais fina certeza de que todos os esforços, todas as agruras e demais sacrifícios, todos  eles, sem excepção, se revelarão infrutíferos e que tamanho sonho para sempre se quedará irrealizado. O segundo pensamento prende-se com o facto de, alertado para tamanha inutilidade esforçada, nem o próprio desejo de perfeição ser algo de profundamente desejável: afinal, poder-me-á alguém explicar, de que me servirá tamanha empresa, tamanho ansiado desejo que leve à minúcia e à pormenorização concentrada numa tarefa repetida e pensada por mais de trinta anos? Quererei porventura ser eu o cadáver com os dentes mais brancos do cemitério? Ou, quiçá, participar numa doação póstuma depois de retirados todos os molares do cadáver em pré-decomposição para algum colar de, vamos lá imaginar, uma nova moda futura onde adereços de presas humanas à volta do gargalo seja um desígnio de estilo avant garde? Talvez ainda, sabe-se lá, terminarem os objectos de tamanho labor numa vitrine com uma pequena placa onde se pudesse ler: "aqui estão os dentes mais brancos do mundo, os mais bem lavados, os mais metódica e escrupulosamente escovados do século XX e XXI?" Nem pensar! Recusarei tais coisas! A partir de agora, assumo-o com solenidade, considerando a inutilidade do esforço aperfeiçoador e a esterilidade do objectivo, será noutras coisas que pousará a mente durante o acto dentífrico. Quebrarei os jugos da vontade perfeccionista e os ímpetos da vontade humana! Soltarei as amarras do desejo primário e a prisão da paranóia racionalista! Assuma-se: a perfeição que se foda. Enfim, a Liberdade!

IT'S A LONG ROAD

The Hollies, He Ain't Heavy, He's My Brother (1969)

DO LADO DE LÁ DOS MONTES

"A leitura dos jornais, sempre penosa do ponto de ver estético, é-o frequentemente também do moral, ainda para quem tenha poucas preocupações morais.
As guerras e as revoluções - há sempre uma ou outra em curso - chegam, na leitura dos seus efeitos, a causar não horror mas tédio. Não é a crueldade de todos aqueles mortos e feridos, o sacrifício de todos os que morrem batendo-se, ou são mortos sem que se batam, que pesa duramente na alma: é a estupidez que sacrifica vidas e haveres a qualquer coisa inevitavelmente inútil. Todos os ideais e todas as ambições são um desvario de comadres homens. Não há império que valha que por ele se parta uma boneca de criança. Não há ideal que mereça um sacrifício de um comboio de lata. Que império é útil ou que ideal profícuo? Tudo é humanidade, e a humanidade é sempre a mesma - variável mas inaperfeiçoável, oscilante mas improgressiva. Perante o curso inimplorável das coisas, a vida que tivemos sem saber como e perderemos sem saber quando, o jogo de dez mil xadrezes que é a vida em comum e luta, o tédio de contemplar sem utilidade o que não se realiza nunca (...) - que pode fazer o sábio senão pedir o repouso, o não ter de pensar em viver, pois basta ter que viver, um pouco de lugar ao sol e ao ar e ao menos o sonho de que há paz do lado de lá dos montes."

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, 454; pp. 407

ECHOS OF MY MIND

Harry Nilsson, Everybody is Talking at Me, Aerial Ballet (1969)




quinta-feira, 16 de setembro de 2010

SOBRE O FUTURO

"Lembremo-nos, além disso, que o futuro não é completamente nosso, nem completamente não nosso. de modo a não o esperarmos como devendo necessariamente existir e a não desesperar como se devesse absolutamente não existir".

Epicuro, Carta a Meneceu

ITALIAN SPIDERMAN

De um projecto final dum curso de cinema apareceu este trailer numa universidade de Adelaide, Austrália. Utilizando o absurdo e a paródia do cliché, adornado pela aparência setentista e com banda sonora, feita pelos próprios, a condizer, Italian Spiderman é um hino à creatividade de baixo orçamento e um belo exemplo do que a internet pode fazer pelos novos talentos: deste trailer de um filme imaginário para um trabalho universitário vieram a sair dez episódios verdadeiramente deliciosos. Ah, e a Susanna Dekker é uma diva do absurdo.

SOBRE A MORTE

"Estúpido é pois aquele que afirma ter medo da morte não porque sofrerá ao morrer mas por sofrer com a ideia de que ela há-de chegar. É verdadeiramente em vão que se sofre por esperar qualquer coisa que que não nos causa qualquer perturbação! Assim, o mais temível dos males, a morte, nada tem a ver connosco: quando somos a morte não é, e quando a morte é somos nós que já não existimos! Ela não tem qualquer relação nem com os vivos nem com os mortos, pois para uns ainda não é, e os outros já não são."

Epicuro, Carta a Meneceu

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

AGATHA CHRISTIE















Cumprem-se hoje 120 anos sobre o nascimento de Agatha Christie. A ela agradeço o gosto pela literatura que, desde muito novo me permitiu explorar horizontes que foram fundamentais para a forma como me identifico hoje. Por isso mesmo, considerando que eu não seria quem sou se, desde precoce idade, não me tivesse atirado aos livros com o assombro e o entusiasmo próprios da paixão, então eu devo não a minha vida mas a minha existência a, entre outros, esta senhora. Somos as escolhas que fizemos. Essas mesmas escolhas tomam-se à luz do melhor (ou não) conhecimento que temos no momento em que se escolhe. Essa informação que nos (in)forma é, portanto, causa fundamental daquilo que somos, daquilo que escolhemos ser. Por consequência lógica a nossa definição identitária não poderá ser, em momento algum, individualista. Somos um colectivo de vontades alheias. Somos uma soma da nossa vontade. E muita da minha vontade de pôr as little grey cells a funcionar deve-se a Agatha Christie. Por essa parte de mim que me faz de forma reiterada relembrar o deleite que me invadiu quando, pela primeira vez, (de muitas) me defrontei com A Primeira Investigação de Poirot lhe estarei eternamente grato.

DOS PALAVRÕES

Texto de Miguel Esteves Cardoso interpretado por Miguel Guilherme

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

APOIADO

"O que é a verdade?, perguntava Pilatos. Também não sei, mas sei o que é a mentira. Uma mentira é uma declaração que sabemos falsa, feita com o intuito de enganar alguém. Fazer isso a quem gostamos, de modo intencional e repetido, é que é saudável? Garantem-me que sim. E eu regresso, mansamente, ao meu manicómio."
Aqui.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

FASCIZANDO

SOCIALISMO

Para quem ande mais distraído pode ficar a saber que o IVA recai sobre o ISV. Trocando por miúdos: o cidadão paga um imposto sobre o seu veículo automóvel (ISV) e sobre essa transacção entre o cidadão e o Estado recai o imposto de valor acrescentado, vulgo IVA. Ainda foi esta dupla tributação ser analisada em Bruxelas mas parece que agora foi autorizada. É que isto já não é uma questão de descaramento ou excesso de lata, é mesmo um roubo. Puro e simples.

GRACE

Jefferson Airplane, Lather, Crown of Creation (1968)

sábado, 4 de setembro de 2010

FÓRMULA

Como encontrar satisfação num processo que ou redundará num falhanço estrondoso ou, em alternativa, culminará numa inexorável decadência será a fórmula da felicidade humana.