Fantástico rock psicadélico contemporâneo: Wooden Shjips, ao vivo na Rádio KEXP de Seatle em 2011.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
NOÇÕES PANTEÍSTAS (X)
"For even if one were willing to permit you to make that inference and by means of it to assume a separate being as the cause of that moral world-order, what have you then actually assumed? This being is supposed to be distinct from you and the world. It is supposed to be active in the world by means of concepts. Consequently, it is supposed to be able to have concepts, to possess personality and consciousness. What, then, do you denote as personality and consciousness? Perhaps what you have found within yourselves, have gotten to know about yourselves, and have labeled with these names? However, the least attention to your construction of these concepts can teach you that you simply do not and cannot think of personality and consciousness without limitation and finitude. Consequently, by attributing these predicates to this being you make it into something finite, into a being similar to yourselves; and you have not thought of God, as you wished, but rather you have only multiplied yourselves in your thinking. You can just as scarcely explain this moral world-order by appealing to this being as you can explaining it by appealing to yourselves. It remains, as before, unexplained and absolute; and in using such words you have in fact not been thinking at all but rather have merely vibrated the air with an empty sound. You could have easily foreseen that you would fare this way. You are finite. How could that which is finite encompass and comprehend the infinite?"
J. G. Fichte, On the Ground of Our Belief in a Divine World-Governance, 1798
J. G. Fichte, On the Ground of Our Belief in a Divine World-Governance, 1798
domingo, 24 de fevereiro de 2013
UM BOLETIM DE VOTO
Boletim de voto do referendo popular de 1938 onde a Áustria decidia sobre a anexação ao Terceiro Reich de Adolf Hitler com os célebres "Sim" a serem muito maiores do que os "Não".
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
NOÇÕES PANTEÍSTAS (IX)
"One road there is, signposted in this wise:
Being was never born and never dies.
Four-square, unmoved, no end it will allow.
It never was, nor will be; all is now,
One and continuous. How could it be born
Or whence could it be grown? Unbeing? - No -
That mayn't be said or thought; we cannot go
So far ev'n to deny it is. What need,
Early or late, could Being from Unbeing seed?
Thus it must altogether be or not."
Parmenides, (~500 BC)
[in H. Diels and W. Kranz, Die Fragmente der Vorsokratier, 1951, translated and quoted by Anthony Kenny, A New History of Western Philosophy (2010)]
Being was never born and never dies.
Four-square, unmoved, no end it will allow.
It never was, nor will be; all is now,
One and continuous. How could it be born
Or whence could it be grown? Unbeing? - No -
That mayn't be said or thought; we cannot go
So far ev'n to deny it is. What need,
Early or late, could Being from Unbeing seed?
Thus it must altogether be or not."
Parmenides, (~500 BC)
[in H. Diels and W. Kranz, Die Fragmente der Vorsokratier, 1951, translated and quoted by Anthony Kenny, A New History of Western Philosophy (2010)]
NOÇÕES PANTEÍSTAS (VIII)
"Eternity, then, is the whole, simultaneous and perfect possession of boundless life, which becomes clearer by comparison with temporal things. For whatever lives in time proceeds in the present from the past into the future, and there is nothing established in time which can embrace the whole space of its life equally, but tomorrow surely it does not yet grasp, while yesterday it has already lost. And in this day to day life you live no more than in that moving and transitory movement. Therefore whatever endures the condition of time, although, as Aristotle thought concerning the world, it neither began ever to be nor ceases to be, and although its life is drawn out with the infinity of time, yet is not yet such that it may rightly be believed to be eternal. For it does not simultaneously comprehend and embrace the whole space of its life, though it be infinite, but it possesses no future yet, the past no longer. Whatever therefore comprehends and possesses at once the whole fulness of boundless life, and is such that neither is anything future lacking from it, not has anything past flowed away, that is rightly held to be eternal, and that must necessarily both always be present to itself, possessing itself in the present, and hold as present the infinity of moving time."
Boethius, The Consolation of Philosophy (524 AD)
Boethius, The Consolation of Philosophy (524 AD)
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
MAMÍFEROS E METEORITOS
Acabou de passar um meteorito enorme e espectacular em plena combustão sobre Leuven: a cauda era brilhante e, ardente, explodiu duas vezes nuns coices cósmicos, aumentando a luminosidade do rasto até que a sua trajectória saiu do meu alcance. Espero que não tenha ido cair em cima de ninguém. Já ontem foi uma espécie de goaxinim todo preto a saltitar mesmo à frente dos meus olhos, à porta de minha casa. Ia ao lixo, o esperto. São sinais, diriam os supersticiosos. São sinais seguramente, digo eu: são sinais de que mesmo na cidade e num país atulhado de gente ainda sobra espaço e tempo para o mundo. E de outra forma não poderia ser: o mundo é grande (e nós pequenos) demais para que fosse de outra forma.
CHARLES TAYLOR
Quem tiver interesse em conhecer um pouco melhor o pensamento do filósofo comunitário, católico e contemporâneo, Charles Taylor, principalmente no que concerne às suas ideias sobre a relação entre o cristianismo e a "modernidade" pode ler este pequeno ensaio que publiquei no Folia do Caos. Apesar de eu tentar demonstrar uma certa contradição no seu pensamento e alguma fragilidade dos seus argumentos (num aspecto particular) é um bom ponto de entrada para um autor que vale muito a pena ler por ter uma crítica muito apurada no que concerne aos problemas actuais do Ocidente.
A BOLHA
A ultra tecnologia contemporânea, por ser incompreensível o seu funcionamento ao comum dos mortais, acaba por se transformar numa espécie de mundo mágico onde os homens flutuam sem compreender bem como ou porquê. No entanto, é uma magia aparente e artificial; falsa, portanto: por detrás do palco de pixeis estão os mestres de marionetas que criam de facto a magia em que nos deixamos envolver. Desta artificialidade sobra uma bolha que, através do encanto, separa os homens da Natureza e, por conseguinte, do verdadeiro mistério da vida. Alienados do nosso lugar no Cosmos - que pela sua vastidão nos causa o sentimento da solidão - restringimo-nos àquele mundo que criámos para nós: nele nos deliciamos com o esplendor da descoberta constante do novo sem, no entanto, sairmos verdadeiramente do mesmo lugar: como hamsters numa roda rumamos a lado nenhum pois não saímos da ilusão que construimos para nós próprios. Ao mesmo tempo, separados do nosso devido lugar no Cosmos, alienados do mundo real, sobra-nos uma terrível e constante insatisfação pois nunca a verdadeira completude pode vir de nos encolhermos protegidos - separados! - do mundo. Pelo contrário: virados para dentro, perdemos a infinitude do horizonte que poderíamos, de outro modo, alcançar. Da grandeza passamos à mediocridade, da conquista à imobilidade e da liberdade à escravidão.
O QUE SE ESQUECE
"[N]ada torna o homem recolhido, conchegado à lareira, simples e facilmente feliz - como a guerra. É a paz que, dando os vagares da imaginação, causa as impaciências do desejo."
Eça de Queiroz, Singularidades de Uma Rapariga Loura (1902)
Eça de Queiroz, Singularidades de Uma Rapariga Loura (1902)
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
A (VERDADEIRA) CIVILIZAÇÃO \ Um grito da Bélgica
Enquanto no sul da Europa se criavam civilizações avançadíssimas que desbravavam os mistérios do mundo ao mesmo tempo que viviam as suas vidas rumo a um ideal de felicidade humana no qual os prazeres gastronómicos - e o vinho! - tinham lugar primordial, enquanto isso, os bárbaros do norte da Europa urravam e decoravam-se com ossos e chifres nas cabeças ao mesmo tempo que chafurdavam nos lamaçais invernosos em que pastavam. Hoje, na Europa, querem que sejamos todos bárbaros: até o bacalhau, essa divindade marítima que apenas os ignorantes não sabem salgar, até o bacalhau, querem barbarizar. E, para cúmulo, acham-se os maiores. Acham que sabem. Talvez esteja na hora de perceberem que certezas não as há, que verdades só no campo da fé e que a vida - a vida feliz! - precisa de um pouco mais de apreciação do percurso do que meramente viver obcecado com os fins. Isto, os bárbaros não percebem; e isto tenho eu medo que nós, Portugueses, sábios da vida milenar, fruto desta barbaridade em que se tornou a vida contemporânea, nos venhamos a esquecer. Hoje, para o jantar, um tinto Alentejano; porque as zurrapas que esta gente bebe - e não exagero! - nem para limpar os pés. Para comer? Ainda não sei. Mas mete azeite bem lusitano, alhos e coentros; porque o que esta gente para aqui enfia pela boca abaixo nem um cão lusíada esfomeado lhe tocava. E o azeite deles? Nem para olear portas. Bárbaros loucos! Não foi à toa que Ulisses se deu ao trabalho de ir tão longe fundar Lisboa: a verdade é que Portugal é a salvação da civilização. A última esperança!, pois que para além de Olivença, civilização é coisa que já há muito que não há; e foi precisamente por isso que nos idos de quatrocentos, cheios de génio, optámos pelo mar. E enquanto o mar existir e nele ecoarem imemoriais murmúrios em português; enquanto as amendoeiras de Trás-os Montes florirem e as ondas banharem esse imenso Alentejo; e enquanto o Pantagruel, nem que passado de mão em mão, for lido pelas novas gerações, cá haveremos de continuar. Hão-de ir à vida os bárbaros (que não a viveram) e Portugal sobreviverá. Para isso, rogo aos deuses: que não nos esqueçamos!; que nos lembremos do que somos! E sobra, finalmente, no fundo bem português, uma secreta e serena tranquilidade: enquanto houver ventos e mares a vida vai continuar.
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
UM CARREIRAS CHIQUE A VALER
Já por diversas vezes tenho aqui comentado a magnífica prosa do Carlos Carreiras no jornal i. Já, por motivos aos quais a qualidade do meu próprio palavrório será certamente alheia, aparentemente as palavras voaram longe e, imagine-se, até fui acusado de "perseguição" ao supracitado Carreiras; isto por pessoas que nem imaginaria que fossem leitoras assíduas deste blog. Cumpre-me esclarecer: não é minha vontade perseguir ninguém; apenas, por azar do destino, vou seguindo as suas crónicas no jornal i e tenho-as como dos melhores exemplos da mediocridade política nacional. Ora, os exemplos são para se usar porque, sendo paradigmáticos, ilustra-se com pouco trabalho (no particular) um mal difícil de explicar se tratado no geral. Além disso, Carreiras, no seu entusiasmo infantil, é pródigo em deixar bem evidente a sua (in)capacidade para "líder político". Veja-se o caso de hoje: aqui temos o Presidente do Instituto Sá Carneiro a afirmar que "as diferenças programáticas entre os três partidos do arco do poder em Portugal não são significativas". Ou seja: PSD, CDS e PS, no fundo, no fundo, é tudo a mesma coisa. Mas há mais: enumera o fogoso Carreiras que os ditos três partidos convergem no desejo por "um país competitivo e solidário, com um Estado solidariamente forte e ágil, são pelo emprego e pela plenitude de direitos de cidadania (...) PSD, CDS e PS só divergem quanto aos meios e, ainda assim, consoante a posição de responsabilidade que protagonizam em cada momento: serem governo, ou oposição." Ou seja: os três partidos têm a mesma visão para a sociedade, discordam pontualmente nalguns meios mas, fundamentalmente, apenas têm posições discordantes consoante são governo ou oposição. Mais claramente explicado: divergências partidárias entre estes três partidos resumem-se a criticar (mesmo quando até se concorda) quem está no governo para se ganhar apoio popular. Como se resolve este problema? Afirma Carreiras que "há, nestes partidos, pessoas que se respeitam dispostas a lançar pontes para que se funde um novo pacto político em Portugal. Um pacto que estabeleça uma base de diálogo político e de entendimento permanentes entre as três forças que, previsivelmente, nas próximas décadas terão a seu cargo o governo de Portugal." O Bloco Central, pois claro. Termina Carreiras a sua crónica, que nem um profeta a anunciar a boa-nova, a clamar que "[o]s portugueses exigem aos partidos com responsabilidades que abandonem a política da pequena diferença. Portugal e a Europa estão no meio de uma guerra que está a ser travada no campo financeiro e económico, mas também político. A crise europeia não tem filiação partidária e já derrubou governos de todas as cores. É bom que os partidos percebam que divididos, serão vencidos. É tempo para a união e para um pacto político que reforce a ideia de esperança no amanhã de Portugal." Como sempre, Carreiras sonha com o movimento unificador de salvação nacional que não se cansa de apregoar. Para ele a ideologia é coisa do passado, as diferenças ideológicas são mero fruto de mesquinhez superficial e o que é preciso é liderança e esperança. Liderança, a qual, Carreiras sonha implementar; esperança, essa, já a julga inspirar. Como já afirmei antes este tipo de liderança é próprio de quem não respeita - ou sequer compreende - a natureza humana e o mundo em que vive: para Carreiras, o mundo é simples e, consequentemente, os seus problemas fáceis de serem resolvidos; isto se apenas as pessoas - malandras! - se unissem para conseguir ver a sua verdadeira solução. Solução de quem? De Carreiras, pois claro. Como Carreiras vê o mundo - e o homem - com a simplicidade dos simples não compreende que a profundidade da vida torna impossível a concórdia nas soluções para a sociedade. É precisamente por isso mesmo que a democracia, apesar dos Carreiras da vida, é tão fundamental pois acomoda as diferenças nas suas instituições impedindo os conflitos violentos. Aliás, porque a discórdia é natural, quanto menos diferenças existirem entre os partidos que compõem a democracia, em pior saúde esta estará pois apenas representará um status quo dirigente deixando de ter a capacidade de dar resposta às naturais diferenças de opinião dos eleitores. Mas para Carreiras - que no fundo vê a discórdia democrática como um impedimento à implementação da solução - a hipotética igualdade ideológica nos principais partidos portugueses seria uma coisa boa. Não seria. E um amplo consenso só se consegue compreendendo isto. Infelizmente, Carreiras não compreende isto e, só por aqui, Passos Coelho deveria exigir a sua demissão do Instituto Sá Carneiro. Mas sobre este tema já eu abundei em artigos anteriores (por exemplo aqui). O que, de facto, me causou mais impressão na crónica de hoje do i foi a confirmação de uma tese que já tinha apresentado aqui: é que, apesar de uma certa coerência própria da ausência de profundidade intelectual que Carreiras apresenta, as suas propostas, sempre salvíficas, variam consoante o seminário ou conferência a que Carreiras assistiu durante a semana. E onde foi Carreiras esta semana? À reunião da Internacional Socialista, pois claro. Resultado? Veio socialista, naturalmente. Não apenas acha que o bloco central é que é como ainda vem a perorar contra os mercados e os especuladores. Diz Carreiras: "[a]s mudanças a que assistimos no mundo e, sobretudo, a crise em que milhões de pessoas na Europa foram metidas à custa de uma dúzia de criminosos que elevaram a ganância a projecto ideológico, demarcou o terreno. Empurrou os partidos para a mesma trincheira. De um lado estão eles, as agências de rating e os poderes dos especuladores e gananciosos; do outro estamos nós, cidadãos, políticos, partidos e nações livres." É esta a profundidade intelectual de Carreiras: uma visão para o país que, de tão fugaz e efémera quanto voluntariosa e optimisticamente estulta, muda consoante o jargão da semana ao qual os seus neurónios, por força da presença física do seu portador, tiveram acesso. Não compreende Carreiras os mercados (por isso são especuladores e gananciosos), não compreende Carreiras as agências de rating, não compreende Carreiras as diferentes soluções que existem para a crise actual; crise, a qual, Carreiras obviamente não compreende também. Por essa inocência, que se não fosse perigosa para o país - pelas responsabilidades que o inocente tem - seria quase infantilmente enternecedora, basta a Carreiras ir à Internacional para sair de lá com o mesmo discurso de Seguro ou, também já o era, o de sócrates, o pequeno: o discurso que nos trouxe à bancarrota. Já tendo anteriormente analisado com profundidade a vacuidade do discurso político de Carreiras sobra compreender como é possível que seja o formidável Carreiras Presidente do Instituto Sá Carneiro. A resposta é simples: nos mecanismos da máquina partidária funciona o caciquismo e, por essa singela razão, quem controla uma câmara municipal - como Carreiras controla a de Cascais - pode ter muito poder. E assim se fazem os políticos da nossa praça: de favores, sacos de votos e, infelizmente, muita ignorância. Duas conclusões: a primeira é que o verdadeiro problema do país político-partidário não está na ausência de unanimidade em redor das pequeninas e néscias soluções de Carreiras mas, pelo contrário, está precisamente na ignorante concórdia com a narrativa política do status quo politiqueiro - tão tentadora para o apelo ao voto - que, da mesma forma que justificou um enorme bloco central de interesses que alimenta muito politiqueiro (e os seus votos), também causou a triste situação de falência a que chegámos. Carreiras é, portanto, tal como muitos outros, um adversário da salvação da Pátria pois cá andará a perorar pelo Estado (socialista), em nome do Estado (socialista) e para o Estado (socialista). A segunda conclusão é que Carreiras continua em forma. Aliás, tão em forma que ainda corremos o risco de ver o nome de tão distinta personagem como personificação da tão almejada subida social através da máquina partidária: são carreiras mesmo aqueles que se fazem pela política onde, para os chico-espertos, saber ler e escrever e ter um telemóvel e um fato, parecem ser os requisitos suficientes para, utilizando a gíria apropriada, se orientarem. Faz-me lembrar Carreiras, na sua rude - mas mui tentada! - personagem-tipo, algumas, igualmente distintas, personagens da literatura portuguesa: onde reparo no deslumbre de Carreiras para com as conferências a que assiste e a rapidez com que repete e papagueia o que "aprendeu" vejo eu a pobreza de espírito de um Dâmaso Salcede do Eça; já quando reparo na agilidade com que Carreiras vai subindo, a pulso, as cordas do poder vejo eu um videirinho Laurentino do Paço d'Arcos. Só o futuro nos dirá acerca do seu destino: se acabará em afamado banqueiro como o segundo ou, quiçá, corrido à bengalada como o primeiro, isso logo veremos. Nos entretantos, resta-nos apreciar - e comentar!, pois claro - os episódios de tão cativante novela. É que é mesmo chique a valer!
NOÇÕES PANTEÍSTAS (VII)
"Assim jantámos deliciosamente, sob os auspícios do Zé Brás. E depois voltámos para as alegrias únicas da casa, para as janelas desvidraçadas, a contemplar silenciosamente um sumptuoso céu de Verão, tão cheio de estrelas que todo ele parecia uma densa poeirada de ouro vivo, suspensa, imóvel, por cima dos montes negros. Como eu observei ao meu Jacinto, na cidade nunca se olham os astros por causa dos candeeiros - que os ofuscam: e nunca se entra por isso numa completa comunhão com o universo. O homem nas capitais pertence à sua casa, ou, se o impelem fortes tendências de sociabilidade, ao seu bairro. Tudo o isola e o separa da restante Natureza - os prédios obstrutores de seis andares, a fumaça das chaminés, o rolar moroso e grosso dos ónibus, a trama encarceradora da vida urbana... Mas que diferença, num cimo de um monte como Torges! Aí todas essas belas estrelas olham para nós de perto, rebrilhando, à maneira de olhos conscientes, umas fixamente, com sublime indiferença, outras ansiosamente, com uma luz que palpita, uma luz que chama, como se tentassem revelar os seus segredos ou compreender os nossos... E é impossível não sentir uma solidariedade perfeita entre esses imensos mundos e os nossos pobres corpos. Todos são obra da mesma vontade. Todos vivem da acção dessa vontade imanente. Todos, portanto, desde os Uranos até aos Jacintos, constituem modos diversos de um ser único, e através das suas transformações somam na mesma unidade. Não há ideia mais consoladora do que esta - que eu, e tu, e aquele monte, e o Sol que, agora, se esconde são moléculas do mesmo Todo, governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo Fim. Desde logo se somem as responsabilidades torturantes do individualismo. Que somos nós? Formas sem força, que uma Força impele. E há um descanso delicioso nesta certeza, mesmo fugitiva, de que se é o grão de pó irresponsável e passivo que vai levado no grande vento, ou a gota perdida na torrente! Jacinto concordava, sumido na sombra. Nem ele nem eu sabíamos os nomes desses astros admiráveis. Eu, por causa da maciça e indesbastável ignorância de bacharel, com que saí do ventre de Coimbra, minha mãe espiritual. Jacinto, porque da sua ponderosa biblioteca tinha trezentos e dezoito tratados sobre astronomia! Mas que nos importava, de resto, que aquele astro além se chamasse Sírio e aquele outro Aldebarã? Que lhes importava a eles que um de nós fosse José e o outro Jacinto? Éramos formas transitórias do mesmo ser eterno - e em nós havia o mesmo Deus. E se eles também assim o compreendiam, estávamos ali, nós à janela num casarão serrano, eles no seu maravilhoso infinito, perfazendo um acto sacrossanto, um perfeito acto de Graça - que era sentir conscientemente a nossa unidade, e realizar, durante un instante, na consciência, a nossa divinização."
Eça de Queiroz, Civilização (1892)
Eça de Queiroz, Civilização (1892)
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013
NOÇÕES PANTEÍSTAS (VI)
Santo Agostinho defendia a ideia de que, de alguma forma, nós merecemos o 'mal'; Leibniz argumentava de que o 'mal metafísico' é uma mera consequência da nossa limitação. Ambos estão certos: se entendermos o todo como eterno, temos forçosamente que o conceber também como harmonioso: onde não há tempo, não há acção; onde não há divisões, não pode haver tensões. Ora, a limitação, já dizia Heraclito, exerce-se precisamente pela oposição: a tensão entre os opostos configura a separação entre o finito (em tensão) e o infinito (o absoluto harmónico). O 'mal' apenas pode surgir da tensão: no eterno e absoluto não pode existir nem 'bem' nem 'mal' pois tudo simplesmente é em absoluta harmonia. Assim sendo, o 'mal' será certamente consequência da limitação; mas porque é também a essa limitação que devemos a nossa possibilidade de existência então temos que aceitar que o 'mal' é o preço que pagamos pela vida. Nesse sentido, a existência do 'mal', tendo como alternativa a não-existência, será justamente merecida: não há almoços grátis.
NOÇÕES PANTEÍSTAS (V)
"I tried once to make Spinoza's system intelligible - to show that all things are mere accidents of a single substance. My friend interrupted me and said, 'but my God! Aren't you and I different men and do we not each possess an existence of our own?' 'Close the shutters!' I called to reply to his objection. This strange expression astonished him. He did not know what I meant. Finally, I explained myself. 'See', I said, 'the sun shines through the windows. The square window gives you a square reflection and the round window gives you a round reflection. Are they on that account different things and not one and the same sunshine?' "
Solomon Maimon, Lebengeschichte (1793)
Solomon Maimon, Lebengeschichte (1793)
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