quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

UM CARREIRAS CHIQUE A VALER

Já por diversas vezes tenho aqui comentado a magnífica prosa do Carlos Carreiras no jornal i. Já, por motivos aos quais a qualidade do meu próprio palavrório será certamente alheia, aparentemente as palavras voaram longe e, imagine-se, até fui acusado de "perseguição" ao supracitado Carreiras; isto por pessoas que nem imaginaria que fossem leitoras assíduas deste blog. Cumpre-me esclarecer: não é minha vontade perseguir ninguém; apenas, por azar do destino, vou seguindo as suas crónicas no jornal i e tenho-as como dos melhores exemplos da mediocridade política nacional. Ora, os exemplos são para se usar porque, sendo paradigmáticos, ilustra-se com pouco trabalho (no particular) um mal difícil de explicar se tratado no geral. Além disso, Carreiras, no seu entusiasmo infantil, é pródigo em deixar bem evidente a sua (in)capacidade para "líder político". Veja-se o caso de hoje: aqui temos o Presidente do Instituto Sá Carneiro a afirmar que "as diferenças programáticas entre os três partidos do arco do poder em Portugal não são significativas". Ou seja: PSD, CDS e PS, no fundo, no fundo, é tudo a mesma coisa. Mas há mais: enumera o fogoso Carreiras que os ditos três partidos convergem no desejo por "um país competitivo e solidário, com um Estado solidariamente forte e ágil, são pelo emprego e pela plenitude de direitos de cidadania (...) PSD, CDS e PS só divergem quanto aos meios e, ainda assim, consoante a posição de responsabilidade que protagonizam em cada momento: serem governo, ou oposição." Ou seja: os três partidos têm a mesma visão para a sociedade, discordam pontualmente nalguns meios mas, fundamentalmente, apenas têm posições discordantes consoante são governo ou oposição. Mais claramente explicado: divergências partidárias entre estes três partidos resumem-se a criticar (mesmo quando até se concorda) quem está no governo para se ganhar apoio popular. Como se resolve este problema? Afirma Carreiras que "há, nestes partidos, pessoas que se respeitam dispostas a lançar pontes para que se funde um novo pacto político em Portugal. Um pacto que estabeleça uma base de diálogo político e de entendimento permanentes entre as três forças que, previsivelmente, nas próximas décadas terão a seu cargo o governo de Portugal." O Bloco Central, pois claro. Termina Carreiras a sua crónica, que nem um profeta a anunciar a boa-nova, a clamar que "[o]s portugueses exigem aos partidos com responsabilidades que abandonem a política da pequena diferença. Portugal e a Europa estão no meio de uma guerra que está a ser travada no campo financeiro e económico, mas também político. A crise europeia não tem filiação partidária e já derrubou governos de todas as cores. É bom que os partidos percebam que divididos, serão vencidos. É tempo para a união e para um pacto político que reforce a ideia de esperança no amanhã de Portugal." Como sempre, Carreiras sonha com o movimento unificador de salvação nacional que não se cansa de apregoar. Para ele a ideologia é coisa do passado, as diferenças ideológicas são mero fruto de mesquinhez superficial e o que é preciso é liderança e esperança. Liderança, a qual, Carreiras sonha implementar; esperança, essa, já a julga inspirar. Como já afirmei antes este tipo de liderança é próprio de quem não respeita - ou sequer compreende - a natureza humana e o mundo em que vive: para Carreiras, o mundo é simples e, consequentemente, os seus problemas fáceis de serem resolvidos; isto se apenas as pessoas - malandras! - se unissem para conseguir ver a sua verdadeira solução. Solução de quem? De Carreiras, pois claro. Como Carreiras vê o mundo - e o homem - com a simplicidade dos simples não compreende que a profundidade da vida torna impossível a concórdia nas soluções para a sociedade. É precisamente por isso mesmo que a democracia, apesar dos Carreiras da vida, é tão fundamental pois acomoda as diferenças nas suas instituições impedindo os conflitos violentos. Aliás, porque a discórdia é natural, quanto menos diferenças existirem entre os partidos que compõem a democracia, em pior saúde esta estará pois apenas representará um status quo dirigente deixando de ter a capacidade de dar resposta às naturais diferenças de opinião dos eleitores. Mas para Carreiras - que no fundo vê a discórdia democrática como um impedimento à implementação da solução - a hipotética igualdade ideológica nos principais partidos portugueses seria uma coisa boa. Não seria. E um amplo consenso só se consegue compreendendo isto. Infelizmente, Carreiras não compreende isto e, só por aqui, Passos Coelho deveria exigir a sua demissão do Instituto Sá Carneiro. Mas sobre este tema já eu abundei em artigos anteriores (por exemplo aqui). O que, de facto, me causou mais impressão na crónica de hoje do i foi a confirmação de uma tese que já tinha apresentado aqui: é que, apesar de uma certa coerência própria da ausência de profundidade intelectual que Carreiras apresenta, as suas propostas, sempre salvíficas, variam consoante o seminário ou conferência a que Carreiras assistiu durante a semana. E onde foi Carreiras esta semana? À reunião da Internacional Socialista, pois claro. Resultado? Veio socialista, naturalmente. Não apenas acha que o bloco central é que é como ainda vem a perorar contra os mercados e os especuladores. Diz Carreiras: "[a]s mudanças a que assistimos no mundo e, sobretudo, a crise em que milhões de pessoas na Europa foram metidas à custa de uma dúzia de criminosos que elevaram a ganância a projecto ideológico, demarcou o terreno. Empurrou os partidos para a mesma trincheira. De um lado estão eles, as agências de rating e os poderes dos especuladores e gananciosos; do outro estamos nós, cidadãos, políticos, partidos e nações livres." É esta a profundidade intelectual de Carreiras: uma visão para o país que, de tão fugaz e efémera quanto voluntariosa e optimisticamente estulta, muda consoante o jargão da semana ao qual os seus neurónios, por força da presença física do seu portador, tiveram acesso. Não compreende Carreiras os mercados (por isso são especuladores e gananciosos), não compreende Carreiras as agências de rating, não compreende Carreiras as diferentes soluções que existem para a crise actual; crise, a qual, Carreiras obviamente não compreende também. Por essa inocência, que se não fosse perigosa para o país - pelas responsabilidades que o inocente tem - seria quase infantilmente enternecedora, basta a Carreiras ir à Internacional para sair de lá com o mesmo discurso de Seguro ou, também já o era, o de sócrates, o pequeno: o discurso que nos trouxe à bancarrota. Já tendo anteriormente analisado com profundidade a vacuidade do discurso político de Carreiras sobra compreender como é possível que seja o formidável Carreiras Presidente do Instituto Sá Carneiro. A resposta é simples: nos mecanismos da máquina partidária funciona o caciquismo e, por essa singela razão, quem controla uma câmara municipal - como Carreiras controla a de Cascais - pode ter muito poder. E assim se fazem os políticos da nossa praça: de favores, sacos de votos e, infelizmente, muita ignorância. Duas conclusões: a primeira é que o verdadeiro problema do país político-partidário não está na ausência de unanimidade em redor das pequeninas e néscias soluções de Carreiras mas, pelo contrário, está precisamente na ignorante concórdia com a narrativa política do status quo politiqueiro - tão tentadora para o apelo ao voto - que, da mesma forma que justificou um enorme bloco central de interesses que alimenta muito politiqueiro (e os seus votos), também causou a triste situação de falência a que chegámos. Carreiras é, portanto, tal como muitos outros, um adversário da salvação da Pátria pois cá andará a perorar pelo Estado (socialista), em nome do Estado (socialista) e para o Estado (socialista). A segunda conclusão é que Carreiras continua em forma. Aliás, tão em forma que ainda corremos o risco de ver o nome de tão distinta personagem como personificação da tão almejada subida social através da máquina partidária: são carreiras mesmo aqueles que se fazem pela política onde, para os chico-espertos, saber ler e escrever e ter um telemóvel e um fato, parecem ser os requisitos suficientes para, utilizando a gíria apropriada, se orientarem. Faz-me lembrar Carreiras, na sua rude - mas mui tentada! - personagem-tipo, algumas, igualmente distintas, personagens da literatura portuguesa: onde reparo no deslumbre de Carreiras para com as conferências a que assiste e a rapidez com que repete e papagueia o que "aprendeu" vejo eu a pobreza de espírito de um Dâmaso Salcede do Eça; já quando reparo na agilidade com que Carreiras vai subindo, a pulso, as cordas do poder vejo eu um videirinho Laurentino do Paço d'Arcos. Só o futuro nos dirá acerca do seu destino: se acabará em afamado banqueiro como o segundo ou, quiçá, corrido à bengalada como o primeiro, isso logo veremos. Nos entretantos, resta-nos apreciar - e comentar!, pois claro - os episódios de tão cativante novela. É que é mesmo chique a valer!

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