Desde que me lembro de existir que o Metro, aquele comboio que aparece vomitado por um misterioso túnel negro e sem fim, exerce um fascínio, um estranho e inexplicável fascínio, na minha mente. Talvez, no início, petiz iletrado ainda, vislumbrasse nele algo muito parecido com o comboio normal da linha de Cascais mas completamente diferente. Uma realidade alternativa, talvez, difícil de explicar mas a mesma sensação que tive ao entrar no apartamento da vizinha de baixo: era igual ao nosso mas com outros móveis, outros quadros, outros cheiros. Sendo igual, não deixava de ser diferente, como se o mundo criasse uma versão alternativa dele próprio logo ali a uns escassos metros de escadas. Talvez uns minutos depois aparecesse um outro petiz iletrado, igual a mim mas vestido com roupas diferentes, talvez, ali naquele mundo quase igual ao meu, estivesse um outro petiz quase igual a mim, um outro eu que não fosse eu. Era como se fosse um outro nível de um jogo de computador: as mesmas linhas, o mesmo cenário mas ora mudava a cor, ora mudava o animal contra o qual se lutava. Talvez seja isso: era a descoberta de um padrão, o mundo multiplicava-se em realidades que, sendo cada uma sucessivamente quase igual à anterior não deixava de apresentar a sua própria diferença. O mundo é, de facto, bem mais complexo e diferente do que aquele petiz poderia no seu maior desvario sonhar; mas o facto de essa sensação da 'quase igualdade e alguma diferença' continuar a alimentar o meu fascínio só me demonstra que aquele pequeno petiz ainda vive em mim e que o mundo continua ser muito mais diferente do que no meu maior desvario eu possa ainda imaginar. No fundo, vendo bem, o padrão desta estranha sensação sou eu próprio: sempre mas sempre quase igual a alguém que fui mas sempre um pouco diferente a cada momento que passa.
(Cont.)
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