quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O ELOGIO DA VERDADEIRA SABEDORIA

Há pretensos sábios que se irritam com os ignorantes devido, precisamente, à sua ignorância. Haverá, no entanto, quem seja ignorante por opção? Soubesse um ignorante da sua ignorância e talvez quisesse abraçar a abertura da sapiência. Na realidade, o ignorante opina sobre tudo, irritando com isso quem se acha sábio precisamente porque descobrindo a careca do ignorante percebe que o ignorante fala do que não sabe. Mas a força das opiniões de bancada, as certezas do filósofo de café ou os dictates do governante de sofá decorrem, não de quem se acha ignorante mas precisamente de quem acha que sabe tudo: não será a maior ignorância a mania da sabedoria? O alienado, o burro ou o estúpido, saberão eles o que é ser outra coisa do que burro, estúpido ou alienado? Dificilmente. Falta o preguiçoso (o ignorante por opção dirão alguns); mas da preguiça não se faz a ignorância: quantos sábios, génios ou especialistas não se deixaram mergulhar nas tranquilas águas da preguiça? A preguiça faz-se da ausência de necessidade (quem não precisa, não trabalha), não da ausência de conhecimento. Aliás, será mesmo da ausência de conhecimento que se faz a ignorância? Quantos enciclopédicos sabedores de tudo e mais umas botas não demonstram uma ignorância igualmente enciclopédica nas mais elementares matérias da vida? Quantos doutorados, mestres e licenciados não destilam todos os dias o mais profundo desconhecimento sobre o que é a vida e o significa ser Homem? De quantos sábios, sapientes especialistas, de quantos filósofos-rei, de quantos génios e visionários não se fizeram as maiores desgraças da Humanidade? Quantos sapientes não são, à vista despudorada de todos, uns perfeitos idiotas, ignorantes sem vergonha, sabichões chicos-espertos que tendo a mania que tudo sabem só tornam evidente a sua própria ignorância? Por outro lado, quantos velhos iletrados, quantos guardadores de porcos, vacas ou cabras com pouco mais do que a sabedoria da sua própria assinatura, quantos perfeitos analfabetos não há por aí que, a quem os queira ouvir, entre dentes e enlevados pelo sereno sussurro do vento que passa por entre as folhas de uma oliveira  nos inundam com a mais profunda e eloquente interpretação do sentido da vida? Ah, pois é! Para interpretar a vida basta viver e, talvez, talvez, quiçá aprendam mais aqueles que vivem como homens que são do que aqueles que, escondendo-se atrás dos conhecimentos dos outros não aprendem nunca a viver; ah, tristes crianças armazenadoras de informação, pobres papagaios repetidores do que verdadeiramente não chegam a compreender. Se a ignorância é a arrogância de se achar um sabedor-de-tudo não será a maior arrogância delas todas achar que a vida dos homens será diferente da vida de todos os outros pobres miseráveis que por aí se arrastam? Não aprendemos nós, que nem os macacos, os cães ou mesmo os porcos pelo universal esquema da tentativa e erro? Não é a falhar, a errar, a sofrer que aprendemos a não errar, a não sofrer, a não falhar? E não é a aprender que nos tornamos nós mais sabedores? Assim sendo, não será pela miséria, pelas agruras, em suma: pelo sofrimento, a dor e a infelicidade que aprendemos a viver em felicidade sem dor e com menor sofrimento? É que se assim for, se, de facto, fizerem estas pobres e ignorantes palavras algum sentido, então seremos forçados a concluir que a verdadeira distinção entre os sábios e os ignorantes se faz entre uns, os corajosos sofredores que com essas penas e sacrifícios oferendados no supremo altar da existência humana ascendem ao sereno e temperador reconhecimento da vida e os outros, os medrosos, os que com um inusitado receio do sofrimento, os eternos felizes, os rejeitadores de dor (nem sequer a do envelhecimento escondido atrás do botox), esses, recusando o sofrimento, não aprendendo nunca, condenam-se à eterna infantilidade e, por essa mesma razão, à maior infelicidade delas todas: a verdadeira ignorância; aquela que de tão grande nem sequer permite ao infeliz reconhecer-se a si próprio no espelho da vida.

Um comentário:

  1. que belas pobres e ignorantes palavras cheias de sentido.
    muito bom!
    Sz

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