"Grande acontecimento! Leiam tudo!", grita o ardina em plenos pulmões, "A Medida dos Sonhos chega à imprensa", continua ele a gritar à medida que percorria o macadame armadilhado pela geada matutina que envolvia aquela Lisboa de Outono, em particular a bonita e mui movimentada Rua Augusta. Outros tempos talvez.
O homem estranhou. A Medida dos Sonhos? Que raio seria isso? Aproximou-se, curioso, do ardina que continuava, do auge dos seus doze ou treze anos, a gritar, a voz a ele não lhe doía, coisa incrível, quanto mais se sofre pelo trabalho mais força parece que se tem.
"Ouve lá ò miúdo", interpelou o homem, "Que coisa é essa da medida dos sonhos?"- O miúdo, interrompido, rapidamente esclarece em tom sabido, puto de doze anos mas sabia mais naquele momento do que aquele homem, talvez universitério, talvez doutorado, sabe-se lá, doutor seria de certeza porque tinha um belo chapéu e uma corrente de prata fantástica para o seu relógio de bolso. Mas diziamos nós, o puto rapidamente esclarece "A Medida dos Sonhos? Não sabe? É o livro do Nuno Lebreiro. È muito bom. E hoje, aparece uma mui elogiosa referência no jornal Correio da Manhã"
"Ah é?", estranhou-se o homem.
"É, é"
"Quero comprar então..."
Claro. Quem é que não compraria tal coisa? Pensando bem todos aqueles que pudessem ler de BORLA neste magnífico blog...
Aqui fica.
in Correio da Manhã de 25 de Outubro de 2007
OPINIÃO DE PAULA TEIXEIRA DA CRUZ
"Da vida real
A grande farsa
A Democracia não vive sem a participação dos cidadãos e a transparência de actuação das instituições, sejam públicas ou privadas. É por isso que o afastamento dos cidadãos – por demissão ou inibição de intervenção – e fenómenos de perversão das instituições, como a corrupção, o tráfico de influências, o favorecimento, a fragilização sistemática das instituições ou a ‘marketização’ da política, criam um regime que da natureza democrática só guarda o nome e as comemorações.
Vem isto a propósitos vários. Comecemos pelo chamado Tratado de Lisboa, o novo nome que a Constituição Europeia adoptou, quem sabe se para melhor esconder a sua identidade. É sabido que o cidadão comum se interroga para que serve hoje a Europa: dela conhece vagamente a existência de fundos comunitários (e nem sempre pelas melhores razões) ou a hiperburocracia que a caracteriza. Sentindo-se da União Europeia tão longe como de Marte, o Cidadão comum retribui, ora com indiferença ora com desconfiança, a distância a que a União Europeia se votou. É pena: a Europa Comunitária da Cidadania pode (podia) ter um papel essencial no Mundo, quer na vertente política quer na vertente económica e seria até desejável que assim fosse, bem estribada na defesa dos direitos fundamentais (cuja defesa no novo Tratado também ficou pelo meio).
Subtrair ao escrutínio dos cidadãos projectos políticos fundamentais, ainda para mais quando se trata de projectos que foram inicialmente recusados em vários países, soa a truque, a deslegitimação e a menosprezo pela Cidadania: condena-os ao fracasso.
Em Portugal, PS e PSD prometeram um referendo sobre o projecto Europeu e o pior que podem fazer é faltar ao prometido, tanto mais que a transmutação de Constituição Europeia em Tratado de Lisboa não lhe alterou o conteúdo essencial e é por isso urgente respeitar a promessa feita de consulta às populações.
É bom não perder de vista que quando a voz da rua se vê obrigada a olhar as questões políticas com um ‘isso é lá coisa deles’, o divórcio está à vista e a farsa também. A grande farsa. Ninguém gosta de se sentir enganado.
Por falar em engano(s), em duas semanas o PSD alterou o discurso em questões estruturais (referendo, não à regionalização, impostos ); a liderança tornou-se bicéfala, deu-se início a protectorados dos que são próximos e assistiu-se à entrega de um discurso político e de uma agenda partidária a uma agência de comunicação. Soa a espectáculo e a farsa. A grande farsa. Com coisas sérias.
Felizmente a despropósito, veio-me à memória a ‘Medida dos Sonhos’, um inédito de Nuno Lebreiro – um nome a reter – que merece publicação: “Portanto ”, começou outra vez o António após um ou dois minutos. “ a maior riqueza dos homens é poder pensar Estou de acordo. É a única coisa que permite todas as outras”, concluiu."
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