AS COLINAS ESTÃO VIVAS COM O SOM DA MÚSICA
Um dos maiores desgostos que já tive na minha vida foi, por altura dos meus seis anos, ter descoberto que o Pai Natal não existia. Devo dizer que resisti como pude a tamanha heresia para o meu pequeno mundo de então.
O local da ocorrência foi no recreio
lembro-me como se tivesse sido a semana passada
mesmo antes da aula de ginástica. O Rafael resolveu anunciar em voz alta, para que todos o ouvissem, que sabia que o Pai Natal não existia.
isso é impossível
A minha reacção não foi apenas de incredibilidade mas de tentar convencer toda a gente que aquela afirmação era idiota e que, portanto, o Rafael era ainda mais idiota.
É preciso ter em atenção que desde que me lembrava de existir que o Pai Natal fazia parte da minha vida. Todos os anos ele descia pela chaminé e me oferecia precisamente aquilo que eu tinha pedido. Ora, isto fazia com que ele consistisse na personagem mais incrível com quem eu alguma vez me defrontara. Não só conseguia percorrer numa única noite o mundo inteiro, como conseguia transportar um enorme saco vermelho do tamanho do mundo com ele, como, ainda por cima, acertava em cheio nas coisas que eu desejava. O Pai Natal era um dos meus maiores amigos. Dava-me coisas boas, tal como os meus pais, mas nunca se zangava comigo. Sejamos sérios, o Pai Natal era o maior.
Realmente é preciso assumir: Eu estava comprado. Ninguém falava mal do Pai Natal e safava com isso...
Como é evidente revoltei-me profundamente com o Rafael. Qual não foi a minha surpresa quando mais amigos meus aceitaram aquela afirmação profana como verdadeira. Rapidamente fundei o grupo dos que acreditavam no Pai Natal e que, com argumentos válidos, procuravam demonstrar que o Pai Natal existia de facto. O melhor argumento foi, sem dúvida, dizer que os meus pais me tinham dito que o Pai Natal existia.
estás a chamar mentiroso ao meu pai?
A discussão prolongou-se durante a aula de ginástica
era dia de trampolim
e, devo-vos dizer, foi completamente infrutífera. Cheguei a casa mais convencido do que nunca que o Pai Natal era absolutamente real. Como não o poderia ser? Estava na televisão, as pessoas todas falavam nele e todos os dias 24 de Dezembro tinha de me esconder para que ele não me visse.
Quando a minha mãe chegou a casa fui rapidamente contar-lhe o que tinha acontecido umas horas antes, procurando uma importante aliada. Era preciso fazer qualquer coisa para impedir que a vil mentira inventada pelo Rafael
havia a possibilidade de terem sido os pais dele
não contaminasse o resto das pessoas. Era altura de agir e, portanto, altura de pedir ajuda à mãe...
Nunca me hei de esquecer da expressão patente na cara da minha mãe quando terminei o relato. Foi nesse momento que percebi que não tinha razão. Os meus pais tinham-me enganado...
Não chorei, não gritei nem me revoltei. Apenas aguentei de pé, incrédulo, o peso gigante da desilusão. A magia tinha acabado.
Não vos vou dizer que acho que não se deve fazer os miúdos acreditarem no Pai Natal. Se calhar essa grande desilusão foi uma grande lição.
não ser dogmático
Devemos questionar sempre os nossos conhecimentos porque a qualquer momento pode vir algo que nos diz que estamos errados e que vira o nosso mundo de pernas para o ar. E esta noção foi, provavelmente, a melhor prenda de Natal que alguma vez recebi.
Passados vinte anos olho para o Natal de uma maneira completamente diferente. O meu mundo é infinitamente maior e dentro dele cabem muito mais coisas. O bem não vai sempre até aos bons como o mal também não vai sempre até aos maus. Muitas vezes até é ao contrário. O cinzento, nos dias de hoje, triunfa claramente sobre o branco e o preto. Enfim, as coisas são muito mais complexas.
Quando penso nisto,
o Natal é sempre uma boa ocasião para por as coisas em perspectiva
vem-me sempre à cabeça a maneira como via as coisas quando era pequenino. É que o Natal é mesmo isso. É fazer-nos voltar atrás e acreditar que existe mesmo uma altura do ano em que as pessoas são todas amigas e boas, uma altura em que a solidariedade impera sobre a inveja e a cobiça, uma altura em que os milagres, se calhar, até podem acontecer.
Aqueles filmes todos na televisão sobre como as pessoas más ficam boas ou como, por incrível que pareça, o Pai Natal existe mesmo, enchem-nos de esperança que a magia que um dia perdemos volte e nos arrebate novamente para um mundo incrível e maravilhoso.
E é isso mesmo. O Natal é esperança. Esperança de voltar a acreditar no nosso mundo de criança.
É evidente que há um problema. Não há bela sem senão. È que quando regressamos à realidade compreendemos o que realmente é o Natal: É a aquela minúscula altura do ano em que, supostamente, fazemos aquilo que, certamente, deveríamos fazer o ano inteiro.
O Natal é a nossa desculpa para continuarmos a acreditar que somos todos boas pessoas e que fazemos todos aquilo que devemos fazer. Aquilo que está certo. E como todos sabemos isso não é bem assim. Nem no Natal.
Na realidade, o Natal é um importante fôlego para a máquina económica que rege a sociedade, principalmente em altura de crise, e uma forma eficaz de nos pôr a gastar dinheiro. Para mim,
desculpem-me aqueles que não concordem comigo
para sentir o Natal e, efectivamente, pô-lo em prática, não é preciso gastar o dinheiro que não se tem em pequenas prendas para dar às pessoas e que muitas vezes apodrecem numa recôndita gaveta. Peço desculpa mas a amizade não se vê por prendas ou cartões. A solidariedade não se vê através de mensagens SMS ou de emails.
Os verdadeiros valores do Natal são intemporais e valem muito mais do que qualquer coisa que o dinheiro possa comprar.
Não me compreendam mal. Eu gosto do Natal tal como ele é. Gosto de receber prendas inesperadas e, especialmente, que gostem e apreciem aquelas que ofereço. Agora não façamos mais do Natal do que aquilo que ele efectivamente é: Um ritual agradável.
Para mim o Natal há de ser sempre aquilo que passou a ser desde aquela longínqua tarde de Dezembro em que percebi a verdade à cerca do Pai Natal.
O Natal para mim significa uma época em que tenho a oportunidade de estar reunido com a família toda e onde podemos todos confraternizar; uma oportunidade de estar à lareira e sentir efectivamente que não estou sozinho neste mundo; uma oportunidade de ver o “Música no Coração” e acreditar que as colinas estão mesmo vivas com o som da música; e, não nos esqueçamos, o Natal é uma altura em comemoramos o nascimento
acredite-se ou não
de alguém que trouxe valores muito importantes a este mundo. E esses, sim, foram uma grande prenda de Natal...
quarta-feira, 24 de dezembro de 2003
sábado, 15 de novembro de 2003
A CERTEZA DA INCERTEZA
Não pretendendo complicar a simplicidade normal da discussão pública, há determinados pensadores que elaboraram teorias ao longo dos tempos que merecem ser alvo de referência, discussão e reflexão. Um deles é sem dúvida Karl Popper e o seu Princípio da Refutabilidade.
Este princípio, revolucionário para a primeira metade do século XX, consiste simplesmente no facto de que se queremos evoluir, os nossos raciocínios ou teorias são melhor verificados pela refutação do que pela confirmação.
Um exemplo. Se eu viver no meio do deserto e disser que nunca mais ali vai chover pelo facto de eu ali viver, esta afirmação pode ser tida como verdadeira
esta agora...
uma vez que, provavelmente, no dia seguinte não irá chover. Nem no próximo. Na verdade só se pode saber se esta afirmação é verdadeira ou falsa no dia em que efectivamente chover. Aí todos os habitantes do deserto saberão que eu estava errado. Até esse dia eles poderão acreditar que a razão da falta de chuva seria a minha presença no deserto. Facto, este, que poderia ser perigoso para a minha permanência nesse local...
Aqui a questão é que se chover eu tenho a certeza que a teoria está errada; se não chover a teoria pode, eventualmente, estar correcta. Podemos ver pelo outro lado. Se eu disser amanhã vai chover de certeza e efectivamente no dia seguinte chover, do ponto de vista científico eu podia saber ou, simplesmente, estar a advinhar. Agora se não chover no dia seguinte há a certeza absoluta que no dia anterior eu não sabia se ia chover ou não.
Isto pode parecer uma evidência. E é. No entanto, este princípio acarreta consequências que, se calhar, não são tão evidentes, princípios que a sociedade tende a esquecer. Se não vejamos:
Se a única forma de eu poder saber se determinado princípio é válido ou não, é demonstrar que ele não é válido, então um argumento válido nunca pode ser validado, porque, por e simplesmente, não pode ser desmentido.
Isto quer dizer que não existem dogmas. Que não existem verdades absolutas. Que tudo aquilo que acreditamos poderá um dia ser desmentido e que só não o terá sido até agora porque ou não temos o conhecimento suficiente para o fazer,
ainda não choveu
ou então nunca o será porque é verdade.
nunca mais vai chover
Ora isto é fabuloso. E é mesmo. É que é assim que se criam os dogmas que, supostamente, não deveriam existir.
agora é que são elas...
Isto por uma razão muito simples. Eu posso gerar uma série de argumentos que nunca poderão ser desmentidos, não por serem verdades
talvez sejam
mas porque não podem ser refutados; logo, poderão ser considerados como verdades. Existem muitos e se repararmos bem são estes mesmos que gerem a sociedade:
Religiões tidas como as verdadeiras, sistemas políticos tidos como os melhores, objectivos tidos como essenciais, teorias tidas como reais, etc... A verdade
e esta é mesmo verdade
é que tudo isto pode ser verdade agora mas poderá vir a não ser verdade no futuro. Podemos estar enganados.
E aqui é que bate o ponto. Se existe a possibilidade de estarmos enganados
amanhã pode chover
como é que nós devemos de lidar com isto. E isto é fundamental porque nós temos o hábito de fazer estátuas aos heróis que estavam certos e crucificar os vilões que se enganaram. Na realidade, sempre aprendemos mais com os vilões que se enganaram. Já repararam? Quem é que quer cometer o erro que outro já cometeu antes?
Só há uma solução para esta incerteza constante em que, à luz do Princípio da Refutabilidade, somos forçados a viver: A Tolerância.
Tolerância com aqueles que se enganaram porque com eles aprendemos, quanto mais não seja, aquilo que não se deve fazer;
Tolerância com aqueles que acertaram porque ainda se pode vir a provar que afinal não estavam assim tão certos;
Tolerância ao não assumirmos certas verdades como absolutas e verdadeiras porque afinal partilhamos 98% dos nossos genes com um gorila e há boas possibilidades de um gorila, por mais inteligente que seja, se enganar. Nem que seja ás vezes...
Tolerância para com todos aqueles que acham que nós estamos enganados porque podem bem ter razão.
Tolerância para todos aqueles que nós achamos que não estão certos porque podemos bem estar enganados.
A questão será, então: Somos nós, comunidade de humanos, uma sociedade tolerante? Sabemos respeitar as nossas diferenças? Sabemos que aquilo que temos como certo será sempre algo que é, forçosamente, incerto?
Penso que não. Todos os dias morrem pessoas em nome de Deus. Ao longo da história morreram milhões em nome de um sistema. E no meio disto tudo todos nós temos certezas sobre como é que as coisas foram, são e como é que elas deveriam ser.
A acrescentar à Tolerância temos ainda a Prudência. Não dar passos apressados sem diminuirmos a incerteza ao mínimo possível. Possível porque se tentarmos que a incerteza seja zero nunca iremos chegar a lado nenhum.
Prudentes nas decisões que nos envolvem a todos mas arrojados nas possibilidades individuais.
E isto é o melhor que existe no mundo. É que se o Princípio da Refutabilidade nos diz que tudo o que sabemos pode estar errado, também nos diz que tudo o que não sabemos é, por exclusão de partes, possível. O limite da nossa evolução será sempre a nossa própria imaginação. Deveremos manter sempre todas as nossas possibilidades em aberto. Devemos acreditar, acima de tudo, em nós próprios e nas nossas capacidades. É que estas podem ser verificadas pela acção.
Esta é a única excepção ao Princípio da Refutabilidade: Aquilo que depende única e exclusivamente de nós. As nossas capacidades só podem ser verificadas pela experimentação dos nossos limites. Pela primeira coisa que não fomos, efectivamente capazes de fazer. E nada nos garante que, mesmo esta, não a possamos vir a ser capaz de fazer no futuro.
E isto abre-nos as portas do universo. Porque sabemos muito menos do que poderemos vir a saber.
De facto, temos ainda muito que andar. Ainda temos muito que nos enganar. Ainda temos muito que sonhar. A verdade é que depois de toda a evolução que experienciámos somos forçados a voltar ao início. Como Sócrates disse, só sabemos que nada sabemos.
É a certeza da incerteza. É o dogma do desconhecimento. Para o bom e para o mau. No melhor e no pior.
Argumento. Tenho a mais profunda certeza que no planeta Terra não existe um único dragão que deite fogo pelo nariz e que coma criancinhas ao pequeno almoço. Provem lá que isto é verdade. Difícil.
Outro argumento. No futuro iremos todos juntos explorar o espaço e conquistar conhecimentos fantásticos, inimagináveis e maravilhosos. Provem lá que isto é mentira. Fico à espera.
A verdade é que aquilo que nos sobra é o facto de vivermos no incerto, no misterioso. E como Einstein disse, “não há nada mais belo no mundo do que o misterioso”...
Não pretendendo complicar a simplicidade normal da discussão pública, há determinados pensadores que elaboraram teorias ao longo dos tempos que merecem ser alvo de referência, discussão e reflexão. Um deles é sem dúvida Karl Popper e o seu Princípio da Refutabilidade.
Este princípio, revolucionário para a primeira metade do século XX, consiste simplesmente no facto de que se queremos evoluir, os nossos raciocínios ou teorias são melhor verificados pela refutação do que pela confirmação.
Um exemplo. Se eu viver no meio do deserto e disser que nunca mais ali vai chover pelo facto de eu ali viver, esta afirmação pode ser tida como verdadeira
esta agora...
uma vez que, provavelmente, no dia seguinte não irá chover. Nem no próximo. Na verdade só se pode saber se esta afirmação é verdadeira ou falsa no dia em que efectivamente chover. Aí todos os habitantes do deserto saberão que eu estava errado. Até esse dia eles poderão acreditar que a razão da falta de chuva seria a minha presença no deserto. Facto, este, que poderia ser perigoso para a minha permanência nesse local...
Aqui a questão é que se chover eu tenho a certeza que a teoria está errada; se não chover a teoria pode, eventualmente, estar correcta. Podemos ver pelo outro lado. Se eu disser amanhã vai chover de certeza e efectivamente no dia seguinte chover, do ponto de vista científico eu podia saber ou, simplesmente, estar a advinhar. Agora se não chover no dia seguinte há a certeza absoluta que no dia anterior eu não sabia se ia chover ou não.
Isto pode parecer uma evidência. E é. No entanto, este princípio acarreta consequências que, se calhar, não são tão evidentes, princípios que a sociedade tende a esquecer. Se não vejamos:
Se a única forma de eu poder saber se determinado princípio é válido ou não, é demonstrar que ele não é válido, então um argumento válido nunca pode ser validado, porque, por e simplesmente, não pode ser desmentido.
Isto quer dizer que não existem dogmas. Que não existem verdades absolutas. Que tudo aquilo que acreditamos poderá um dia ser desmentido e que só não o terá sido até agora porque ou não temos o conhecimento suficiente para o fazer,
ainda não choveu
ou então nunca o será porque é verdade.
nunca mais vai chover
Ora isto é fabuloso. E é mesmo. É que é assim que se criam os dogmas que, supostamente, não deveriam existir.
agora é que são elas...
Isto por uma razão muito simples. Eu posso gerar uma série de argumentos que nunca poderão ser desmentidos, não por serem verdades
talvez sejam
mas porque não podem ser refutados; logo, poderão ser considerados como verdades. Existem muitos e se repararmos bem são estes mesmos que gerem a sociedade:
Religiões tidas como as verdadeiras, sistemas políticos tidos como os melhores, objectivos tidos como essenciais, teorias tidas como reais, etc... A verdade
e esta é mesmo verdade
é que tudo isto pode ser verdade agora mas poderá vir a não ser verdade no futuro. Podemos estar enganados.
E aqui é que bate o ponto. Se existe a possibilidade de estarmos enganados
amanhã pode chover
como é que nós devemos de lidar com isto. E isto é fundamental porque nós temos o hábito de fazer estátuas aos heróis que estavam certos e crucificar os vilões que se enganaram. Na realidade, sempre aprendemos mais com os vilões que se enganaram. Já repararam? Quem é que quer cometer o erro que outro já cometeu antes?
Só há uma solução para esta incerteza constante em que, à luz do Princípio da Refutabilidade, somos forçados a viver: A Tolerância.
Tolerância com aqueles que se enganaram porque com eles aprendemos, quanto mais não seja, aquilo que não se deve fazer;
Tolerância com aqueles que acertaram porque ainda se pode vir a provar que afinal não estavam assim tão certos;
Tolerância ao não assumirmos certas verdades como absolutas e verdadeiras porque afinal partilhamos 98% dos nossos genes com um gorila e há boas possibilidades de um gorila, por mais inteligente que seja, se enganar. Nem que seja ás vezes...
Tolerância para com todos aqueles que acham que nós estamos enganados porque podem bem ter razão.
Tolerância para todos aqueles que nós achamos que não estão certos porque podemos bem estar enganados.
A questão será, então: Somos nós, comunidade de humanos, uma sociedade tolerante? Sabemos respeitar as nossas diferenças? Sabemos que aquilo que temos como certo será sempre algo que é, forçosamente, incerto?
Penso que não. Todos os dias morrem pessoas em nome de Deus. Ao longo da história morreram milhões em nome de um sistema. E no meio disto tudo todos nós temos certezas sobre como é que as coisas foram, são e como é que elas deveriam ser.
A acrescentar à Tolerância temos ainda a Prudência. Não dar passos apressados sem diminuirmos a incerteza ao mínimo possível. Possível porque se tentarmos que a incerteza seja zero nunca iremos chegar a lado nenhum.
Prudentes nas decisões que nos envolvem a todos mas arrojados nas possibilidades individuais.
E isto é o melhor que existe no mundo. É que se o Princípio da Refutabilidade nos diz que tudo o que sabemos pode estar errado, também nos diz que tudo o que não sabemos é, por exclusão de partes, possível. O limite da nossa evolução será sempre a nossa própria imaginação. Deveremos manter sempre todas as nossas possibilidades em aberto. Devemos acreditar, acima de tudo, em nós próprios e nas nossas capacidades. É que estas podem ser verificadas pela acção.
Esta é a única excepção ao Princípio da Refutabilidade: Aquilo que depende única e exclusivamente de nós. As nossas capacidades só podem ser verificadas pela experimentação dos nossos limites. Pela primeira coisa que não fomos, efectivamente capazes de fazer. E nada nos garante que, mesmo esta, não a possamos vir a ser capaz de fazer no futuro.
E isto abre-nos as portas do universo. Porque sabemos muito menos do que poderemos vir a saber.
De facto, temos ainda muito que andar. Ainda temos muito que nos enganar. Ainda temos muito que sonhar. A verdade é que depois de toda a evolução que experienciámos somos forçados a voltar ao início. Como Sócrates disse, só sabemos que nada sabemos.
É a certeza da incerteza. É o dogma do desconhecimento. Para o bom e para o mau. No melhor e no pior.
Argumento. Tenho a mais profunda certeza que no planeta Terra não existe um único dragão que deite fogo pelo nariz e que coma criancinhas ao pequeno almoço. Provem lá que isto é verdade. Difícil.
Outro argumento. No futuro iremos todos juntos explorar o espaço e conquistar conhecimentos fantásticos, inimagináveis e maravilhosos. Provem lá que isto é mentira. Fico à espera.
A verdade é que aquilo que nos sobra é o facto de vivermos no incerto, no misterioso. E como Einstein disse, “não há nada mais belo no mundo do que o misterioso”...
TEORIA DA RESPIRAÇÃO
por VM
O que raio se passa com os homens? Serão geneticamente incapazes de não fazer barulho a respirar quando dormem? Daqui a umas 5 horas a Matilde acorda de vez e não admite sonecas em serviço. Eu sei, já tentei...levei com um telefone de brincar na cabeça e como só isso não resultou, espetou-me os dedos nos olhos. Tento fechar os olhos e o que é que acontece?... O desgraçado do assobio, o ressonar que nem se assume como ressonar, é que nem ritmado é!! Assim não há condições... Até o Dax, quando não está nas sessões de higiene nocturnas (também muito silenciosas, diga-se) está de motor a trabalhar e como se não bastasse, arrasta a sua mantinha p’ra dormir mesmo à porta do meu quarto. Resultado: som estéreo. Padrão observado: são ambos machos. E depois admiram-se que as mulheres sejam mais propensas a depressões... Pois é meus amigos...p’la alminha das vossas mães, custa muito fechar a boca a dormir? Isto cheira-me a conspiração da indústria farmacêutica p’ra vender sonoríferos e cremes para as olheiras...claro (!)agora faz tudo sentido. No recenseamento militar, ou recrutamento ou sei lá como se chama, está um delegado de informação médica a aliciar com subornos vitalícios todos os passíveis usurpadores de sono alheio... isto tudo nas boas graças do ministério da defesa, com certeza de conluio mediante uma contribuição choruda, tipo, “toma lá um submarino e se mais de 30% dos recrutas sofrer de sinusite até pomos uns sonarezitos extra, tem é Bayer escrito na escotilha, mas a cavalo dado...”. Ah! Pensavam que escapavam mas não contavam com a astúcia de quem se vê obrigada a considerar todas as possibilidades a altas horas da madrugada. Fica o aviso. Eu sei. O Mundo irá saber. Quando a vocês, assobiadores da meia-noite, tssss.... que vergonha! Francamente!
por VM
O que raio se passa com os homens? Serão geneticamente incapazes de não fazer barulho a respirar quando dormem? Daqui a umas 5 horas a Matilde acorda de vez e não admite sonecas em serviço. Eu sei, já tentei...levei com um telefone de brincar na cabeça e como só isso não resultou, espetou-me os dedos nos olhos. Tento fechar os olhos e o que é que acontece?... O desgraçado do assobio, o ressonar que nem se assume como ressonar, é que nem ritmado é!! Assim não há condições... Até o Dax, quando não está nas sessões de higiene nocturnas (também muito silenciosas, diga-se) está de motor a trabalhar e como se não bastasse, arrasta a sua mantinha p’ra dormir mesmo à porta do meu quarto. Resultado: som estéreo. Padrão observado: são ambos machos. E depois admiram-se que as mulheres sejam mais propensas a depressões... Pois é meus amigos...p’la alminha das vossas mães, custa muito fechar a boca a dormir? Isto cheira-me a conspiração da indústria farmacêutica p’ra vender sonoríferos e cremes para as olheiras...claro (!)agora faz tudo sentido. No recenseamento militar, ou recrutamento ou sei lá como se chama, está um delegado de informação médica a aliciar com subornos vitalícios todos os passíveis usurpadores de sono alheio... isto tudo nas boas graças do ministério da defesa, com certeza de conluio mediante uma contribuição choruda, tipo, “toma lá um submarino e se mais de 30% dos recrutas sofrer de sinusite até pomos uns sonarezitos extra, tem é Bayer escrito na escotilha, mas a cavalo dado...”. Ah! Pensavam que escapavam mas não contavam com a astúcia de quem se vê obrigada a considerar todas as possibilidades a altas horas da madrugada. Fica o aviso. Eu sei. O Mundo irá saber. Quando a vocês, assobiadores da meia-noite, tssss.... que vergonha! Francamente!
quarta-feira, 12 de novembro de 2003
IRREALIDADES FACTUAIS
Há uma coisa que me parece evidente ao analisarmos brevemente a forma como a nossa sociedade funciona: Há uma grande preocupação com o parecer, muito mais do que com o ser.
E é que é mesmo assim. Se somos gordos, mais do que fazer dieta preocupamo-nos em parecer magros; se temos um nariz grande demais, corta-se um bocado; se não fomos à neve, vai-se para o solário
que grande bronze
compra-se o carro que se viu a estrela A ou B a conduzir na TV, provavelmente patrocinados pela empresa que vende o automóvel; pinta-se o cabelo para se ser louro porque eles e elas gostam é dos louros
já agora, porque é que não põem as sobrancelhas a condizer?
o pobre quer parecer rico e o rico quer parecer ainda mais rico; o feio sofre porque não é bonito, o bonito sofre porque o lindo é mais bonito que o bonito; as modelos ganham milhões para passar fome, obrigando aquelas que não ganham milhões e por isso não conseguem passar fome,
mas tentam
a sofrimento atroz porque, como diria Molière, “a grande ambição das mulheres é inspirar o amor”
talvez fosse
os hambúrgueres que vemos com ar tão apetitoso na televisão a anunciar uma qualquer marca de hambúrgueres, são feitos de plástico e envernizados
que delícia
os cães e os gatos que correm para aquela deliciosa refeição de ração, passaram dois dias sem comer
que agradável
aqueles senhores e senhoras que vão para aqueles programas das vidas reais
é o que diz o título
são actores contratados deliberadamente para enganar as pessoas; aquela agenda grátis que vem com o próximo número da revista não é grátis; já toda a gente deveria saber que não serve de nada deixar crescer o cabelo de lado e depois penteá-lo para o meio como se cabelo fosse coisa que não falta, e desculpem lá, mas acham mesmo que a Lili é uma mulher bonita?
A questão que permanece é, portanto, a seguinte: Porquê?
Porquê esta obsessão com o parecer? Quer dizer, vamos ser honestos. Não há problema nenhum em querer parecer bem. Até pelo contrário. Agora há problema é quando isso é feito à custa do ser. Quando abdicamos de partes de nós para parecermos algo que, se calhar, não tem rigorosamente nada a haver connosco.
E aqui é que está o cerne da questão. O ser é algo que vem de dentro. É um legado genético e espiritual. Tem essência. É real. É a nossa contribuição para todos os outros seres, ou seja, para a sociedade. Já o parecer é, supostamente, o reflexo do ser nos outros. É uma imagem. É uma ideia que os outros formam de nós. E esta imagem pode ser real ou virtual.
Nós vivemos em sociedade e, como tal, temos de nos forçar a conviver uns com os outros. É, por isso mesmo, salutar que tentemos adaptar o nosso ser aos outros. Que nos habituemos ao facto de que não estamos sós e que temos de, muitas vezes, de parecer algo que não somos. É uma contingência social. Mas há um limite. Uma coisa é adaptarmo-nos, outra é transformarmo-nos.
A evolução humana fez-se de alterações, mutações mas, principalmente, de adaptações. Quando nos adaptamos uns aos outros fortalecemos os nossos laços, incrementamos aquilo que nos une. Que nos une na diversidade. Saímos todos mais fortes. Quando nos transformamos perdemos algo. E analisando o que se passa hoje no mundo, aquilo que perdemos é a nossa originalidade. Todos queremos ser ricos, famosos, ir aos mesmos restaurantes, comer as mesmas coisas, ter os mesmos penteados e vestir as mesmas roupas. E quando não conseguimos ser, tentamos parecer.
E aqui é que está a diferença. Adaptarmo-nos à sociedade não é copiarmos aquilo que vemos na televisão. Isso é abdicarmos da nossa originalidade. É perdermos aquilo que nos distingue.
Como eu dizia, o parecer é a forma como os outros nos vêem. É aquilo que dizemos antes de abrirmos a boca. E, hoje em dia, o parecer está cada vez mais longe do ser. Parece que todos nós temos uma pequena máscara que nos confunde com a multidão e que impede os outros de verem aquilo que verdadeiramente somos. Ou então se somos críticos a esta crescente massificação, extremamos as nossas diferenças para vincar bem a todos que somos diferentes. E aí perdemos aquilo que nos une. Somos marginalizados. Ou marginalizamo-nos.
A evolução faz-se acima de tudo de comunicação. E por menos que queiramos o parecer continua a ser a nossa melhor forma de comunicação social. E isso é que importa. A evolução da Humanidade faz-se com aquilo que aprendemos uns com os outros, com os estímulos que transmitimos à comunidade e com as ideias que esta nos transmite a nós e que achamos boas e queremos utilizar também. É a comunicação social na verdadeira acepção da palavra. A comunicação interna da comunidade, da sociedade. E se nós desejamos que a evolução da comunidade seja saudável, seja para melhor e que nos transforme em melhores pessoas, então essa comunicação social deverá ser o mais honesta possível. A discussão que nela se passa deverá ser em torno dos reais problemas que nós
todos
encontramos, enquanto comunidade.
E isto é importante. Se o meu problema for um e eu me preocupar com tudo o resto menos com o meu problema, nunca o irei resolver. Como a evolução se faz de adaptação e a adaptação se faz de resolução de problemas, quem não resolve os seus problemas não evolui.
Isto quer dizer que nós enquanto comunidade deveríamos discutir aquelas coisas que podem influenciar a comunidade para bem ou para mal. Deveríamos tentar resolver os seus problemas. Mas não.
eu resolvo os meus problemas
Aquilo que fazemos é, principalmente, concentrarmo-nos no acessório e esquecer o principal, o essencial.
evolução é este pequeno espaço de tempo em que eu cresço
Mas isto traz ainda um outro problema. E é aquilo de que estava a falar antes. Se nós privilegiamos o parecer em detrimento do ser, só há uma conclusão possível: Passamos a vida a tentar resolver aquilo que PARECE um problema e não aquilo que É um problema. E isso é mandar tiros ao lado. E quem manda tiros ao lado acerta onde não devia. Cria novos problemas.
E isto é que é aquilo que nos deve preocupar. Porque isto É um problema. Nós ao nos alienarmos da realidade da vida, ao a transformarmos na vida virtual que gostaríamos de ter, transportamos a irrealidade para o campo dos factos. Quer isto dizer que desejamos uma realidade virtual e que, inadvertidamente, a transformamos numa irrealidade factual.
E com isto esquecemo-nos daquilo que é realmente importante, ou seja, daquilo que somos, daquilo que fomos e que aquilo que gostaríamos de ser agora será sempre muito menos do que aquilo que poderemos vir a ser no futuro.
Há uma coisa que me parece evidente ao analisarmos brevemente a forma como a nossa sociedade funciona: Há uma grande preocupação com o parecer, muito mais do que com o ser.
E é que é mesmo assim. Se somos gordos, mais do que fazer dieta preocupamo-nos em parecer magros; se temos um nariz grande demais, corta-se um bocado; se não fomos à neve, vai-se para o solário
que grande bronze
compra-se o carro que se viu a estrela A ou B a conduzir na TV, provavelmente patrocinados pela empresa que vende o automóvel; pinta-se o cabelo para se ser louro porque eles e elas gostam é dos louros
já agora, porque é que não põem as sobrancelhas a condizer?
o pobre quer parecer rico e o rico quer parecer ainda mais rico; o feio sofre porque não é bonito, o bonito sofre porque o lindo é mais bonito que o bonito; as modelos ganham milhões para passar fome, obrigando aquelas que não ganham milhões e por isso não conseguem passar fome,
mas tentam
a sofrimento atroz porque, como diria Molière, “a grande ambição das mulheres é inspirar o amor”
talvez fosse
os hambúrgueres que vemos com ar tão apetitoso na televisão a anunciar uma qualquer marca de hambúrgueres, são feitos de plástico e envernizados
que delícia
os cães e os gatos que correm para aquela deliciosa refeição de ração, passaram dois dias sem comer
que agradável
aqueles senhores e senhoras que vão para aqueles programas das vidas reais
é o que diz o título
são actores contratados deliberadamente para enganar as pessoas; aquela agenda grátis que vem com o próximo número da revista não é grátis; já toda a gente deveria saber que não serve de nada deixar crescer o cabelo de lado e depois penteá-lo para o meio como se cabelo fosse coisa que não falta, e desculpem lá, mas acham mesmo que a Lili é uma mulher bonita?
A questão que permanece é, portanto, a seguinte: Porquê?
Porquê esta obsessão com o parecer? Quer dizer, vamos ser honestos. Não há problema nenhum em querer parecer bem. Até pelo contrário. Agora há problema é quando isso é feito à custa do ser. Quando abdicamos de partes de nós para parecermos algo que, se calhar, não tem rigorosamente nada a haver connosco.
E aqui é que está o cerne da questão. O ser é algo que vem de dentro. É um legado genético e espiritual. Tem essência. É real. É a nossa contribuição para todos os outros seres, ou seja, para a sociedade. Já o parecer é, supostamente, o reflexo do ser nos outros. É uma imagem. É uma ideia que os outros formam de nós. E esta imagem pode ser real ou virtual.
Nós vivemos em sociedade e, como tal, temos de nos forçar a conviver uns com os outros. É, por isso mesmo, salutar que tentemos adaptar o nosso ser aos outros. Que nos habituemos ao facto de que não estamos sós e que temos de, muitas vezes, de parecer algo que não somos. É uma contingência social. Mas há um limite. Uma coisa é adaptarmo-nos, outra é transformarmo-nos.
A evolução humana fez-se de alterações, mutações mas, principalmente, de adaptações. Quando nos adaptamos uns aos outros fortalecemos os nossos laços, incrementamos aquilo que nos une. Que nos une na diversidade. Saímos todos mais fortes. Quando nos transformamos perdemos algo. E analisando o que se passa hoje no mundo, aquilo que perdemos é a nossa originalidade. Todos queremos ser ricos, famosos, ir aos mesmos restaurantes, comer as mesmas coisas, ter os mesmos penteados e vestir as mesmas roupas. E quando não conseguimos ser, tentamos parecer.
E aqui é que está a diferença. Adaptarmo-nos à sociedade não é copiarmos aquilo que vemos na televisão. Isso é abdicarmos da nossa originalidade. É perdermos aquilo que nos distingue.
Como eu dizia, o parecer é a forma como os outros nos vêem. É aquilo que dizemos antes de abrirmos a boca. E, hoje em dia, o parecer está cada vez mais longe do ser. Parece que todos nós temos uma pequena máscara que nos confunde com a multidão e que impede os outros de verem aquilo que verdadeiramente somos. Ou então se somos críticos a esta crescente massificação, extremamos as nossas diferenças para vincar bem a todos que somos diferentes. E aí perdemos aquilo que nos une. Somos marginalizados. Ou marginalizamo-nos.
A evolução faz-se acima de tudo de comunicação. E por menos que queiramos o parecer continua a ser a nossa melhor forma de comunicação social. E isso é que importa. A evolução da Humanidade faz-se com aquilo que aprendemos uns com os outros, com os estímulos que transmitimos à comunidade e com as ideias que esta nos transmite a nós e que achamos boas e queremos utilizar também. É a comunicação social na verdadeira acepção da palavra. A comunicação interna da comunidade, da sociedade. E se nós desejamos que a evolução da comunidade seja saudável, seja para melhor e que nos transforme em melhores pessoas, então essa comunicação social deverá ser o mais honesta possível. A discussão que nela se passa deverá ser em torno dos reais problemas que nós
todos
encontramos, enquanto comunidade.
E isto é importante. Se o meu problema for um e eu me preocupar com tudo o resto menos com o meu problema, nunca o irei resolver. Como a evolução se faz de adaptação e a adaptação se faz de resolução de problemas, quem não resolve os seus problemas não evolui.
Isto quer dizer que nós enquanto comunidade deveríamos discutir aquelas coisas que podem influenciar a comunidade para bem ou para mal. Deveríamos tentar resolver os seus problemas. Mas não.
eu resolvo os meus problemas
Aquilo que fazemos é, principalmente, concentrarmo-nos no acessório e esquecer o principal, o essencial.
evolução é este pequeno espaço de tempo em que eu cresço
Mas isto traz ainda um outro problema. E é aquilo de que estava a falar antes. Se nós privilegiamos o parecer em detrimento do ser, só há uma conclusão possível: Passamos a vida a tentar resolver aquilo que PARECE um problema e não aquilo que É um problema. E isso é mandar tiros ao lado. E quem manda tiros ao lado acerta onde não devia. Cria novos problemas.
E isto é que é aquilo que nos deve preocupar. Porque isto É um problema. Nós ao nos alienarmos da realidade da vida, ao a transformarmos na vida virtual que gostaríamos de ter, transportamos a irrealidade para o campo dos factos. Quer isto dizer que desejamos uma realidade virtual e que, inadvertidamente, a transformamos numa irrealidade factual.
E com isto esquecemo-nos daquilo que é realmente importante, ou seja, daquilo que somos, daquilo que fomos e que aquilo que gostaríamos de ser agora será sempre muito menos do que aquilo que poderemos vir a ser no futuro.
quarta-feira, 29 de outubro de 2003
PERSPECTIVAS
por VM
Hoje fiz uma coisa que me acostumei a evitar, fui a um centro comercial, em plena hora de ponta- fim de semana. Não tinha realmente escolha, um amigo faz anos amanhã e eu fui lembrada disso ontem. Resultado: aquela porcaria estava a abarrotar de pessoas encarneiradas num consumo ignorante, todas com o seu Visa em punho, na busca do sentido da vida em pequenas compensações. Mal entrei, preparada para pôr a minha cara de aluada (melhor maneira de se imiscuir na tribo dos consumistas, nem muito alegre, nem muito preocupada...simplesmente ausente, como os manequins das montras), tive uma surpresa... o perfume de alguém visitou-me. Era outra pessoa, obviamente, mas o cheiro era tão familiar. Há coisas que nem filmes nem fotografias nos conseguem duplicar, são essas as coisas que realmente nos fazem falta.
A morte é um conceito que não combina com a sociedade de consumo. Praticamente desde que nascemos estamos cientes dela mas parece que 30 anos a pagar uma casa nos tranquiliza, nos hipnotiza, sei lá... Recentemente dei de caras com a morte, ponto a favor: tratamento de choque p’ra por a vida em perspectiva. O que raio andamos aqui a fazer? A cultura do belo, do jovem, do plástico... Somos cada vez mais falsos tanto individualmente como em sociedade. E quando uma pessoa se depara com a impotência perante a morte parece que os filtros cor-de-rosa nos são retirados dos olhos. A morte não é bela e muito menos jovem. Não há maneira de a contornarmos com falsidade. Toca-nos a todos porque um dia nos toca mesmo. E ingénua, tomei tudo isto pela dinâmica de um jogo de computador. Descobri que do lado de cá não se passa de nível com a chave mágica e pontuação bónus. Os momentos marcantes não resultam em alterações drásticas do interface gráfico. Do lado de cá vive-se ao nanossegundo. Não interessa se começa uma guerra ou se morre alguém. Direita ou esquerda, chuva ou sol, pepsi ou coca-cola?
por VM
Hoje fiz uma coisa que me acostumei a evitar, fui a um centro comercial, em plena hora de ponta- fim de semana. Não tinha realmente escolha, um amigo faz anos amanhã e eu fui lembrada disso ontem. Resultado: aquela porcaria estava a abarrotar de pessoas encarneiradas num consumo ignorante, todas com o seu Visa em punho, na busca do sentido da vida em pequenas compensações. Mal entrei, preparada para pôr a minha cara de aluada (melhor maneira de se imiscuir na tribo dos consumistas, nem muito alegre, nem muito preocupada...simplesmente ausente, como os manequins das montras), tive uma surpresa... o perfume de alguém visitou-me. Era outra pessoa, obviamente, mas o cheiro era tão familiar. Há coisas que nem filmes nem fotografias nos conseguem duplicar, são essas as coisas que realmente nos fazem falta.
A morte é um conceito que não combina com a sociedade de consumo. Praticamente desde que nascemos estamos cientes dela mas parece que 30 anos a pagar uma casa nos tranquiliza, nos hipnotiza, sei lá... Recentemente dei de caras com a morte, ponto a favor: tratamento de choque p’ra por a vida em perspectiva. O que raio andamos aqui a fazer? A cultura do belo, do jovem, do plástico... Somos cada vez mais falsos tanto individualmente como em sociedade. E quando uma pessoa se depara com a impotência perante a morte parece que os filtros cor-de-rosa nos são retirados dos olhos. A morte não é bela e muito menos jovem. Não há maneira de a contornarmos com falsidade. Toca-nos a todos porque um dia nos toca mesmo. E ingénua, tomei tudo isto pela dinâmica de um jogo de computador. Descobri que do lado de cá não se passa de nível com a chave mágica e pontuação bónus. Os momentos marcantes não resultam em alterações drásticas do interface gráfico. Do lado de cá vive-se ao nanossegundo. Não interessa se começa uma guerra ou se morre alguém. Direita ou esquerda, chuva ou sol, pepsi ou coca-cola?
OS NORMAIS
Normal, adj. Conforme a norma, a regra, o preceito, a lei.; Exemplar.
Quando eu tinha uns quatro anos perguntaram-me o que é que eu gostaria de ser quando fosse grande,
eu quero ser astronauta
tendo sido precisamente nesse dia que eu percebi que isto de crescer (termo agradável para envelhecer) seria uma inevitabilidade. Um dia eu seria grande. E um dia eu teria de fazer mais qualquer coisa para além das coisas que eu fazia no meu dia a dia. Durante o tempo livre brincaria com os meus masters do universo, durante o tempo onde antes tinha de estar na escola, iria dar umas voltas pelo espaço. Porque não?
Já repararam como os miúdos querem sempre ser heróis?
eu quero ser bombeiro
Para eles não há constrangimentos. Não há dificuldades. É vantagem de se sonhar e não se ter de fazer. Se eu quero ser, eu sou. Eu sonho, logo eu existo.
eu quero ser jogador de futebol
Mas há um momento em que deixamos de querer ser essas profissões que aos nossos olhos de criança parecem ser verdadeiramente extraordinárias.
Onde é que nós perdemos a utopia de seguir os nossos desejos? Qual é o momento em que nós trocamos o desejo de sermos heróis por outra coisa qualquer?
Eu não sei muito bem mas acho que tem alguma coisa a haver com a sociedade. Quando nos viramos para os mais velhos e dizemos que queremos ser bombeiros a resposta é invariavelmente “coitadinho, é tão engraçadinho”, ao passo que se dissermos que queremos ser advogados “ai, já é tão responsável e adulto”. Ora, coitadinho versus adulto... A escolha não é difícil para uma criança de dez anos onde, acima de tudo, aquilo que ela quer ser é adulto.
Ser adulto não é um problema. O problema são os adultos que não seguem os seus sonhos, que não fazem o que gostariam de fazer, que algures pelo caminho desistiram. E acreditem que estes são a maioria
eu quero ser empregado de escritório
Como eu dizia antes, acho que tem a haver com a nossa sociedade. A sociedade pressiona cada um dos seus membros a ir num determinado sentido. E isto é bom ou é mau consoante o sentido que é veiculado. Do meu ponto de vista existem várias formas através das quais a sociedade influencia os seus membros:
A primeira tem a haver com aquelas pessoas que querem verdadeiramente ter uma profissão que lhes agrada mas que não apresenta a melhor remuneração ou status social. Por exemplo, todos aqueles que queriam ser polícias, ou bombeiros, ou qualquer outra coisa mas ao invés dão por si numa qualquer universidade a tentar tirar um curso que não gostam porque os pais lhe disseram que se não tirarem um curso superior não são nada. Já viram? Desequilibramos por completo o mercado do trabalho ao retirarmos de determinados sectores uma série de pessoas que por desejarem ter essa profissão seriam, certamente, excelentes profissionais para os mandar para aqueles cursos que todos aqueles que não sabem o que fazer da vida vão tirar. Depois como há uma data de pessoas a tirar esses cursos, a maioria vai para o desemprego e o resto acaba a fazer algo pelo qual não tem especial apreço, vontade ou talento. É um exemplo de como a sociedade pressiona os seu jovens no caminho errado.
Outra forma tem a haver com aquelas pessoas que nunca chegam a descobrir a sua verdadeira vocação. Não sabem. E não têm a oportunidade de descobrir. E a sociedade não lhes dá a resposta que eles verdadeiramente desejam. Por e simplesmente não chegam a ter a hipótese de tentar ser algo extraordinário. Aqui a sociedade influencia porque se demite das suas obrigações. Influencia por omissão.
No entanto a pior forma como a sociedade pode influenciar é ao limitar os sonhos e os anseios dos seus cidadãos. Bem como os seus comportamentos. E aqui entra um conceito sociológico que caracteriza a forma como a sociedade se movimenta: A curva da normalidade.
Por curva da normalidade podemos entender uma linha imaginária onde quem se encontra abaixo dela são aqueles que têm comportamentos tomados pela maioria; quem se encontra acima dela, tem comportamentos que são tomados por poucas pessoas; não são, portanto, normais. São anormais.
A verdadeira questão que permanece é se, de facto, interessa para alguma coisa, no que à sociedade diz respeito, se os seus cidadãos têm comportamentos normais ou não. No meu ponto de vista não. E até digo mais: Se calhar os comportamentos anormais têm muito mais para ensinar que os comportamentos normais. Isto porque os normais nós já conhecemos. Com os anormais ou olhamos e achamos que não têm interesse ou aprendemos qualquer coisa que não sabíamos.
O que é que isto tem de mal então?
A resposta é que a sociedade pelos seus diferentes canais de comunicação com os indivíduos (família, amigos, canais de comunicação social) leva-nos para a noção de que normal é bom e anormal é mau. Quem tem comportamentos que são considerados excêntricos é ostracizado na escola, é castigado pela família e ignorado pelos media a não ser quando este os junta a todos numa espécie de freak show.
A questão que eu gostaria de colocar é a seguinte: Será que as pessoas verdadeiramente extraordinárias serão normais? Seria Van Gogh um ser normal? Leonardo Da Vinci seria uma pessoa normal?
Eu acho que não. E eu acho que essas pessoas é que são os exemplos. É evidente que não estou a dizer que devemos todos sair para a rua a gritar, a puxar os cabelos e a cortar as orelhas. Isso é loucura. O que eu estou a tentar dizer é que muitos dos impulsos que os indivíduos têm são reprimidos pela pressão social. Pela cultura de massas. Pelo facto de que temos de fazer isto porque toda a gente faz. Afinal de contas, aquilo que eu critico é a transformação da espectacular capacidade de diversidade humana na monótona unidade da normalidade. Deixarmos de ser por termos de parecer.
E eu só vejo uma razão para que a curva da normalidade seja assim tão importante. E é. É mesmo. Só com a curva da normalidade é que se ganha a maior dádiva da sociedade moderna: A previsibilidade dos comportamentos.
Como é que as empresas venderiam se não soubessem à partida que a maior parte das pessoas irá querer esse produto. Só se é normal se se tiver esse produto. Logo, eu se o fabricar vou ter sucesso.
Mas isso não é mau. Permite-nos o desenvolvimento e o crescimento. Tudo bem até aqui. O pior é que a curva da normalidade é nivelada por baixo. E o melhor exemplo disto são os órgãos de comunicação social. Estes, há muito que tomaram a opção de transmitir programas que sejam acessíveis a todos para que possam ter muitas audiências, ao invés de transmitirem programas com real interesse como forma de obrigar as pessoas a melhorarem-se. Se não vejamos: A televisão é a máquina mais poderosa do mundo. Pode instruir, difundir, educar e ensinar o conhecimento do mundo, das gerações, dos cientistas e dos poetas. Mas não. Transmite-nos horas de Os malucos do riso ou do Goucha.
A verdade é que estamos a formar uma sociedade de normais. Os maravilhosos instrumentos que temos ao nosso alcance não nos levam a exceder as nossas normais capacidades e a explorar os nossos talentos, ou seja as nossas capacidades anormais. E aqui é que bate o ponto
eu quero ser anormal
se fossemos todos iguais o que seria de nós?
A beleza está na diferença. Está na particularidade. No que é raro e por isso especial. No que não é normal.
eu quero ser herói
Aquilo que eu verdadeiramente desejo é uma sociedade que potencie as diferenças. Uma curva da normalidade puxada por cima. Que não deixe morrer o nosso sonho de sermos heróis, que nos obrigue a compreender as diferenças dos outros e a aprender com elas porque se não for assim
como poderemos nós evoluir?
o nosso processo evolutivo deixa de se dirigir para o futuro, ou seja para o desconhecido, o melhor, o diferente, para se dirigir para o passado, ou seja para o conhecido, o igual, o normal.
Acima de tudo eu quero uma sociedade de pessoas excelentes, logo uma sociedade de anormais.
Normal, adj. Conforme a norma, a regra, o preceito, a lei.; Exemplar.
Quando eu tinha uns quatro anos perguntaram-me o que é que eu gostaria de ser quando fosse grande,
eu quero ser astronauta
tendo sido precisamente nesse dia que eu percebi que isto de crescer (termo agradável para envelhecer) seria uma inevitabilidade. Um dia eu seria grande. E um dia eu teria de fazer mais qualquer coisa para além das coisas que eu fazia no meu dia a dia. Durante o tempo livre brincaria com os meus masters do universo, durante o tempo onde antes tinha de estar na escola, iria dar umas voltas pelo espaço. Porque não?
Já repararam como os miúdos querem sempre ser heróis?
eu quero ser bombeiro
Para eles não há constrangimentos. Não há dificuldades. É vantagem de se sonhar e não se ter de fazer. Se eu quero ser, eu sou. Eu sonho, logo eu existo.
eu quero ser jogador de futebol
Mas há um momento em que deixamos de querer ser essas profissões que aos nossos olhos de criança parecem ser verdadeiramente extraordinárias.
Onde é que nós perdemos a utopia de seguir os nossos desejos? Qual é o momento em que nós trocamos o desejo de sermos heróis por outra coisa qualquer?
Eu não sei muito bem mas acho que tem alguma coisa a haver com a sociedade. Quando nos viramos para os mais velhos e dizemos que queremos ser bombeiros a resposta é invariavelmente “coitadinho, é tão engraçadinho”, ao passo que se dissermos que queremos ser advogados “ai, já é tão responsável e adulto”. Ora, coitadinho versus adulto... A escolha não é difícil para uma criança de dez anos onde, acima de tudo, aquilo que ela quer ser é adulto.
Ser adulto não é um problema. O problema são os adultos que não seguem os seus sonhos, que não fazem o que gostariam de fazer, que algures pelo caminho desistiram. E acreditem que estes são a maioria
eu quero ser empregado de escritório
Como eu dizia antes, acho que tem a haver com a nossa sociedade. A sociedade pressiona cada um dos seus membros a ir num determinado sentido. E isto é bom ou é mau consoante o sentido que é veiculado. Do meu ponto de vista existem várias formas através das quais a sociedade influencia os seus membros:
A primeira tem a haver com aquelas pessoas que querem verdadeiramente ter uma profissão que lhes agrada mas que não apresenta a melhor remuneração ou status social. Por exemplo, todos aqueles que queriam ser polícias, ou bombeiros, ou qualquer outra coisa mas ao invés dão por si numa qualquer universidade a tentar tirar um curso que não gostam porque os pais lhe disseram que se não tirarem um curso superior não são nada. Já viram? Desequilibramos por completo o mercado do trabalho ao retirarmos de determinados sectores uma série de pessoas que por desejarem ter essa profissão seriam, certamente, excelentes profissionais para os mandar para aqueles cursos que todos aqueles que não sabem o que fazer da vida vão tirar. Depois como há uma data de pessoas a tirar esses cursos, a maioria vai para o desemprego e o resto acaba a fazer algo pelo qual não tem especial apreço, vontade ou talento. É um exemplo de como a sociedade pressiona os seu jovens no caminho errado.
Outra forma tem a haver com aquelas pessoas que nunca chegam a descobrir a sua verdadeira vocação. Não sabem. E não têm a oportunidade de descobrir. E a sociedade não lhes dá a resposta que eles verdadeiramente desejam. Por e simplesmente não chegam a ter a hipótese de tentar ser algo extraordinário. Aqui a sociedade influencia porque se demite das suas obrigações. Influencia por omissão.
No entanto a pior forma como a sociedade pode influenciar é ao limitar os sonhos e os anseios dos seus cidadãos. Bem como os seus comportamentos. E aqui entra um conceito sociológico que caracteriza a forma como a sociedade se movimenta: A curva da normalidade.
Por curva da normalidade podemos entender uma linha imaginária onde quem se encontra abaixo dela são aqueles que têm comportamentos tomados pela maioria; quem se encontra acima dela, tem comportamentos que são tomados por poucas pessoas; não são, portanto, normais. São anormais.
A verdadeira questão que permanece é se, de facto, interessa para alguma coisa, no que à sociedade diz respeito, se os seus cidadãos têm comportamentos normais ou não. No meu ponto de vista não. E até digo mais: Se calhar os comportamentos anormais têm muito mais para ensinar que os comportamentos normais. Isto porque os normais nós já conhecemos. Com os anormais ou olhamos e achamos que não têm interesse ou aprendemos qualquer coisa que não sabíamos.
O que é que isto tem de mal então?
A resposta é que a sociedade pelos seus diferentes canais de comunicação com os indivíduos (família, amigos, canais de comunicação social) leva-nos para a noção de que normal é bom e anormal é mau. Quem tem comportamentos que são considerados excêntricos é ostracizado na escola, é castigado pela família e ignorado pelos media a não ser quando este os junta a todos numa espécie de freak show.
A questão que eu gostaria de colocar é a seguinte: Será que as pessoas verdadeiramente extraordinárias serão normais? Seria Van Gogh um ser normal? Leonardo Da Vinci seria uma pessoa normal?
Eu acho que não. E eu acho que essas pessoas é que são os exemplos. É evidente que não estou a dizer que devemos todos sair para a rua a gritar, a puxar os cabelos e a cortar as orelhas. Isso é loucura. O que eu estou a tentar dizer é que muitos dos impulsos que os indivíduos têm são reprimidos pela pressão social. Pela cultura de massas. Pelo facto de que temos de fazer isto porque toda a gente faz. Afinal de contas, aquilo que eu critico é a transformação da espectacular capacidade de diversidade humana na monótona unidade da normalidade. Deixarmos de ser por termos de parecer.
E eu só vejo uma razão para que a curva da normalidade seja assim tão importante. E é. É mesmo. Só com a curva da normalidade é que se ganha a maior dádiva da sociedade moderna: A previsibilidade dos comportamentos.
Como é que as empresas venderiam se não soubessem à partida que a maior parte das pessoas irá querer esse produto. Só se é normal se se tiver esse produto. Logo, eu se o fabricar vou ter sucesso.
Mas isso não é mau. Permite-nos o desenvolvimento e o crescimento. Tudo bem até aqui. O pior é que a curva da normalidade é nivelada por baixo. E o melhor exemplo disto são os órgãos de comunicação social. Estes, há muito que tomaram a opção de transmitir programas que sejam acessíveis a todos para que possam ter muitas audiências, ao invés de transmitirem programas com real interesse como forma de obrigar as pessoas a melhorarem-se. Se não vejamos: A televisão é a máquina mais poderosa do mundo. Pode instruir, difundir, educar e ensinar o conhecimento do mundo, das gerações, dos cientistas e dos poetas. Mas não. Transmite-nos horas de Os malucos do riso ou do Goucha.
A verdade é que estamos a formar uma sociedade de normais. Os maravilhosos instrumentos que temos ao nosso alcance não nos levam a exceder as nossas normais capacidades e a explorar os nossos talentos, ou seja as nossas capacidades anormais. E aqui é que bate o ponto
eu quero ser anormal
se fossemos todos iguais o que seria de nós?
A beleza está na diferença. Está na particularidade. No que é raro e por isso especial. No que não é normal.
eu quero ser herói
Aquilo que eu verdadeiramente desejo é uma sociedade que potencie as diferenças. Uma curva da normalidade puxada por cima. Que não deixe morrer o nosso sonho de sermos heróis, que nos obrigue a compreender as diferenças dos outros e a aprender com elas porque se não for assim
como poderemos nós evoluir?
o nosso processo evolutivo deixa de se dirigir para o futuro, ou seja para o desconhecido, o melhor, o diferente, para se dirigir para o passado, ou seja para o conhecido, o igual, o normal.
Acima de tudo eu quero uma sociedade de pessoas excelentes, logo uma sociedade de anormais.
quinta-feira, 16 de outubro de 2003
9 MESES E UMA VIDA INTEIRA
por VM
Sou mãe.
Dita a sabedoria popular que as mulheres são mais organizadas, especialmente as mães- autênticas máquinas capazes de fazer mil coisas ao mesmo tempo. Olá, sou o Zé Manel das mães, muito prazer! Sim! Eu sou aquela incapaz de sair de casa em menos de hora e meia, que anda pela rua a semear casaquinhos de malha e bonecos de peluche enquanto tenta ver onde pisa no meio das três mil toneladas de coisas que um pequeníssimo ser hoje em dia não prescinde. Não avisam nos folhetos de planeamento familiar mas deviam: se tem menos de 1m e 60 e/ou a força de um periquito anémico não tenha filhos!
Ainda fico surpreendida com as curvas da minha vida. Os filhos são uma viragem na vida dos filhos de outros. Reparei que a minha mãe tinha vida antes de ser minha mãe...só agora, que também sou mãe de alguém. E no entanto, já não concebo qualquer ideia de vida sem a Matilde (também conhecida como o pequeníssimo ser, possuidor de 3 mil toneladas de coisas). Lá está, nem mais! É mesmo uma viragem na vida. Começa na gravidez, a início é apenas um leve despertar...era a mesma...talvez com uns numerozitos a mais de sutiã, o que, no meu pobre caso, nem era mau de todo. Depois veio a velha máxima “gravidez não é doença”, lembrava-me sempre disso, logo pela manhã, enquanto forçava pela garganta as ampolas de magnésio, as vitaminas, o cálcio e mais sei lá o quê, novamente imprescindíveis ao bom desenvolvimento do pequeníssimo ser...e pensar que as índias lá p’rás Amazonias não tomam ampolas de magnésio! Tsss...que barbaridade!! Lê-se por aí nas revistas da especialidade que a gravidez nos transmite um estado de graça emocional, se com isso querem dizer que tão depressa se chora a ver um episódio do Anjo Selvagem como em seguida explodimos porque pela milionésima vez querem pôr-nos a mão na barriga para “sentir o pontapé”, ok...confirma-se. E num dia perfeitamente igual aos outros, pumba, espinha gelada! Mas o que é que eu ando a fazer?!! Meu Deus, vou ser mãe!! Ah pois...a par da barriga descomunal carrega-se também o peso da responsabilidade. Enterramo-nos em livros tipo “10 passos fáceis para a maternidade” ou “A mãe perfeita”...perda de tempo...mas sempre nos dá a sensação de que estamos a fazer algo para controlar a situação...o que será que lêem as índias lá p’rás Amazónias? Na volta, as entranhas de algum bicho menos sortudo... E para provar que a natureza, ao contrário das mães, é perfeita, eis que chega o nono mês. Não se cabe em lado nenhum, é um trabalhão para se calçar sapatos (geralmente uns bons 3 números acima do habitual) e o magnífico “andar-pinguim” parece ser a única forma do nosso corpo se movimentar- regra geral em idas incessantes à casa de banho. Acaba-se logo o medo, medo de ser mãe, medo do parto, o que for... E então chega o dia D e dentro do dia D chega a hora H e dentro da hora H chega o momento exacto, o nanossegundo preciso em que está mais um pequeníssimo ser entre nós e sentimo-nos o instrumento de um milagre divino. É qualquer coisa épica que nos transforma o olhar. Somos todos filhos de alguém, que no seu nanossegundo preciso, se sentiu um instrumento de um milagre divino. O mundo faz sentido assim. Quantos dedos tem? Pergunta estúpida, mas foi a 1ª coisa que disse na presença da Matilde. E tenho muito orgulho de dizer que tem 20!
por VM
Sou mãe.
Dita a sabedoria popular que as mulheres são mais organizadas, especialmente as mães- autênticas máquinas capazes de fazer mil coisas ao mesmo tempo. Olá, sou o Zé Manel das mães, muito prazer! Sim! Eu sou aquela incapaz de sair de casa em menos de hora e meia, que anda pela rua a semear casaquinhos de malha e bonecos de peluche enquanto tenta ver onde pisa no meio das três mil toneladas de coisas que um pequeníssimo ser hoje em dia não prescinde. Não avisam nos folhetos de planeamento familiar mas deviam: se tem menos de 1m e 60 e/ou a força de um periquito anémico não tenha filhos!
Ainda fico surpreendida com as curvas da minha vida. Os filhos são uma viragem na vida dos filhos de outros. Reparei que a minha mãe tinha vida antes de ser minha mãe...só agora, que também sou mãe de alguém. E no entanto, já não concebo qualquer ideia de vida sem a Matilde (também conhecida como o pequeníssimo ser, possuidor de 3 mil toneladas de coisas). Lá está, nem mais! É mesmo uma viragem na vida. Começa na gravidez, a início é apenas um leve despertar...era a mesma...talvez com uns numerozitos a mais de sutiã, o que, no meu pobre caso, nem era mau de todo. Depois veio a velha máxima “gravidez não é doença”, lembrava-me sempre disso, logo pela manhã, enquanto forçava pela garganta as ampolas de magnésio, as vitaminas, o cálcio e mais sei lá o quê, novamente imprescindíveis ao bom desenvolvimento do pequeníssimo ser...e pensar que as índias lá p’rás Amazonias não tomam ampolas de magnésio! Tsss...que barbaridade!! Lê-se por aí nas revistas da especialidade que a gravidez nos transmite um estado de graça emocional, se com isso querem dizer que tão depressa se chora a ver um episódio do Anjo Selvagem como em seguida explodimos porque pela milionésima vez querem pôr-nos a mão na barriga para “sentir o pontapé”, ok...confirma-se. E num dia perfeitamente igual aos outros, pumba, espinha gelada! Mas o que é que eu ando a fazer?!! Meu Deus, vou ser mãe!! Ah pois...a par da barriga descomunal carrega-se também o peso da responsabilidade. Enterramo-nos em livros tipo “10 passos fáceis para a maternidade” ou “A mãe perfeita”...perda de tempo...mas sempre nos dá a sensação de que estamos a fazer algo para controlar a situação...o que será que lêem as índias lá p’rás Amazónias? Na volta, as entranhas de algum bicho menos sortudo... E para provar que a natureza, ao contrário das mães, é perfeita, eis que chega o nono mês. Não se cabe em lado nenhum, é um trabalhão para se calçar sapatos (geralmente uns bons 3 números acima do habitual) e o magnífico “andar-pinguim” parece ser a única forma do nosso corpo se movimentar- regra geral em idas incessantes à casa de banho. Acaba-se logo o medo, medo de ser mãe, medo do parto, o que for... E então chega o dia D e dentro do dia D chega a hora H e dentro da hora H chega o momento exacto, o nanossegundo preciso em que está mais um pequeníssimo ser entre nós e sentimo-nos o instrumento de um milagre divino. É qualquer coisa épica que nos transforma o olhar. Somos todos filhos de alguém, que no seu nanossegundo preciso, se sentiu um instrumento de um milagre divino. O mundo faz sentido assim. Quantos dedos tem? Pergunta estúpida, mas foi a 1ª coisa que disse na presença da Matilde. E tenho muito orgulho de dizer que tem 20!
terça-feira, 14 de outubro de 2003
UMA QUESTÃO DE LIBERDADES
Já pensaram na quantidade de coisas que nós somos e que, muitas vezes, nem sabemos muito bem o que são? Por exemplo, o que é esta coisa, tão apregoada, de sermos livres?
Alguém me sabe explicar, com toda a certeza, precisão e rigor o que é o conceito de liberdade? Em que consiste? Como se manifesta? Como se aplica na prática?
ser livre é a faculdade de uma pessoa poder expressar os seus sentimentos e ideias sem censura
E não me venham com a conversa de que ser livre é a faculdade de uma pessoa poder expressar os seus sentimentos e ideias sem censura porque isso é uma grande tanga. Todos nós, numa ou outra ocasião, já tivemos de esconder os nossos sentimentos ou as nossas ideias. Quem nunca teve de fazer autênticos fretes a aturar conversas indesejadas? Aqueles telefonemas intermináveis? Ou quem nunca teve um professor ou um patrão a quem, por e simplesmente não reconhecíamos a autoridade para nos dar educação ou ordens? Alguma vez nos virámos para essas pessoas e lhes atirámos à cara a verdade daquilo que sentíamos?
Não podíamos. Quer dizer, poder até podíamos mas não o fizemos. É que uma coisa da qual eu posso ter certeza, é que ser livre não é sinónimo de ser idiota.
ser livre é poder fazer da minha vida o que me apetece
Devo vos dizer que a teoria mais ridícula de todas que eu já ouvi é que ser livre é uma pessoa poder fazer da sua vida aquilo que lhe apetece. Ora se isto fosse verdade eu passava as minhas manhãs a navegar na Internet, as tardes no cinema e as noites nos copos com os amigos. Mas não. Ou vão-me dizer que toda a gente vai de sorriso nos lábios para os seus empregos rejubilando de alegria pelo facto de ir contribuir para o produto interno bruto português?
ah, eu adoro o meu trabalho
pois... mas oito horas por dia, cinco dias por semana, com vinte dias de férias por ano, nem que o trabalho fosse escrever textos para os “pensamentos desblogueados”...
mas se eu não trabalhar não tenho dinheiro
Uma coisa eu garanto. Ser livre não é morrer de fome por isso tem de ser outra coisa. Um conceito que me explique porque é que eu sendo livre me tenho de sujeitar a tanta coisa que me desagrada.
ser livre é poder desfrutar dos prazeres da vida
Mentira! Desfrutar dos prazeres da vida dá colesterol, rugas e barriga. Desfrutar dos prazeres da vida é aquilo que se pode fazer mas só um bocadinho. Desfrutar dos prazeres da vida é para quem pode, não é para quem quer.
Pois é. Isto torna-se complicado. Se somos todos livres porque é que temos tantas restrições?
A conclusão é, então, muito simples: Nós não somos livres. Só que não somos livres porque temos a liberdade de escolher não ser livre. A liberdade enquanto conceito é algo de inatingível. É uma ideia, não é uma experiência. Pensa-se mas não se vê. Imagina-se.
A verdade é que o ser humano abdica da liberdade. Abdica porque tem algo em troca. Deixa de ser livre para viver em sociedade porque esta lhe pode dar coisas que ele sozinho não conseguiria obter.
E aqui reside a questão principal. É um contracto. Todo o ser humano à nascença, sem o saber, faz um contracto com a sociedade humana
eu irei cumprir as vossas regras
absorvendo os nossos princípios e as nossas doutrinas dominantes. Nesse ponto nós não somos livres para escolher. Não temos hipótese. Essa hipótese de escolha, fruto da liberdade inerente à razão humana, aparece-nos mais tarde quando já é tarde de mais. Quando a alternativa é demasiado cara para se pagar. É aí que nos tornamos verdadeiramente adultos, no momento em que aceitamos as regras da sociedade, não por que elas nos sejam impostas
filho tens de fazer o que eu te digo
mas porque simplesmente não estamos dispostos a abdicar de certas coisas que entretanto se tornaram absolutamente fundamentais para nós
aquele carro, aquela casa, aquele electrodoméstico
Na verdade fomos comprados, aceitamos certas regras e certas contingências com as quais, se pensarmos minimamente sobre o mundo que nos rodeia, até poderemos eventualmente discordar
aquela televisão, aquela roupa, aquela playstation
porque, afinal de contas, gostamos do conforto e do comodismo que esta sociedade ocidental nos oferece. “Oferece”. Oferece em troca de algo. Não há almoços grátis.
Então já percebi o que é a liberdade. Liberdade é aquilo que eu não tenho para poder viver em sociedade. Nesta sociedade.
mas não há outra sociedade que crie tanto bem estar quanto a nossa
É verdade. Sem dúvida que o modelo social que a sociedade ocidental apresenta é o melhor e o mais evoluído que alguma vez nós conhecemos.
mas não é perfeito
Tem muitas imperfeições. Tem muito para ser melhorado. Tem muito que evoluir.
Não há nada que me irrite mais do que aquelas pessoas que dizem que, como no filme, “melhor é impossível”. Mais do que isto não há.
Que presunção enorme considerar que um grupo de animais que exploram cerca de quinze por cento da sua capacidade cerebral, partilham 98 por cento de genes com um gorila e que andam por aí há uns curtos milhares de anos já alcançaram o melhor modelo social possível. Isso é mesma coisa do que dizer que no espaço não há mais nada para explorar para além da lua...
Na minha opinião há muito para evoluir. Para mim estamos muito mais próximos do início do que do fim.
E era aqui que eu queria chegar. Ser livre, na verdadeira acepção do conceito, é uma impossibilidade. Mas não podemos deixar de tentar analisar o que é a liberdade do indivíduo enquanto ser social. É efectivamente um contracto. Mas é um contracto que não deve ser imutável. Não deve e não pode. Tudo o que é imutável é contrário à noção de evolução.
Qual é então a definição de liberdade, neste sentido mais restrito? O que é a liberdade do ser humano social?
E, como tudo na vida, a resposta que penso que é a mais correcta é aquela que é mais curta e mais simples: Liberdade é igual a responsabilidade.
Este pequeno princípio, que me foi ensinado na escola, resume tudo. Agora a questão realmente é de que forma se aplica este pequeno princípio na prática.
A sociedade não é mais do que o conjunto de todos os indivíduos que nela estão inseridos. Ou seja, a sociedade é aquilo que nós quisermos que ela seja.
eu não posso mudar o mundo
Ninguém pode mudar o mundo sozinho. Sozinho. Mas nós não estamos sozinhos.
A maior responsabilidade que a liberdade nos dá é sermos críticos e lutarmos por uma sociedade melhor e mais justa do que aquela que nós temos. Foi assim que se construiu a evolução do Homem. Se assim não fosse ainda estaríamos a mandar bruxas para a fogueira.
E a responsabilidade da evolução social é nossa porque a liberdade social também o é. Só quem não é livre é que não pode decidir o seu futuro.
E o que me irrita é que nós para além de abdicarmos da liberdade em sentido lato e geral, começamos também a abdicar da liberdade em sentido restrito. Começamos a deixar de lado o nosso espírito crítico. Deixamos de acreditar que temos força. Sujeitamo-nos. Desistimos.
porquê?
Porque estamos acomodados. Porque acreditamos que assim é que as coisas são. Porque não há nada a fazer.
A maior liberdade que nós temos ninguém, em lado nenhum, em tempo algum e em circunstância alguma nos pode tirar: A capacidade de sonhar.
E, meus amigos, hoje, as pessoas estão a deixar de sonhar. Sonham com coisas para si próprias mas esquecem-se de sonhar para o colectivo. Somos individualistas. Ou seja voltámos ao início. Voltámos, tal como quando éramos verdadeiramente livres, a preocuparmo-nos apenas com aquilo que nos interessa enquanto indivíduo. O que significa que, além de abdicarmos ( e bem) da nossa liberdade em sentido lato, abdicámos também, pelo caminho, da nossa capacidade de mudar o colectivo. Estamos, portanto, a abdicar de ter um mundo melhor. Estamos a fugir às nossas responsabilidades. Logo, estamos a abdicar da nossa liberdade em sentido restrito.
O facto de termos de ser educados com as pessoas, de respeitarmos as hierarquias, de assumirmos sacrifícios ou de termos de ter cuidado com a nossa saúde atesta os limites da nossa liberdade. E isso é bom.
O facto de desistirmos de participar na construção de um colectivo melhor, de não nos atrevermos a ir para além do que nos dizem que é possível, de só olharmos para o nosso umbigo atesta o fim da nossa liberdade. E isso é mau.
Já pensaram na quantidade de coisas que nós somos e que, muitas vezes, nem sabemos muito bem o que são? Por exemplo, o que é esta coisa, tão apregoada, de sermos livres?
Alguém me sabe explicar, com toda a certeza, precisão e rigor o que é o conceito de liberdade? Em que consiste? Como se manifesta? Como se aplica na prática?
ser livre é a faculdade de uma pessoa poder expressar os seus sentimentos e ideias sem censura
E não me venham com a conversa de que ser livre é a faculdade de uma pessoa poder expressar os seus sentimentos e ideias sem censura porque isso é uma grande tanga. Todos nós, numa ou outra ocasião, já tivemos de esconder os nossos sentimentos ou as nossas ideias. Quem nunca teve de fazer autênticos fretes a aturar conversas indesejadas? Aqueles telefonemas intermináveis? Ou quem nunca teve um professor ou um patrão a quem, por e simplesmente não reconhecíamos a autoridade para nos dar educação ou ordens? Alguma vez nos virámos para essas pessoas e lhes atirámos à cara a verdade daquilo que sentíamos?
Não podíamos. Quer dizer, poder até podíamos mas não o fizemos. É que uma coisa da qual eu posso ter certeza, é que ser livre não é sinónimo de ser idiota.
ser livre é poder fazer da minha vida o que me apetece
Devo vos dizer que a teoria mais ridícula de todas que eu já ouvi é que ser livre é uma pessoa poder fazer da sua vida aquilo que lhe apetece. Ora se isto fosse verdade eu passava as minhas manhãs a navegar na Internet, as tardes no cinema e as noites nos copos com os amigos. Mas não. Ou vão-me dizer que toda a gente vai de sorriso nos lábios para os seus empregos rejubilando de alegria pelo facto de ir contribuir para o produto interno bruto português?
ah, eu adoro o meu trabalho
pois... mas oito horas por dia, cinco dias por semana, com vinte dias de férias por ano, nem que o trabalho fosse escrever textos para os “pensamentos desblogueados”...
mas se eu não trabalhar não tenho dinheiro
Uma coisa eu garanto. Ser livre não é morrer de fome por isso tem de ser outra coisa. Um conceito que me explique porque é que eu sendo livre me tenho de sujeitar a tanta coisa que me desagrada.
ser livre é poder desfrutar dos prazeres da vida
Mentira! Desfrutar dos prazeres da vida dá colesterol, rugas e barriga. Desfrutar dos prazeres da vida é aquilo que se pode fazer mas só um bocadinho. Desfrutar dos prazeres da vida é para quem pode, não é para quem quer.
Pois é. Isto torna-se complicado. Se somos todos livres porque é que temos tantas restrições?
A conclusão é, então, muito simples: Nós não somos livres. Só que não somos livres porque temos a liberdade de escolher não ser livre. A liberdade enquanto conceito é algo de inatingível. É uma ideia, não é uma experiência. Pensa-se mas não se vê. Imagina-se.
A verdade é que o ser humano abdica da liberdade. Abdica porque tem algo em troca. Deixa de ser livre para viver em sociedade porque esta lhe pode dar coisas que ele sozinho não conseguiria obter.
E aqui reside a questão principal. É um contracto. Todo o ser humano à nascença, sem o saber, faz um contracto com a sociedade humana
eu irei cumprir as vossas regras
absorvendo os nossos princípios e as nossas doutrinas dominantes. Nesse ponto nós não somos livres para escolher. Não temos hipótese. Essa hipótese de escolha, fruto da liberdade inerente à razão humana, aparece-nos mais tarde quando já é tarde de mais. Quando a alternativa é demasiado cara para se pagar. É aí que nos tornamos verdadeiramente adultos, no momento em que aceitamos as regras da sociedade, não por que elas nos sejam impostas
filho tens de fazer o que eu te digo
mas porque simplesmente não estamos dispostos a abdicar de certas coisas que entretanto se tornaram absolutamente fundamentais para nós
aquele carro, aquela casa, aquele electrodoméstico
Na verdade fomos comprados, aceitamos certas regras e certas contingências com as quais, se pensarmos minimamente sobre o mundo que nos rodeia, até poderemos eventualmente discordar
aquela televisão, aquela roupa, aquela playstation
porque, afinal de contas, gostamos do conforto e do comodismo que esta sociedade ocidental nos oferece. “Oferece”. Oferece em troca de algo. Não há almoços grátis.
Então já percebi o que é a liberdade. Liberdade é aquilo que eu não tenho para poder viver em sociedade. Nesta sociedade.
mas não há outra sociedade que crie tanto bem estar quanto a nossa
É verdade. Sem dúvida que o modelo social que a sociedade ocidental apresenta é o melhor e o mais evoluído que alguma vez nós conhecemos.
mas não é perfeito
Tem muitas imperfeições. Tem muito para ser melhorado. Tem muito que evoluir.
Não há nada que me irrite mais do que aquelas pessoas que dizem que, como no filme, “melhor é impossível”. Mais do que isto não há.
Que presunção enorme considerar que um grupo de animais que exploram cerca de quinze por cento da sua capacidade cerebral, partilham 98 por cento de genes com um gorila e que andam por aí há uns curtos milhares de anos já alcançaram o melhor modelo social possível. Isso é mesma coisa do que dizer que no espaço não há mais nada para explorar para além da lua...
Na minha opinião há muito para evoluir. Para mim estamos muito mais próximos do início do que do fim.
E era aqui que eu queria chegar. Ser livre, na verdadeira acepção do conceito, é uma impossibilidade. Mas não podemos deixar de tentar analisar o que é a liberdade do indivíduo enquanto ser social. É efectivamente um contracto. Mas é um contracto que não deve ser imutável. Não deve e não pode. Tudo o que é imutável é contrário à noção de evolução.
Qual é então a definição de liberdade, neste sentido mais restrito? O que é a liberdade do ser humano social?
E, como tudo na vida, a resposta que penso que é a mais correcta é aquela que é mais curta e mais simples: Liberdade é igual a responsabilidade.
Este pequeno princípio, que me foi ensinado na escola, resume tudo. Agora a questão realmente é de que forma se aplica este pequeno princípio na prática.
A sociedade não é mais do que o conjunto de todos os indivíduos que nela estão inseridos. Ou seja, a sociedade é aquilo que nós quisermos que ela seja.
eu não posso mudar o mundo
Ninguém pode mudar o mundo sozinho. Sozinho. Mas nós não estamos sozinhos.
A maior responsabilidade que a liberdade nos dá é sermos críticos e lutarmos por uma sociedade melhor e mais justa do que aquela que nós temos. Foi assim que se construiu a evolução do Homem. Se assim não fosse ainda estaríamos a mandar bruxas para a fogueira.
E a responsabilidade da evolução social é nossa porque a liberdade social também o é. Só quem não é livre é que não pode decidir o seu futuro.
E o que me irrita é que nós para além de abdicarmos da liberdade em sentido lato e geral, começamos também a abdicar da liberdade em sentido restrito. Começamos a deixar de lado o nosso espírito crítico. Deixamos de acreditar que temos força. Sujeitamo-nos. Desistimos.
porquê?
Porque estamos acomodados. Porque acreditamos que assim é que as coisas são. Porque não há nada a fazer.
A maior liberdade que nós temos ninguém, em lado nenhum, em tempo algum e em circunstância alguma nos pode tirar: A capacidade de sonhar.
E, meus amigos, hoje, as pessoas estão a deixar de sonhar. Sonham com coisas para si próprias mas esquecem-se de sonhar para o colectivo. Somos individualistas. Ou seja voltámos ao início. Voltámos, tal como quando éramos verdadeiramente livres, a preocuparmo-nos apenas com aquilo que nos interessa enquanto indivíduo. O que significa que, além de abdicarmos ( e bem) da nossa liberdade em sentido lato, abdicámos também, pelo caminho, da nossa capacidade de mudar o colectivo. Estamos, portanto, a abdicar de ter um mundo melhor. Estamos a fugir às nossas responsabilidades. Logo, estamos a abdicar da nossa liberdade em sentido restrito.
O facto de termos de ser educados com as pessoas, de respeitarmos as hierarquias, de assumirmos sacrifícios ou de termos de ter cuidado com a nossa saúde atesta os limites da nossa liberdade. E isso é bom.
O facto de desistirmos de participar na construção de um colectivo melhor, de não nos atrevermos a ir para além do que nos dizem que é possível, de só olharmos para o nosso umbigo atesta o fim da nossa liberdade. E isso é mau.
quinta-feira, 9 de outubro de 2003
FELICIDADE SOCRÁTICA
Aqui há uns tempos, andei durante uns tempos muito feliz. Esses tempos, como é próprio do tempo, passaram rápido demais e, tal como numa montanha russa de múltiplos altos e baixos, já não ando tão feliz. Ora porra! Isto chateia-me. E passo a explicar porquê.
Primeiro, que irritante facto da vida é este de que os tempos felizes passam sempre mais rápido que os infelizes? Já repararam, de certeza. Os dias pelos quais ansiamos, que são vividos com a avidez própria do prazer pela vida, esvaem-se em segundos enquanto que aqueles dias cinzentos que quando éramos pequenos só desejávamos que passassem depressa, e só não o fazemos hoje porque o tempo já começa a ser curto, duram semanas. Ora, isto devia ser ao contrário. Mas não é. E nunca há de ser.
E assim, vemo-nos num dilema: Ou se aproveita ao máximo uns segundos ou se desperdiça uma eternidade. Conheço bons exemplos de ambas as situações e, como quase sempre, escolho a virtude socrática do meio termo. Não que fique satisfeito mas o que tem que ser tem, forçosamente, muita força.
Mas, há outra coisa que me irrita ainda mais. É que isto do tempo é uma triste contingência da vida, infelizmente não depende de nós. Agora, alguém me é capaz de explicar porque é que nós, seres humanos, pensantes e bípedes, só percebemos o que temos de bom quando já não o temos? E depois já é tarde demais? E isto já é culpa nossa.
Como eu dizia, aqui há uns tempos andei feliz. Como é que eu hei de explicar? A comida sabia bem, a música era boa, a cama era confortável, o céu era bonito, gostava do gajo do lado de lá do espelho, o meu carro andava bem e até espremer borbulhas era um passatempo agradável... Mas, como tudo na vida, acabou-se. Falta-me o sal, o si, a almofada e a nuvem. O gajo irrita-me, gasto dinheiro demais em gasolina e espremer borbulhas, desculpem lá mas NÃO PODE SER, em circunstância ALGUMA, um passatempo, muito menos um passatempo agradável.
E esta, notória, discrepância no meu modus vivendi serviu para eu acordar, contemplar e tentar compreender o que é isso de ser feliz. E cheguei a uma brilhante conclusão: Não sei. Ou melhor, sei alguma coisa mas não sei tanto quanto gostaria de saber. Sei, por exemplo, tal como a Lili há de saber de certeza, que estar feliz é o contrário de estar infeliz. E também sei que estar infeliz é mau e estar feliz é bom. Sendo assim, será lícito afirmar que todos nós perseguimos a felicidade. A questão é que o fazemos como se esta fosse a bandeira de xadrez da última volta da vida
“e foram felizes para todo o sempre”
devendo, por isso, todo o ser humano correr a toda a brida, esfalfar-se para chegar à meta e depois descansar e ser feliz.
ora, isto normalmente não resulta.
E é isto que está errado. E está errado por duas razões: Primeiro, a felicidade não se alcança, vive-se
se não, pressupõe-se que se é infeliz até a atingir
Segundo, nós não sabemos o percurso da corrida
se aquilo que julgamos saber fosse verdade os ricos eram todos felizes e os pobres infelizes, o que não é, de todo, verdadeiro
Não nos podemos esquecer que a felicidade atinge-se e perde-se todos os dias e várias vezes. Todos dizemos que o dinheiro não traz felicidade mas que ajuda a comprá-la e isso é a maior mentira do mundo. A felicidade move-se de maneiras estranhas demais para ser transaccionada e apanha-nos quando menos esperamos. Ou larga-nos. Nós sabemos (às vezes) quando estamos felizes e, se formos espertos, até sabemos porquê; mas não sabemos quase nunca aquilo que nos vai tornar felizes. Já repararam que as melhores coisas da vida são inesperadas? E que as coisas pelas quais muito ansiámos têm tendência a desiludir?
E é, precisamente desta forma, que cai por terra um dos maiores dogmas humanos. Que nós decidimos o nosso futuro e que escolhemos a nossa própria felicidade. Nós não escolhemos a nossa própria felicidade, na sua plenitude, simplesmente porque não sabemos qual o melhor caminho para a atingir. E se não sabemos qual é o melhor caminho para a atingir, logicamente não devíamos poder decidir o nosso futuro pois quem é que quer escolher um futuro onde não seja feliz?
Não. Isto não pode ser. Não faz sentido.
Ou então... Espera lá. Claro!
A verdade, é que a felicidade manifesta-se, tal como tudo na vida, de diversas maneiras, das quais ressalvo apenas duas: A felicidade da vida que se vive e a felicidade da pessoa que se é.
A felicidade a que eu me referia é a da vida. Dos pequenos prazeres. Dos momentos. É instintiva. Sabe bem mas não se sabe bem porquê. É o sentimento de satisfação, de posicionamento no mundo do animal que existe dentro de todos nós. E é verdade: Esta felicidade não se compra. Não se vende. Deseja-se mas não se alcança. Experimenta-se.
A felicidade de que toda a gente fala é diferente. È uma ideia, logo é racional. É o desejo que nós formulamos para nós próprios. É a nossa capacidade de nos reinventarmos, de nos construirmos,
o que é que tu queres ser quando fores grande?
de decidirmos o que queremos ser, alcançá-lo e saboreá-lo.
Mas esta felicidade também não se compra.
No entanto vende-se. Todos os dias são vendidos milhões de euros de felicidade. Mas parece que esta se esvai pelos buracos do carrinho de compras antes de chegar ao carro.
E isso irrita-me. Irrita-me só conseguir definir o que é a felicidade quando já não a tenho. Irrita-me não saber o que fazer para a ter de volta. Mas acima de tudo, irrita-me haverem uns gajos que conquistam a sua felicidade (ou não?) a venderem às pessoas a ideia de que se tiverem A ou B serão mais felizes.
Uma coisa eu fiquei a saber. Para se ser feliz é preciso ter um pouco das duas felicidades. É preciso gostar da vida e de nós. Uma felicidade sem a outra não é sinónimo de felicidade.
De que me serve ter, ou ser, tudo o que sempre sonhei, se as horas me custam a passar, se estou condenado a viver a tal eternidade de uma vida vazia de momentos.
Por outro lado, até parece interessante o conceito carpe diem de viver o momento de uma forma hedonista. Mas não será isso uma dourada prisão no presente, privando-nos o passado
porque tudo é igual
e o futuro, também
porque não temos objectivos nem sonhos.
A verdade é que a felicidade é a junção destas duas componentes e muito mais. Mas pelo menos destas duas é. Mas, provavelmente, como tudo o que nós não sabemos definir, é muito mais do que nós podemos sonhar.
Mas será que nós temos consciência disto? Será que temos consciência do equilíbrio permanente que deveria existir dentro das nossas vidas? Não será que esquecemos os fins e privilegiamos os meios?
Há uns anos atrás decidiu-se um estereótipo social para se atingir a felicidade. Esse estereótipo englobava (ainda engloba) uma série de produtos que se as pessoas não possuíssem nunca poderiam ser felizes.
Definiram-se, desta forma, os meios para o fim máximo da conquista da felicidade.
O que se passa é que os meios cada vez aumentaram mais, cada vez mais as pessoas se matam para os conseguir, perseguindo uma ideia do que é a felicidade, que não é sua e muitas vezes descobrem (tarde demais) que não é isso que os torna felizes.
Hoje voltámos ao tempo dos faraós. Matamo-nos a acartar pedregulhos, para construir a pirâmide de alguém, na esperança de viver uma segunda vida (reforma) plena de felicidade. A verdade é que quando lá chegamos estamos gastos demais para a gozar.
Mas também temos o inverso. Os contestatários que recusam este modelo e optam por procurar a felicidade no momento. Se todos os momentos da nossa vida forem felizes, temos uma vida feliz. Ou não. Decididamente não. Primeiro porque se fossemos sempre felizes, a monotonia da felicidade faria de nós uns perfeitos infelizes. Segundo porque tal com num jogo de futebol não basta dar toques bonitos com a bola, é preciso marcar golos. E quem vive só no presente nunca marca golos.
Por tudo isto, eu só digo que nem oito nem oitenta. No meio é que está a virtude. Ah, e já agora, não acham que sabemos todos tão pouco sobre a vida para andarmos a dizer uns aos outros quais os melhores caminhos para a felicidade. Até porque aquilo que faz a Lili feliz não é de certeza aquilo que me faz feliz a mim.
Lá está! O método socrático do meio termo... E o da admissão da nossa ignorância.
Aqui há uns tempos, andei durante uns tempos muito feliz. Esses tempos, como é próprio do tempo, passaram rápido demais e, tal como numa montanha russa de múltiplos altos e baixos, já não ando tão feliz. Ora porra! Isto chateia-me. E passo a explicar porquê.
Primeiro, que irritante facto da vida é este de que os tempos felizes passam sempre mais rápido que os infelizes? Já repararam, de certeza. Os dias pelos quais ansiamos, que são vividos com a avidez própria do prazer pela vida, esvaem-se em segundos enquanto que aqueles dias cinzentos que quando éramos pequenos só desejávamos que passassem depressa, e só não o fazemos hoje porque o tempo já começa a ser curto, duram semanas. Ora, isto devia ser ao contrário. Mas não é. E nunca há de ser.
E assim, vemo-nos num dilema: Ou se aproveita ao máximo uns segundos ou se desperdiça uma eternidade. Conheço bons exemplos de ambas as situações e, como quase sempre, escolho a virtude socrática do meio termo. Não que fique satisfeito mas o que tem que ser tem, forçosamente, muita força.
Mas, há outra coisa que me irrita ainda mais. É que isto do tempo é uma triste contingência da vida, infelizmente não depende de nós. Agora, alguém me é capaz de explicar porque é que nós, seres humanos, pensantes e bípedes, só percebemos o que temos de bom quando já não o temos? E depois já é tarde demais? E isto já é culpa nossa.
Como eu dizia, aqui há uns tempos andei feliz. Como é que eu hei de explicar? A comida sabia bem, a música era boa, a cama era confortável, o céu era bonito, gostava do gajo do lado de lá do espelho, o meu carro andava bem e até espremer borbulhas era um passatempo agradável... Mas, como tudo na vida, acabou-se. Falta-me o sal, o si, a almofada e a nuvem. O gajo irrita-me, gasto dinheiro demais em gasolina e espremer borbulhas, desculpem lá mas NÃO PODE SER, em circunstância ALGUMA, um passatempo, muito menos um passatempo agradável.
E esta, notória, discrepância no meu modus vivendi serviu para eu acordar, contemplar e tentar compreender o que é isso de ser feliz. E cheguei a uma brilhante conclusão: Não sei. Ou melhor, sei alguma coisa mas não sei tanto quanto gostaria de saber. Sei, por exemplo, tal como a Lili há de saber de certeza, que estar feliz é o contrário de estar infeliz. E também sei que estar infeliz é mau e estar feliz é bom. Sendo assim, será lícito afirmar que todos nós perseguimos a felicidade. A questão é que o fazemos como se esta fosse a bandeira de xadrez da última volta da vida
“e foram felizes para todo o sempre”
devendo, por isso, todo o ser humano correr a toda a brida, esfalfar-se para chegar à meta e depois descansar e ser feliz.
ora, isto normalmente não resulta.
E é isto que está errado. E está errado por duas razões: Primeiro, a felicidade não se alcança, vive-se
se não, pressupõe-se que se é infeliz até a atingir
Segundo, nós não sabemos o percurso da corrida
se aquilo que julgamos saber fosse verdade os ricos eram todos felizes e os pobres infelizes, o que não é, de todo, verdadeiro
Não nos podemos esquecer que a felicidade atinge-se e perde-se todos os dias e várias vezes. Todos dizemos que o dinheiro não traz felicidade mas que ajuda a comprá-la e isso é a maior mentira do mundo. A felicidade move-se de maneiras estranhas demais para ser transaccionada e apanha-nos quando menos esperamos. Ou larga-nos. Nós sabemos (às vezes) quando estamos felizes e, se formos espertos, até sabemos porquê; mas não sabemos quase nunca aquilo que nos vai tornar felizes. Já repararam que as melhores coisas da vida são inesperadas? E que as coisas pelas quais muito ansiámos têm tendência a desiludir?
E é, precisamente desta forma, que cai por terra um dos maiores dogmas humanos. Que nós decidimos o nosso futuro e que escolhemos a nossa própria felicidade. Nós não escolhemos a nossa própria felicidade, na sua plenitude, simplesmente porque não sabemos qual o melhor caminho para a atingir. E se não sabemos qual é o melhor caminho para a atingir, logicamente não devíamos poder decidir o nosso futuro pois quem é que quer escolher um futuro onde não seja feliz?
Não. Isto não pode ser. Não faz sentido.
Ou então... Espera lá. Claro!
A verdade, é que a felicidade manifesta-se, tal como tudo na vida, de diversas maneiras, das quais ressalvo apenas duas: A felicidade da vida que se vive e a felicidade da pessoa que se é.
A felicidade a que eu me referia é a da vida. Dos pequenos prazeres. Dos momentos. É instintiva. Sabe bem mas não se sabe bem porquê. É o sentimento de satisfação, de posicionamento no mundo do animal que existe dentro de todos nós. E é verdade: Esta felicidade não se compra. Não se vende. Deseja-se mas não se alcança. Experimenta-se.
A felicidade de que toda a gente fala é diferente. È uma ideia, logo é racional. É o desejo que nós formulamos para nós próprios. É a nossa capacidade de nos reinventarmos, de nos construirmos,
o que é que tu queres ser quando fores grande?
de decidirmos o que queremos ser, alcançá-lo e saboreá-lo.
Mas esta felicidade também não se compra.
No entanto vende-se. Todos os dias são vendidos milhões de euros de felicidade. Mas parece que esta se esvai pelos buracos do carrinho de compras antes de chegar ao carro.
E isso irrita-me. Irrita-me só conseguir definir o que é a felicidade quando já não a tenho. Irrita-me não saber o que fazer para a ter de volta. Mas acima de tudo, irrita-me haverem uns gajos que conquistam a sua felicidade (ou não?) a venderem às pessoas a ideia de que se tiverem A ou B serão mais felizes.
Uma coisa eu fiquei a saber. Para se ser feliz é preciso ter um pouco das duas felicidades. É preciso gostar da vida e de nós. Uma felicidade sem a outra não é sinónimo de felicidade.
De que me serve ter, ou ser, tudo o que sempre sonhei, se as horas me custam a passar, se estou condenado a viver a tal eternidade de uma vida vazia de momentos.
Por outro lado, até parece interessante o conceito carpe diem de viver o momento de uma forma hedonista. Mas não será isso uma dourada prisão no presente, privando-nos o passado
porque tudo é igual
e o futuro, também
porque não temos objectivos nem sonhos.
A verdade é que a felicidade é a junção destas duas componentes e muito mais. Mas pelo menos destas duas é. Mas, provavelmente, como tudo o que nós não sabemos definir, é muito mais do que nós podemos sonhar.
Mas será que nós temos consciência disto? Será que temos consciência do equilíbrio permanente que deveria existir dentro das nossas vidas? Não será que esquecemos os fins e privilegiamos os meios?
Há uns anos atrás decidiu-se um estereótipo social para se atingir a felicidade. Esse estereótipo englobava (ainda engloba) uma série de produtos que se as pessoas não possuíssem nunca poderiam ser felizes.
Definiram-se, desta forma, os meios para o fim máximo da conquista da felicidade.
O que se passa é que os meios cada vez aumentaram mais, cada vez mais as pessoas se matam para os conseguir, perseguindo uma ideia do que é a felicidade, que não é sua e muitas vezes descobrem (tarde demais) que não é isso que os torna felizes.
Hoje voltámos ao tempo dos faraós. Matamo-nos a acartar pedregulhos, para construir a pirâmide de alguém, na esperança de viver uma segunda vida (reforma) plena de felicidade. A verdade é que quando lá chegamos estamos gastos demais para a gozar.
Mas também temos o inverso. Os contestatários que recusam este modelo e optam por procurar a felicidade no momento. Se todos os momentos da nossa vida forem felizes, temos uma vida feliz. Ou não. Decididamente não. Primeiro porque se fossemos sempre felizes, a monotonia da felicidade faria de nós uns perfeitos infelizes. Segundo porque tal com num jogo de futebol não basta dar toques bonitos com a bola, é preciso marcar golos. E quem vive só no presente nunca marca golos.
Por tudo isto, eu só digo que nem oito nem oitenta. No meio é que está a virtude. Ah, e já agora, não acham que sabemos todos tão pouco sobre a vida para andarmos a dizer uns aos outros quais os melhores caminhos para a felicidade. Até porque aquilo que faz a Lili feliz não é de certeza aquilo que me faz feliz a mim.
Lá está! O método socrático do meio termo... E o da admissão da nossa ignorância.
FOI ESTA A MENSAGEM QUE LHE MANDEI
“ e de repente lembrei-me : o que é feito da rapariga dos meus sonhos? Um grande beijinho para ti...”
Foi esta a mensagem que eu lhe mandei – disse Zeca em voz alta.
Ele estava sozinho em casa, mãe no trabalho, pai no Alentejo
e ela não respondia
Ecoavam pela casa os sons , tristes se sozinho, alegres se acompanhado, de Nat King Cole. Porquê, perguntava-se ele, porque é que ela não reponde? Várias eram as respostas a esta e a outras perguntas. No entanto nenhuma delas o satisfazia. Tinha de haver uma resposta que simultaneamente lhe dissesse que ela, Inês, gostava dele mas que ao mesmo tempo lhe apresentassem uma razão para que o seu telefone não tocasse o som pré-defenido de chegada de mensagem.
Conhecera-a no verão, rapariga altiva e alegre. Companheira de noites divertidas. Juntara-os a mística, própria do verão, as feromonas quentes da juventude que os unia. Ele praticamente a ela se declarara e ela
o meu namorado está em Madrid
não lhe dera hipótese. Todavia, algo de magnético, enigmático, que nem ele nem ela percebiam, talvez algo de poético, lhes dizia que eles deviam estar juntos. Ele acreditou, ela nem por isso. Ele queria mais mas ela não.
o meu namorado está en Madrid
se não fosse o namorado
Que argumento era este, perguntou-se ele mais tarde, que argumento era este que o fazia achar que a instituição do namoro era uma perfeita estupidez
o teu namorado está em Madrid... e depois?!
mas que ao mesmo tempo o fazia pensar
que sorte a dele
eu é que devia ser o teu namorado! E aí já fazia sentido, o namoro, dois humanos unidos pela força do destino. Juntos pelas circunstâncias do verão. Louco verão – pensava ele – Discotecas, noites perdidas, ou ganhas, dependendo da perspectiva, danças, toques, música que soa a violinos mesmo para quem poucas vezes os escutou.
que sorte a dele
E o amor se transforma em ódio – Filho da mãe, com uma miúda destas e vai sozinho para Madrid?
Mas ela foi-se embora. E ele ficou. Sozinho.
O verão continuou, as noites sucederam-se, as bebedeiras, os amigos, as miúdas na praia... Meses passaram
nunca mais a vais ver – disse-lhe o Rui
sem que ele a visse. Pensando bem, ele tinha sido estúpido o suficiente para ter perdido o número de telefone dela
o meu namorado está em Madrid
Ela não queria nada com ele.
Zeca viu os dias passarem e, gradualmente, a foi esquecendo. Volta não volta lembrava-se mas
o meu namorado está em Madrid
E até apareceram novas conquistas mas o seu íntimo sempre lhe dizia que faltava qualquer coisa. – Não tem aquele je ne sais quois, ou então não temos os mesmos interesses. Zeca afundou-se no trabalho e
tão longe que já vai aquele verão
o dia a dia, monótono, recompensador profissionalmente mas vazio das mais profundas emoções, continuava, célere, impiedoso e, sem desculpas, pequenino.
Zeca era um rapaz de vinte e dois anos dedicado às artes. Queria ser actor mas as oportunidades escasseavam. Acima de tudo dedicava-se, porque tinha de viver, a um trabalho de vendedor numa conceituada empresa de telecomunicações. Filho de pais casados, no entanto beligerantes, cedo metera na cabeça que tinha de singrar no mundo por ele próprio. Se o teatro ou cinema dessem alguma coisa tudo bem mas o importante era garantir que tinha alternativas. Andou durante alguns anos na universidade mas era cara e com um horário extenuante não tinha grande motivação. Nunca soube o que queria fazer da vida até perceber que ser actor lhe permitiria ser tudo. Podia ser carpinteiro, astronauta, médico ou, simplesmente, ele próprio. Era, como ele costumava dizer, mais que um dois em um, um infinito em um.
será que tenho jeito?
Mas até tinha. No entanto o emprego não lhe dava tempo e , como tantos outros, Zeca transformou-se numa pequena peça da gigantesca engrenagem da sociedade moderna.
Trabalhava durante a semana, divertia-se ao fim de semana. A vida até não é assim tão má. E a pouco e pouco ele foi crescendo e percebendo que isto de trabalhar, comer, dormir e, já agora que se é jovem, divertir até era um modo de vida. Feliz? Talvez.
Mas chegou aquela noite. Festejava o aniversário com amigos e amigas, uma delas até bastante – talvez de mais – próxima quando a viu
meu Deus!!!
junto a uma coluna da melhor discoteca de Cascais. Loura, olhos castanhos claros, com uma forte inflexão para o esverdeado, esplendorosa com um top e umas calças apertadas. Era ela. Inês.
Conversaram durante mais de uma hora. Lembras-te disto e daquilo, o que fazes agora, etc...
- Então e Madrid? – Perguntou-lhe ele, numa clara alusão ao patife que tinha lá chegado antes dele.
- Ah isso.. ´tou mais numa de independência – respondeu ela com um ar enigmático.
Ele ouviu sinos, catedrais, resmas de sons. E aguentou-se de pé.
- Independência? Temos de combinar ir sair. Talvez um cinema ou até ir ao teatro... – disse ele com um entusiasmo contagiante.
- Claro, vamos combinar – um sorriso grassava naquela cara, clara e bonita.
Naquele momento, Zeca percebeu o porquê daquele misterioso vazio que o acompanhava nos últimos meses.
Passaram-se dois dias e ele telefonou-lhe – agora não tinha cometido o mesmo erro – pensou ele. Mas ela não podia.
Passaram-se mais dois dias e ele voltou-lhe a telefonar. Mas ela estava cansada.
mas que merda é esta?
Dois dias depois – Hoje há um espectáculo de stand up comedy no Bairro Alto – mas ela não quis ir.
- Ora bolas! – disse ele em voz demasiado alta – Será que ...
já não eram sinos que ele ouvia.
Ela tem o meu número.
Passou-se quase uma semana e nada. Ela não lhe ligou e ele poucas ligações telefónicas vendeu.
- O que se passa? – perguntou-lhe Sandro, o seu supervisor.
- ´Tou em baixo de forma – responde-lhe Zeca secamente.
Mas hoje, sozinho em casa, após ter aberto uma garrafa de vinho, Zeca mandou-lhe uma mensagem:
“ e de repente lembrei-me : o que é feito da rapariga dos meus sonhos? Um grande beijinho para ti...”
Mas ela não respondeu. – Ainda – pensou ele – Ainda não respondeu.
A garrafa de vinho acabou – O jantar até estava porreiro – disse ele entre dentes, cada vez mais sonolento. Que se foda a mensagem, eu até nem gosto dela. Vou mas é para a Austrália. Imagens desconexas de australianas de bikini pululavam alegremente, ou tristemente, pela sua mente. – O que não falta por aí são gajas – dissera-lhe uma vez o Rui, enquanto lhe punha a mão no ombro
esse gajo é que tem razão
“ e de repente lembrei-me : o que é feito da rapariga dos meus sonhos? Um grande beijinho para ti...”
Até estava gira a mensagem...- pensou Zeca, enquanto dava um último gole.
Numa espiral de imagens e sentimentos insana que se afunilava cada vez mais no seu íntimo, Zeca, a pouco e pouco adormecia. Mais para lá do que para cá lembrou-se dela. Pelos vistos não queria nada com ele. Porquê? – perguntava-se ele morbidamente. Adormeceu.
“ e de repente lembrei-me : o que é feito da rapariga dos meus sonhos? Um grande beijinho para ti...”
Foi esta a mensagem que eu lhe mandei – disse Zeca em voz alta.
Ele estava sozinho em casa, mãe no trabalho, pai no Alentejo
e ela não respondia
Ecoavam pela casa os sons , tristes se sozinho, alegres se acompanhado, de Nat King Cole. Porquê, perguntava-se ele, porque é que ela não reponde? Várias eram as respostas a esta e a outras perguntas. No entanto nenhuma delas o satisfazia. Tinha de haver uma resposta que simultaneamente lhe dissesse que ela, Inês, gostava dele mas que ao mesmo tempo lhe apresentassem uma razão para que o seu telefone não tocasse o som pré-defenido de chegada de mensagem.
Conhecera-a no verão, rapariga altiva e alegre. Companheira de noites divertidas. Juntara-os a mística, própria do verão, as feromonas quentes da juventude que os unia. Ele praticamente a ela se declarara e ela
o meu namorado está em Madrid
não lhe dera hipótese. Todavia, algo de magnético, enigmático, que nem ele nem ela percebiam, talvez algo de poético, lhes dizia que eles deviam estar juntos. Ele acreditou, ela nem por isso. Ele queria mais mas ela não.
o meu namorado está en Madrid
se não fosse o namorado
Que argumento era este, perguntou-se ele mais tarde, que argumento era este que o fazia achar que a instituição do namoro era uma perfeita estupidez
o teu namorado está em Madrid... e depois?!
mas que ao mesmo tempo o fazia pensar
que sorte a dele
eu é que devia ser o teu namorado! E aí já fazia sentido, o namoro, dois humanos unidos pela força do destino. Juntos pelas circunstâncias do verão. Louco verão – pensava ele – Discotecas, noites perdidas, ou ganhas, dependendo da perspectiva, danças, toques, música que soa a violinos mesmo para quem poucas vezes os escutou.
que sorte a dele
E o amor se transforma em ódio – Filho da mãe, com uma miúda destas e vai sozinho para Madrid?
Mas ela foi-se embora. E ele ficou. Sozinho.
O verão continuou, as noites sucederam-se, as bebedeiras, os amigos, as miúdas na praia... Meses passaram
nunca mais a vais ver – disse-lhe o Rui
sem que ele a visse. Pensando bem, ele tinha sido estúpido o suficiente para ter perdido o número de telefone dela
o meu namorado está em Madrid
Ela não queria nada com ele.
Zeca viu os dias passarem e, gradualmente, a foi esquecendo. Volta não volta lembrava-se mas
o meu namorado está em Madrid
E até apareceram novas conquistas mas o seu íntimo sempre lhe dizia que faltava qualquer coisa. – Não tem aquele je ne sais quois, ou então não temos os mesmos interesses. Zeca afundou-se no trabalho e
tão longe que já vai aquele verão
o dia a dia, monótono, recompensador profissionalmente mas vazio das mais profundas emoções, continuava, célere, impiedoso e, sem desculpas, pequenino.
Zeca era um rapaz de vinte e dois anos dedicado às artes. Queria ser actor mas as oportunidades escasseavam. Acima de tudo dedicava-se, porque tinha de viver, a um trabalho de vendedor numa conceituada empresa de telecomunicações. Filho de pais casados, no entanto beligerantes, cedo metera na cabeça que tinha de singrar no mundo por ele próprio. Se o teatro ou cinema dessem alguma coisa tudo bem mas o importante era garantir que tinha alternativas. Andou durante alguns anos na universidade mas era cara e com um horário extenuante não tinha grande motivação. Nunca soube o que queria fazer da vida até perceber que ser actor lhe permitiria ser tudo. Podia ser carpinteiro, astronauta, médico ou, simplesmente, ele próprio. Era, como ele costumava dizer, mais que um dois em um, um infinito em um.
será que tenho jeito?
Mas até tinha. No entanto o emprego não lhe dava tempo e , como tantos outros, Zeca transformou-se numa pequena peça da gigantesca engrenagem da sociedade moderna.
Trabalhava durante a semana, divertia-se ao fim de semana. A vida até não é assim tão má. E a pouco e pouco ele foi crescendo e percebendo que isto de trabalhar, comer, dormir e, já agora que se é jovem, divertir até era um modo de vida. Feliz? Talvez.
Mas chegou aquela noite. Festejava o aniversário com amigos e amigas, uma delas até bastante – talvez de mais – próxima quando a viu
meu Deus!!!
junto a uma coluna da melhor discoteca de Cascais. Loura, olhos castanhos claros, com uma forte inflexão para o esverdeado, esplendorosa com um top e umas calças apertadas. Era ela. Inês.
Conversaram durante mais de uma hora. Lembras-te disto e daquilo, o que fazes agora, etc...
- Então e Madrid? – Perguntou-lhe ele, numa clara alusão ao patife que tinha lá chegado antes dele.
- Ah isso.. ´tou mais numa de independência – respondeu ela com um ar enigmático.
Ele ouviu sinos, catedrais, resmas de sons. E aguentou-se de pé.
- Independência? Temos de combinar ir sair. Talvez um cinema ou até ir ao teatro... – disse ele com um entusiasmo contagiante.
- Claro, vamos combinar – um sorriso grassava naquela cara, clara e bonita.
Naquele momento, Zeca percebeu o porquê daquele misterioso vazio que o acompanhava nos últimos meses.
Passaram-se dois dias e ele telefonou-lhe – agora não tinha cometido o mesmo erro – pensou ele. Mas ela não podia.
Passaram-se mais dois dias e ele voltou-lhe a telefonar. Mas ela estava cansada.
mas que merda é esta?
Dois dias depois – Hoje há um espectáculo de stand up comedy no Bairro Alto – mas ela não quis ir.
- Ora bolas! – disse ele em voz demasiado alta – Será que ...
já não eram sinos que ele ouvia.
Ela tem o meu número.
Passou-se quase uma semana e nada. Ela não lhe ligou e ele poucas ligações telefónicas vendeu.
- O que se passa? – perguntou-lhe Sandro, o seu supervisor.
- ´Tou em baixo de forma – responde-lhe Zeca secamente.
Mas hoje, sozinho em casa, após ter aberto uma garrafa de vinho, Zeca mandou-lhe uma mensagem:
“ e de repente lembrei-me : o que é feito da rapariga dos meus sonhos? Um grande beijinho para ti...”
Mas ela não respondeu. – Ainda – pensou ele – Ainda não respondeu.
A garrafa de vinho acabou – O jantar até estava porreiro – disse ele entre dentes, cada vez mais sonolento. Que se foda a mensagem, eu até nem gosto dela. Vou mas é para a Austrália. Imagens desconexas de australianas de bikini pululavam alegremente, ou tristemente, pela sua mente. – O que não falta por aí são gajas – dissera-lhe uma vez o Rui, enquanto lhe punha a mão no ombro
esse gajo é que tem razão
“ e de repente lembrei-me : o que é feito da rapariga dos meus sonhos? Um grande beijinho para ti...”
Até estava gira a mensagem...- pensou Zeca, enquanto dava um último gole.
Numa espiral de imagens e sentimentos insana que se afunilava cada vez mais no seu íntimo, Zeca, a pouco e pouco adormecia. Mais para lá do que para cá lembrou-se dela. Pelos vistos não queria nada com ele. Porquê? – perguntava-se ele morbidamente. Adormeceu.
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