OS NORMAIS
Normal, adj. Conforme a norma, a regra, o preceito, a lei.; Exemplar.
Quando eu tinha uns quatro anos perguntaram-me o que é que eu gostaria de ser quando fosse grande,
eu quero ser astronauta
tendo sido precisamente nesse dia que eu percebi que isto de crescer (termo agradável para envelhecer) seria uma inevitabilidade. Um dia eu seria grande. E um dia eu teria de fazer mais qualquer coisa para além das coisas que eu fazia no meu dia a dia. Durante o tempo livre brincaria com os meus masters do universo, durante o tempo onde antes tinha de estar na escola, iria dar umas voltas pelo espaço. Porque não?
Já repararam como os miúdos querem sempre ser heróis?
eu quero ser bombeiro
Para eles não há constrangimentos. Não há dificuldades. É vantagem de se sonhar e não se ter de fazer. Se eu quero ser, eu sou. Eu sonho, logo eu existo.
eu quero ser jogador de futebol
Mas há um momento em que deixamos de querer ser essas profissões que aos nossos olhos de criança parecem ser verdadeiramente extraordinárias.
Onde é que nós perdemos a utopia de seguir os nossos desejos? Qual é o momento em que nós trocamos o desejo de sermos heróis por outra coisa qualquer?
Eu não sei muito bem mas acho que tem alguma coisa a haver com a sociedade. Quando nos viramos para os mais velhos e dizemos que queremos ser bombeiros a resposta é invariavelmente “coitadinho, é tão engraçadinho”, ao passo que se dissermos que queremos ser advogados “ai, já é tão responsável e adulto”. Ora, coitadinho versus adulto... A escolha não é difícil para uma criança de dez anos onde, acima de tudo, aquilo que ela quer ser é adulto.
Ser adulto não é um problema. O problema são os adultos que não seguem os seus sonhos, que não fazem o que gostariam de fazer, que algures pelo caminho desistiram. E acreditem que estes são a maioria
eu quero ser empregado de escritório
Como eu dizia antes, acho que tem a haver com a nossa sociedade. A sociedade pressiona cada um dos seus membros a ir num determinado sentido. E isto é bom ou é mau consoante o sentido que é veiculado. Do meu ponto de vista existem várias formas através das quais a sociedade influencia os seus membros:
A primeira tem a haver com aquelas pessoas que querem verdadeiramente ter uma profissão que lhes agrada mas que não apresenta a melhor remuneração ou status social. Por exemplo, todos aqueles que queriam ser polícias, ou bombeiros, ou qualquer outra coisa mas ao invés dão por si numa qualquer universidade a tentar tirar um curso que não gostam porque os pais lhe disseram que se não tirarem um curso superior não são nada. Já viram? Desequilibramos por completo o mercado do trabalho ao retirarmos de determinados sectores uma série de pessoas que por desejarem ter essa profissão seriam, certamente, excelentes profissionais para os mandar para aqueles cursos que todos aqueles que não sabem o que fazer da vida vão tirar. Depois como há uma data de pessoas a tirar esses cursos, a maioria vai para o desemprego e o resto acaba a fazer algo pelo qual não tem especial apreço, vontade ou talento. É um exemplo de como a sociedade pressiona os seu jovens no caminho errado.
Outra forma tem a haver com aquelas pessoas que nunca chegam a descobrir a sua verdadeira vocação. Não sabem. E não têm a oportunidade de descobrir. E a sociedade não lhes dá a resposta que eles verdadeiramente desejam. Por e simplesmente não chegam a ter a hipótese de tentar ser algo extraordinário. Aqui a sociedade influencia porque se demite das suas obrigações. Influencia por omissão.
No entanto a pior forma como a sociedade pode influenciar é ao limitar os sonhos e os anseios dos seus cidadãos. Bem como os seus comportamentos. E aqui entra um conceito sociológico que caracteriza a forma como a sociedade se movimenta: A curva da normalidade.
Por curva da normalidade podemos entender uma linha imaginária onde quem se encontra abaixo dela são aqueles que têm comportamentos tomados pela maioria; quem se encontra acima dela, tem comportamentos que são tomados por poucas pessoas; não são, portanto, normais. São anormais.
A verdadeira questão que permanece é se, de facto, interessa para alguma coisa, no que à sociedade diz respeito, se os seus cidadãos têm comportamentos normais ou não. No meu ponto de vista não. E até digo mais: Se calhar os comportamentos anormais têm muito mais para ensinar que os comportamentos normais. Isto porque os normais nós já conhecemos. Com os anormais ou olhamos e achamos que não têm interesse ou aprendemos qualquer coisa que não sabíamos.
O que é que isto tem de mal então?
A resposta é que a sociedade pelos seus diferentes canais de comunicação com os indivíduos (família, amigos, canais de comunicação social) leva-nos para a noção de que normal é bom e anormal é mau. Quem tem comportamentos que são considerados excêntricos é ostracizado na escola, é castigado pela família e ignorado pelos media a não ser quando este os junta a todos numa espécie de freak show.
A questão que eu gostaria de colocar é a seguinte: Será que as pessoas verdadeiramente extraordinárias serão normais? Seria Van Gogh um ser normal? Leonardo Da Vinci seria uma pessoa normal?
Eu acho que não. E eu acho que essas pessoas é que são os exemplos. É evidente que não estou a dizer que devemos todos sair para a rua a gritar, a puxar os cabelos e a cortar as orelhas. Isso é loucura. O que eu estou a tentar dizer é que muitos dos impulsos que os indivíduos têm são reprimidos pela pressão social. Pela cultura de massas. Pelo facto de que temos de fazer isto porque toda a gente faz. Afinal de contas, aquilo que eu critico é a transformação da espectacular capacidade de diversidade humana na monótona unidade da normalidade. Deixarmos de ser por termos de parecer.
E eu só vejo uma razão para que a curva da normalidade seja assim tão importante. E é. É mesmo. Só com a curva da normalidade é que se ganha a maior dádiva da sociedade moderna: A previsibilidade dos comportamentos.
Como é que as empresas venderiam se não soubessem à partida que a maior parte das pessoas irá querer esse produto. Só se é normal se se tiver esse produto. Logo, eu se o fabricar vou ter sucesso.
Mas isso não é mau. Permite-nos o desenvolvimento e o crescimento. Tudo bem até aqui. O pior é que a curva da normalidade é nivelada por baixo. E o melhor exemplo disto são os órgãos de comunicação social. Estes, há muito que tomaram a opção de transmitir programas que sejam acessíveis a todos para que possam ter muitas audiências, ao invés de transmitirem programas com real interesse como forma de obrigar as pessoas a melhorarem-se. Se não vejamos: A televisão é a máquina mais poderosa do mundo. Pode instruir, difundir, educar e ensinar o conhecimento do mundo, das gerações, dos cientistas e dos poetas. Mas não. Transmite-nos horas de Os malucos do riso ou do Goucha.
A verdade é que estamos a formar uma sociedade de normais. Os maravilhosos instrumentos que temos ao nosso alcance não nos levam a exceder as nossas normais capacidades e a explorar os nossos talentos, ou seja as nossas capacidades anormais. E aqui é que bate o ponto
eu quero ser anormal
se fossemos todos iguais o que seria de nós?
A beleza está na diferença. Está na particularidade. No que é raro e por isso especial. No que não é normal.
eu quero ser herói
Aquilo que eu verdadeiramente desejo é uma sociedade que potencie as diferenças. Uma curva da normalidade puxada por cima. Que não deixe morrer o nosso sonho de sermos heróis, que nos obrigue a compreender as diferenças dos outros e a aprender com elas porque se não for assim
como poderemos nós evoluir?
o nosso processo evolutivo deixa de se dirigir para o futuro, ou seja para o desconhecido, o melhor, o diferente, para se dirigir para o passado, ou seja para o conhecido, o igual, o normal.
Acima de tudo eu quero uma sociedade de pessoas excelentes, logo uma sociedade de anormais.
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