FELICIDADE SOCRÁTICA
Aqui há uns tempos, andei durante uns tempos muito feliz. Esses tempos, como é próprio do tempo, passaram rápido demais e, tal como numa montanha russa de múltiplos altos e baixos, já não ando tão feliz. Ora porra! Isto chateia-me. E passo a explicar porquê.
Primeiro, que irritante facto da vida é este de que os tempos felizes passam sempre mais rápido que os infelizes? Já repararam, de certeza. Os dias pelos quais ansiamos, que são vividos com a avidez própria do prazer pela vida, esvaem-se em segundos enquanto que aqueles dias cinzentos que quando éramos pequenos só desejávamos que passassem depressa, e só não o fazemos hoje porque o tempo já começa a ser curto, duram semanas. Ora, isto devia ser ao contrário. Mas não é. E nunca há de ser.
E assim, vemo-nos num dilema: Ou se aproveita ao máximo uns segundos ou se desperdiça uma eternidade. Conheço bons exemplos de ambas as situações e, como quase sempre, escolho a virtude socrática do meio termo. Não que fique satisfeito mas o que tem que ser tem, forçosamente, muita força.
Mas, há outra coisa que me irrita ainda mais. É que isto do tempo é uma triste contingência da vida, infelizmente não depende de nós. Agora, alguém me é capaz de explicar porque é que nós, seres humanos, pensantes e bípedes, só percebemos o que temos de bom quando já não o temos? E depois já é tarde demais? E isto já é culpa nossa.
Como eu dizia, aqui há uns tempos andei feliz. Como é que eu hei de explicar? A comida sabia bem, a música era boa, a cama era confortável, o céu era bonito, gostava do gajo do lado de lá do espelho, o meu carro andava bem e até espremer borbulhas era um passatempo agradável... Mas, como tudo na vida, acabou-se. Falta-me o sal, o si, a almofada e a nuvem. O gajo irrita-me, gasto dinheiro demais em gasolina e espremer borbulhas, desculpem lá mas NÃO PODE SER, em circunstância ALGUMA, um passatempo, muito menos um passatempo agradável.
E esta, notória, discrepância no meu modus vivendi serviu para eu acordar, contemplar e tentar compreender o que é isso de ser feliz. E cheguei a uma brilhante conclusão: Não sei. Ou melhor, sei alguma coisa mas não sei tanto quanto gostaria de saber. Sei, por exemplo, tal como a Lili há de saber de certeza, que estar feliz é o contrário de estar infeliz. E também sei que estar infeliz é mau e estar feliz é bom. Sendo assim, será lícito afirmar que todos nós perseguimos a felicidade. A questão é que o fazemos como se esta fosse a bandeira de xadrez da última volta da vida
“e foram felizes para todo o sempre”
devendo, por isso, todo o ser humano correr a toda a brida, esfalfar-se para chegar à meta e depois descansar e ser feliz.
ora, isto normalmente não resulta.
E é isto que está errado. E está errado por duas razões: Primeiro, a felicidade não se alcança, vive-se
se não, pressupõe-se que se é infeliz até a atingir
Segundo, nós não sabemos o percurso da corrida
se aquilo que julgamos saber fosse verdade os ricos eram todos felizes e os pobres infelizes, o que não é, de todo, verdadeiro
Não nos podemos esquecer que a felicidade atinge-se e perde-se todos os dias e várias vezes. Todos dizemos que o dinheiro não traz felicidade mas que ajuda a comprá-la e isso é a maior mentira do mundo. A felicidade move-se de maneiras estranhas demais para ser transaccionada e apanha-nos quando menos esperamos. Ou larga-nos. Nós sabemos (às vezes) quando estamos felizes e, se formos espertos, até sabemos porquê; mas não sabemos quase nunca aquilo que nos vai tornar felizes. Já repararam que as melhores coisas da vida são inesperadas? E que as coisas pelas quais muito ansiámos têm tendência a desiludir?
E é, precisamente desta forma, que cai por terra um dos maiores dogmas humanos. Que nós decidimos o nosso futuro e que escolhemos a nossa própria felicidade. Nós não escolhemos a nossa própria felicidade, na sua plenitude, simplesmente porque não sabemos qual o melhor caminho para a atingir. E se não sabemos qual é o melhor caminho para a atingir, logicamente não devíamos poder decidir o nosso futuro pois quem é que quer escolher um futuro onde não seja feliz?
Não. Isto não pode ser. Não faz sentido.
Ou então... Espera lá. Claro!
A verdade, é que a felicidade manifesta-se, tal como tudo na vida, de diversas maneiras, das quais ressalvo apenas duas: A felicidade da vida que se vive e a felicidade da pessoa que se é.
A felicidade a que eu me referia é a da vida. Dos pequenos prazeres. Dos momentos. É instintiva. Sabe bem mas não se sabe bem porquê. É o sentimento de satisfação, de posicionamento no mundo do animal que existe dentro de todos nós. E é verdade: Esta felicidade não se compra. Não se vende. Deseja-se mas não se alcança. Experimenta-se.
A felicidade de que toda a gente fala é diferente. È uma ideia, logo é racional. É o desejo que nós formulamos para nós próprios. É a nossa capacidade de nos reinventarmos, de nos construirmos,
o que é que tu queres ser quando fores grande?
de decidirmos o que queremos ser, alcançá-lo e saboreá-lo.
Mas esta felicidade também não se compra.
No entanto vende-se. Todos os dias são vendidos milhões de euros de felicidade. Mas parece que esta se esvai pelos buracos do carrinho de compras antes de chegar ao carro.
E isso irrita-me. Irrita-me só conseguir definir o que é a felicidade quando já não a tenho. Irrita-me não saber o que fazer para a ter de volta. Mas acima de tudo, irrita-me haverem uns gajos que conquistam a sua felicidade (ou não?) a venderem às pessoas a ideia de que se tiverem A ou B serão mais felizes.
Uma coisa eu fiquei a saber. Para se ser feliz é preciso ter um pouco das duas felicidades. É preciso gostar da vida e de nós. Uma felicidade sem a outra não é sinónimo de felicidade.
De que me serve ter, ou ser, tudo o que sempre sonhei, se as horas me custam a passar, se estou condenado a viver a tal eternidade de uma vida vazia de momentos.
Por outro lado, até parece interessante o conceito carpe diem de viver o momento de uma forma hedonista. Mas não será isso uma dourada prisão no presente, privando-nos o passado
porque tudo é igual
e o futuro, também
porque não temos objectivos nem sonhos.
A verdade é que a felicidade é a junção destas duas componentes e muito mais. Mas pelo menos destas duas é. Mas, provavelmente, como tudo o que nós não sabemos definir, é muito mais do que nós podemos sonhar.
Mas será que nós temos consciência disto? Será que temos consciência do equilíbrio permanente que deveria existir dentro das nossas vidas? Não será que esquecemos os fins e privilegiamos os meios?
Há uns anos atrás decidiu-se um estereótipo social para se atingir a felicidade. Esse estereótipo englobava (ainda engloba) uma série de produtos que se as pessoas não possuíssem nunca poderiam ser felizes.
Definiram-se, desta forma, os meios para o fim máximo da conquista da felicidade.
O que se passa é que os meios cada vez aumentaram mais, cada vez mais as pessoas se matam para os conseguir, perseguindo uma ideia do que é a felicidade, que não é sua e muitas vezes descobrem (tarde demais) que não é isso que os torna felizes.
Hoje voltámos ao tempo dos faraós. Matamo-nos a acartar pedregulhos, para construir a pirâmide de alguém, na esperança de viver uma segunda vida (reforma) plena de felicidade. A verdade é que quando lá chegamos estamos gastos demais para a gozar.
Mas também temos o inverso. Os contestatários que recusam este modelo e optam por procurar a felicidade no momento. Se todos os momentos da nossa vida forem felizes, temos uma vida feliz. Ou não. Decididamente não. Primeiro porque se fossemos sempre felizes, a monotonia da felicidade faria de nós uns perfeitos infelizes. Segundo porque tal com num jogo de futebol não basta dar toques bonitos com a bola, é preciso marcar golos. E quem vive só no presente nunca marca golos.
Por tudo isto, eu só digo que nem oito nem oitenta. No meio é que está a virtude. Ah, e já agora, não acham que sabemos todos tão pouco sobre a vida para andarmos a dizer uns aos outros quais os melhores caminhos para a felicidade. Até porque aquilo que faz a Lili feliz não é de certeza aquilo que me faz feliz a mim.
Lá está! O método socrático do meio termo... E o da admissão da nossa ignorância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário