segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
ESTADO, ESSE BRINCALHÃO
Ora, vou eu à caixa do correio ver o que de novo por lá poderia haver para me deparar com dois invólucros mensagem das Finanças. Vi logo que só poderia vir coisa boa dali. Abro a primeira missiva e eis se não quando me deparo com um imposto selo de mais de quatrocentos euros para pagar, olha a maravilha. Vociferei, verberei contra o socialismo estatista e os impostos, contra os esbanjamento politiqueiro e a expropriação indevida da propriedade privada dos cidadãos - neste caso eu próprio - através das contribuições coercivas absolutamente indecentes que nos atazanam a vida e destroem a economia do país. Acalmei-me. Depois, claro, lembrei-me que ainda havia uma segunda carta. Suspirei fundo a antecipar o pior, no entanto, foi tal suspiro infundado porque abri a carta apenas para descobrir que afinal a dívida dos tais quatrocentos euros, por artes mágicas apenas explicadas em legalismo-estatês, era somada a um determinado crédito atribuído por força do valor inicial em dívida ser inferior não sei a o quê e que portanto, ao fim e ao cabo, a minha dívida às Finanças era de exactamente 0,00EUR. E eu respirei fundo e agradeci profundamente ao Estado, esse ser tão generosamente paternalista e protector que até se dá ao trabalho de pregar partidas absolutamente divertidas aos seus contribuintes: que querido, o amável trapaceiro (e todos nós que pagámos as ditas cartas).
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
QUINTA DA CONCEIÇÃO (II)
E no meio da montanha, de onde até os montes a mais de quarenta quilómetros se vêem, ergue-se a Quinta da Conceição. Onde a vista não alcança o fim. Onde os olhos não se cansam de olhar. Onde o espírito se eleva tão alto quanto os seus medronhos.
PELO MEIO
Tentar vislumbrar na coincidência alguma espécie de sinal, é meio caminho andado para a loucura; achar que nada de louco acontece neste mundo, é caminho certo para a infelicidade.
NA CAVERNA
Na alegoria da caverna, Platão alerta-nos para os grilhos que nos forçam a viver no mundo das sombras. A mim parece-me mais que não somos nós tanto os prisioneiros agrilhoados mas somos sim os grilhos que agarram o metafísico à caverna: e as sombras são aquilo que o sempiterno espírito quer ver e toda a razão da nossa existência.
ROMANTISMO E PERFECCIONISMO
O romântico é aquele que segue a emoção independentemente de para onde ela o dirija; o perfeccionista é o que segue um ideal. O romântico pode não ser um perfeccionista mas o perfeccionista é sempre o romântico: haverá maior loucura do que a busca da perfeição? Então no Amor a loucura perfeccionista dando lugar à impossibilidade (o homem imperfeito não pode aspirar à perfeição) oferece-nos a solidão.
DO DESEJO
Como é infinitamente grande a separação entre o que deseja e o que é desejado. É a derradeira prova que razão tinha Anaximandro quando defendia que da unidade harmónica do infinito se separam os mundos dos homens e que estes são infinitos e inúmeros. Talvez seja por isso que os românticos morriam de amor: desistiam do seu mundo miseravelmente separado do mundo de quem amavam e assumiam a necessidade de regressar à eterna harmonia, aquela onde o que deseja e o desejado voltam a ser um só.
DO OPTIMISMO
Toda a esperança que nos inunda não é mais do que a imaginação sobre a forma como os nossos mais profundos desejos se poderão materializar. No confronto com a realidade, sendo esta infinitamente maior do que aquela, sobrará sempre uma de duas coisas: ou a imensa satisfação com a surpresa que nos permite imaginar ainda mais e melhor e persistir na ilusão, ou, na maior parte das vezes, a desilusão sobre a forma como aquilo que não havíamos contemplado nos fez fugir o objecto do nosso desejo: e aí, para nos salvarmos do abismo, aprendemos a imaginarmos ainda mais para continuarmos a ilusão de que vale a pena. Com a desilusão aprendemos; da ilusão nos alimentamos.
REBELDIA E TRADIÇÃO
O grande erro do nosso tempo é pensar que a rebeldia é andar aos pinotes. A rebeldia está no pensamento! Pensar e romper com o que nos é oferecido é, por oposição à mera rejeição da tradição, a derradeira irreverência. Para isso é necessário compreender a tradição e o porquê de cada uma das suas proposições. Só dessa forma nos elevamos: a mera rejeição, a arrogância de acharmos e opinarmos que sabemos mais e melhor do que as gerações que nos antecederam não é apenas desrespeito, é ignorância. Da ignorância vem a violência; da compreensão e elevação advém a evolução: não há maior rebeldia que nos elevarmos, com respeito, em relação a tudo aquilo que antes foi. Ser rebelde é ser-se mais!
MULTIPLICIDADE METAFÍSICA
Mas imaginemos agora que é ao contrário: e que haja então a multiplicidade dos espíritos - como o desejo ardentemente! - e que daí, porque nada poderá fazer parte do mundo de tais espíritos que não seja por eles conhecido, começando na tábua rasa, o espírito recém-nascido, por força da interpretação incorpora tudo o que aprende na sua fantasia. E nada que ele não conheça poderá fazer parte desta pois se ele não conhece, não interpreta e tal coisa não é apreendida pelo espírito. Também aqui o mundo todo (que é do tamanho do que interpretamos) faz parte do espírito pois não podemos ter como mundo nosso algo que não imaginamos sequer vir a conhecer. Então aí tudo seria uma criação da loucura interpretativa, tantos mundos quanto espíritos, sobrando na desilusão da finitude ao menos o consolo - enorme! - de que se a cada um o seu espírito criador, então não estaríamos sós.
BRONCOS, IGNORANTES E POBRES DE ESPÍRITO
Compreender que somos a matéria subjectiva que nos forma e o espírito uno e sempiterno que nos preenche diz-nos duas coisas a propósito dos broncos, ignorantes e pobres de espírito: a primeira é que não têm esses culpa da subjectividade (a tal lotaria de Rawls) que lhes calhou; a segunda é que aquilo que os preenche, alimenta e move é o mesmo que a mim: o eterno. Sendo, em parte todos o mesmo, e não sendo em grande medida responsáveis pela triste sorte criadora, nasce a tolerância. Mas não é fácil porque a matéria é fraca e a irritação para com os idiotas , por vezes, atinge os níveis da insuportabilidade. Pior ainda para com os mal-intencionados.
DESARMONIA
Se é a harmonia a eternidade
e o múltiplo a imperfeição;
se é Deus a unidade
e a matéria a oposição;
que se pode esperar então?
senão a eterna solidão.
Como pode o Um não estar só?
Se a perfeição é a solidão
prefiro, então, a multiplicidade
do caos e da confusão.
A vida, portanto.
e o múltiplo a imperfeição;
se é Deus a unidade
e a matéria a oposição;
que se pode esperar então?
senão a eterna solidão.
Como pode o Um não estar só?
Se a perfeição é a solidão
prefiro, então, a multiplicidade
do caos e da confusão.
A vida, portanto.
A ALMA E OS CORPOS
Falam-nos de espíritos, eles; uns que são assim, outros que são assado. No entanto, talvez fosse mais acertado falar de espírito. É que plurais são os corpos, essa matéria subjectivada na multiplicidade e não há razão nenhuma para entender que dessa subjectivação advenha uma correlação individual com o metafísico onde também este fosse subjectivo. O que será a a identidade então? Porque não a mera junção dessas subjectividades, efémeras e ínfimas, múltiplas e infinitas, com o espírito uno e sempiterno, eterno e imutável, que, por breves instantes, se digna a habitar - criando-as - as tais subjectivas insignificâncias: "God is conscience and we are all God trying to experience its full potential".
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
HUMILDADE
"Ideal e matéria. Tens diante dos olhos um nobre ideal, mas serás tu também uma pedra suficientemente nobre para que de ti se possa esculpir uma tal imagem divina? Aliás, não será todo o teu trabalho a obra de um escultor bárbaro? Uma blasfémia contra o teu ideal?"
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência (1882)
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência (1882)
DO EGOÍSMO
Nietzsche diz-nos que "o egoísmo é a lei da perspectiva aplicada aos sentimentos, segundo a qual o que está próximo parece grande e pesado e, conforme nos afastamos, todas as coisas vão perdendo grandeza e peso". E, de facto, apenas assim se explica a leviandade com que tratamos quem lá ao longe, em continentes exóticos e distantes, todos os dias morre de fome sem nenhuma câmara a mostrar o horrível sofrimento, tal como as lágrimas que se gritam histericamente pelo facebook quando alguma tragédia onde, por força do sensacionalismo mediático, através dos telejornais, nos entram os estropiados pela casa adentro. Ficam próximos, emocionamo-nos e choramos, recolhemos bens e dinheiro, enviamos, deixam de ser notícia, passam a estar longe e, por isso, logo são esquecidos porque novamente pequenos e leves se tornaram com a distância entretanto reconquistada. É esse o poder dos media: escolher com quem não somos egoístas por uns instantes. A mesma lei se aplica aos velhos: ponham-nos numa casa de velhos, que morram lá porque longe da vista, longe do coração. Ou à sociedade: quanto mais individualizada é, menos partilha comunitária há por isso, com a distância, logo passamos indiferentes pelos problemas do outro. Não estamos distantes porque somos egoístas; somos egoístas porque estamos distantes.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
A BATALHA DE ZENIT
As tropas Gloriosas marcham neste momento sobre as estepes geladas da província de Leninegrado. Mais logo, no pântano de São Petersburgo, dar-se-á a primeira batalha pela conquista europeia, conquista pela qual, em nome da vocação universalista portuguesa, o mais excelso e elevado estandarte lusitano - Benfica, o Enorme - pugnará até ao último suor. Força rapazes, a glória vos espera!
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
ECO
Vem a ideia de uma alma,
una, sempiterna e total
que se multiplica na multidão;
sobra a angústia terrível
de que a harmonia do Além
não será mais do que o vazio
daquEle que tudo sendo
não tem mais ninguém.
E assim tudo se explica:
é a solidão dos homens
esse eco imortal
do big bang primordial.
una, sempiterna e total
que se multiplica na multidão;
sobra a angústia terrível
de que a harmonia do Além
não será mais do que o vazio
daquEle que tudo sendo
não tem mais ninguém.
E assim tudo se explica:
é a solidão dos homens
esse eco imortal
do big bang primordial.
INTERSUBJECTIVIDADE
Apenas compreendemos nos outros o que deles vimos tal como os outros ouvem de nós aquilo que imaginam que queremos dizer. Estaremos, portanto, condenados à solidão máxima da subjectividade: o nosso mundo é apenas a nossa interpretação dele - e quão curta esta é! - e até as palavras que atiramos uns aos outros são ditas de uma forma que apenas quem as profere conhece o que de facto querem dizer tal como são ouvidas de tantas formas quantos ouvintes para elas existirem. Talvez - e digo mesmo talvez! - seja a emoção a solução para quebrar a barreira racional da interpretação e, de facto, permitir a verdadeira comunicação; talvez sejam as emoções a única forma de nos tocarmos uns aos outros: e aí não seriam as palavras mais do que invólucros vazios de sentido (porque o que digo ninguém compreende de facto, apenas interpreta) meramente instrumentais para o transporte das emoções. Ai! a soberba dos ignorantes que se acham capazes de sequer pensar: mal sabem eles que o pensar e o interpretar não são mais do que o sentir.
O ETERNO SUBJECTIVO
Somos as sombras do que fomos
e os prenúncios do que seremos.
Mas:
Porque o passado já não existe
bem como o futuro ainda não,
não podemos ser o que fomos
e o que seremos também não.
Que estranha coisa esta
de ser-se:
o que não se pode voltar a ser
ou de sentir-se:
o que ainda está por vir;
é-se e não se é
e tudo o que não se é
é o inatingível momento presente
onde somos tudo o que podemos ser.
e os prenúncios do que seremos.
Mas:
Porque o passado já não existe
bem como o futuro ainda não,
não podemos ser o que fomos
e o que seremos também não.
Que estranha coisa esta
de ser-se:
o que não se pode voltar a ser
ou de sentir-se:
o que ainda está por vir;
é-se e não se é
e tudo o que não se é
é o inatingível momento presente
onde somos tudo o que podemos ser.
HOIGRACHT
Há uma nostalgia que se apodera de mim,
uma saudade talvez,
quando me vejo onde fui
e não posso voltar a ser.
É certo que posso de novo passar
pelos sítios onde fui
mas não menos certo será,
que no regresso sou o que sou
e isso é o que fui
mais todos os outros fuis
que entretanto sou.
Dá gozo lembrar o que fui
porque é compreender o que sou;
mas angustia saber
que só se é uma vez de cada vez
e que tal como o que fui
aquilo que sou não voltará a ser.
uma saudade talvez,
quando me vejo onde fui
e não posso voltar a ser.
É certo que posso de novo passar
pelos sítios onde fui
mas não menos certo será,
que no regresso sou o que sou
e isso é o que fui
mais todos os outros fuis
que entretanto sou.
Dá gozo lembrar o que fui
porque é compreender o que sou;
mas angustia saber
que só se é uma vez de cada vez
e que tal como o que fui
aquilo que sou não voltará a ser.
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
DA VONTADE (II)
A necessidade configura algo que falta e que, pela sua falta, resulta numa tensão que impele à acção: a necessidade de suprir a necessidade, ou seja: a vontade. Ora, se a necessidade exprime algo que falta, forçosamente se infere que se falta algo, uma parte, então há uma ideia de um todo onde, não faltando parte alguma, não haverá necessidade - a eternidade harmoniosa. Assim sendo, a vontade não é mais do que a procura da harmonia que a ausência de ausências confere, ou seja: do nosso maior infortúnio - a exclusão da Harmonia - nasce aquilo que nos faz - a vontade humana. E assim se compreende que nunca poderá haver uma solução harmoniosa terrena para os problemas do Homem porque se houvesse deixaria de existir aquilo que justifica a vida do Homem: a vontade de viver.
DA VONTADE
A vontade deriva directamente da necessidade. Esta configura diversas formas materiais e espirituais, tal como se apresenta em diferentes níveis de consciência. Mas a vontade é mais ainda do que uma simples necessidade: é a necessidade imperativa de suprir uma necessidade. A vontade será então a exigência de dar resposta a uma necessidade mais ou menos consciente que se tem.
PERCEPÇÃO MORAL
"Âmbito do elemento moral. Quando vemos uma nova imagem, imediatamente a construímos com a ajuda de todas as experiências anteriores que tivemos, de acordo com o grau da nossa honestidade e do nosso sentido de justiça. Não há experiências que não sejam experiências morais, mesmo no domínio da percepção dos sentidos."
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência (1882)
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência (1882)
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