quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

CONSIDERAÇÕES SISTÉMICAS

As pessoas tendem a pensar que o problema do país é o sistema. Discordo frontalmente: todas as comunidades terão de ter forçosamente comandantes (uns poucos) e comandados (a maioria); a forma como um comandado se transforma num comandante, o processo que garante que o comandante comanda o comandado e a aceitação do comando dos comandantes por parte dos comandados configura um sistema de poder, o tal sistema que é criticado. Como não há sociedade sem sistema, a questão não será portanto criticar o sistema mas sim criticar as razões pelas quais o sistema funciona mal. O mesmo problema pode ser visto no discurso da extrema-esquerda (BE + PCP, inimigos da propriedade privada, logo inimigos do sistema) que afirma como adversários os ricos e poderosos (uns poucos que comandam) que oprimem os trabalhadores e os pobres (a suposta maioria que é comandada). Este discurso não faz qualquer sentido percebendo a dinâmica sistémica da sociedade: haverão sempre uns (poucos) que têm mais que a maioria; a questão não é a invejosa cobiça do muito que os poucos têm mas sim, a solidária e imperativa aferição do pouco que os muitos têm. E nunca os muitos tiveram tanto como o têm hoje em dia. E nunca a miséria e a escravidão foram tão grandes como nas comunidades que se organizaram em torno do ideal igualitário, ou seja a utopia de uma sociedade sem diferenças sociais, um sistema sem comandantes. Torna-se óbvio que a questão não é a existência de um sistema, portanto. A questão que se torna premente compreender é que um sistema de humanos é, como não poderia deixar de ser, um sistema organizado, pensado e utilizado por humanos. Todos os sistemas são perfeitos no papel; todos os sistemas falham na prática. A razão para tal coisa é, evidentemente, a natureza humana: corrupta, invejosa e mesquinha. Soluções? Não há forma de mudar a natureza humana mas uma sociedade - uma outra palavra para sistema - organizada em torno de valores como a honra, a honestidade e o respeito pelo próximo (mesmo que apenas para o outro ver) funcionará sempre melhor que uma sociedade - sistema - organizado em torno da cobiça, da inveja e do atomismo social. O verdadeiro combate não é contra o sistema mas sim pelo triunfo dos bons valores da humanidade; uma luta do Bem contra o Mal, portanto.

14 comentários:

  1. Concordo genericamente com esta posição.

    Mas não vejo os valores como um fim em si mesmo. Não sei se os encaras dessa forma. Acho que não.

    A luta é de facto entre o bem e o mal, mas mais especificamente, entre o bem fazer e o fazer mal. A moral, a política, a sociedade, a economia, dependem de resultados. Sejam eles de ordem individual, social, política, tecnológica ou económica.

    Os valores de que falas são fundamentais para criar resultados. Porque são uma fonte de previsibilidade e geradora de confiança.

    Por isso, os valores estão entre os vários elementos necessários para criar esses resultados, a par do conhecimento, da tecnologia, da sabedoria, do dinheiro e de forma recursiva também dos resultados e da confiança que eles geram.

    Mas a ausência de valores partilhados e com vista à fomentar a solidariedade, a elevação individual e o trabalho em colaboração não é o único problema relativo à questão dos resultados. O mesmo problema surge quando existe uma crença absoluta em certos valores. Ambos os fundamentalismos criam sociedade divididas (individualmente ou em blocos mais alargados, porque os efeitos do egoismo podem vir de uma expressão individual ou colectiva), fechadas, com pouco capital social (as individualmente egoistas) ou com pouco capacidade para lidar com ambientes imprevisíveis(as colectivamente egoistas).

    A moral deve portanto ser enquadrada como mais um meio que gera resultados, de forma harmoniosa entre a dimensão individual, social, política, tecnológica e económica.

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  2. Uma visão um pouco "economicista" mas concordo globalmente. Como sabes, gosto de ver os valores na perspectiva comunitária, onde para além da função de melhoria de resultados de que falas, também encontro muito do ideal de felicidade; no fundo, junta-se o útil ao agradável: os resultados melhoram e a vida (na minha perspectiva) é mais preenchida. A tensão comunidade - atomismo será, por ventura, um dos maiores desafios e embates ontológicos dos próximos anos.

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  3. Economicista? Só não é exactamente o oposto porque também incluo os resultados económicos.

    A felicidade é um resultado. É um efeito mais ou menos duradouro que surge depois da obtenção de um qualquer resultado. Por isso é que ela não é eternamente duradoura. Porque necessita de ser alimentada por resultados sucessivamente.

    As suas fontes são diversas: individuais (que reportam aos valores, às emoções, ...), sociais (inclusão, valorização, poder, etc.), tecnológicos (facilitação, entretenimento,...), económicos e quaisquer outros.

    Cada pessoa e cada sociedade é diferente e o que a faz feliz pode ser diferente: a possibilidade de demonstrar que é honrada, ganhar muito dinheiro, ter um filho, encontrar a sua identidade, comprar aquilo que sempre desejou, encontrar deus, descobrir uma teoria científica, etc.

    Mas tudo isto são resultados que geram os seus efeitos sobre cada indivíduo e que se traduzem em momentos de felicidade.

    Resultado tem aqui o sentido daquilo que resulta. E resulta de acordo com as espectativas de cada um (que podem ter uma expressão colectiva)

    Concordo que o equilibrio entre o individual e o comunitário é um desafio cada vez maior e mais decisivo no futuro de cada sociedade.
    Também eu considero que a felicidade é um enorme bem. Mas como qualquer outro valor tem de ser equilibrado e confrontado com outros valores.

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  4. Compreendo o ponto. Quanto a balançar a felicidade com outros valores fico curioso. Para mim, a questão da felicidade é de facto o limiar último da vontade humana e como tal, como mero conceito abstracto, tão longínquo, torna-se um ideal transcendente, um conceito que ao abarcar todas as diferentes visões de "felicidade" acaba por não significar nada em concreto: querer ser feliz não significa fazer qualquer coisa específica, é um mar de possibilidades. No entanto, e essa é a questão, a felicidade (ao contrário do que o marquetismo consumista nos quer fazer acreditar) é um objectivo que sozinho não se atinge: não se pode ser feliz num mar de infelicidade. Por essa razão uma sociedade que comungue de uma específica interpretação do conceito de felicidade terá provavelmente mais hipóteses de a atingir. Também por aí os valores comunitários me parecem importantes.

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  5. Não sou apologista dessa unidade. Perfiro as sobreposições dos combinados de objectivos individuais.

    Nós, em Portugal, temos oscilações de "humor" em função de um conjunto pequeno de índices: PIB, Produtividade, Valor dos salários e mais alguns.

    Isso significa que a nossa felicidade colectiva é extremamente dependente de certas contigências económicas. E, tal como dizes e bem, essa efeito sobre o colectivo interfere na felicidade individual.

    Perfiro que cada um encontre o seu combinado de efeitos (gerados em sociedade)que lhe dão felicidade e que o procure satisfazer, pelo menos em parte. Concordo contigo quanto ao ideal de felicidade a atingir, mas prefiro que cada um tenha o seu próprio ideal e que trilhe o seu caminho de acordo com esse objectivo.

    A felicidade é conseguir nesse percurso gerar o maior número de efeitos que conferem a sensação de felicidade, numa frequência o mais alta possível e com a intensidade desejável.

    No quadro de uma instabilidade emocional que caracteriza o ser humano, acho que são esses feitos que nos mantém felizes. E importa ter ou não consciência disso. E aqui podemos considerar isto como um valor comunitário. Pois não será igual a atitude de cada cidadão se se presume que a felicidade é somente um fim longínquo ou que vai sendo construido passo a passo, em função das escolhas pessoais e dependente das escolhas pessoais dos outros.

    Para além do mais não acho bom meter todos os ovos no mesmo cesto: tal como a felicidade é importante para mim ganhar cada vez maior liberdade (a sabedoria por exemplo confere-nos cada vez mais graus de liberdade, mais escolhas), segurança, serenidade, coragem, bondade, ...

    Nenhum objectivo é mais importante. Têm todos uma dimensão utópica orientadora, tal como a felicidade.

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  6. É o problema da discussão escrita: não estamos a falar da mesma coisa. Refiro-me a que é complicado a estruturação social de uma comunidade se nos grupos que a compõem, os caminhos da felicidade forem muito divergentes. Imaginemos, por exemplo, uma sociedade de 100 indivíduos numa ilha isolada onde 50 entendem a felicidade como a paz e harmonia com a natureza e os outros 50 entendem a felicidade como a obtenção da glória da conquista e da riqueza material. São ideais incompatíveis que levarão, inapelavelmente,ao fim de uma das visões (provavelmente a pacífica, coitados :P). Seria uma comunidade desagregada por ter conceitos de felicidade (e os consequentes valores que desses conceitos decorrem) incompatíveis entre si. Defender uma interpretação comunitária da felicidade não é o monismo social; nem é algo que se cria artificialmente. Simplesmente as comunidades que partilham essa interpetação (no fundo uma interpretação da vida, do seu sentido e dos seus valores) tenderão a ser mais coesas (por isso mesmo mais fortes) do que as que não o fazem. Quando olho para a Europa e vejo o atomismo social, a ausência da noção de destino comum e o indivíduo centrado em si próprio, vejo os sintomas da nossa fraqueza quando comparados com os outros grandes blocos mundiais.

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  7. Tás no bom caminho, HaAs JaGeR
    Sz

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  8. A redução do peso diplomático e económico da Europa no mundo deve-se à ausência, no espaço europeu, de valores partilhados.

    Para valer como explicação esta afirmação tem de ser demonstrada. Ou demonstrando que os outros blocos ascendem porque mantém elevados níveis de unidade social, ou demonstrando que, actualmente, para lidar com o ambiente social, político e económico do mundo é necessária essa coesão ou demonstrando que essa, pretensa queda da Europa, se deve à ausência de valores partilhados.

    A unidade de valores não é em si mesmo uma garantia de êxito. A Igreja Católica teve a sua ascenção a partir do momento que adquiriu uma unidade de acção e pensamento e a sua queda política deveu-se à vontade de manter essa mesma coerência. O mesmo podemos dizer do socialismo soviético. Em ambos os processos surgiram ambientes que beneficiavam e prejudicaram a estrutura dos grupos coesos.

    Ainda podiam ser nomeados outros caso de coesão social que não passaram de pequenos grupos, à época considerados fundamentalistas ou tolos.

    A coesão não é necessariamente, pelo menos em abstracto, uma via para a ascenção politica ou económica. Mas em concreto, analisando o mundo actual, poderás ter razão, não sei.

    Quanto à pretensa sociedade de egoístas. Observo que é usual surgir um coro de aplausos quando alguém defende algo desse género. Isso significa que essas pessoas confirmam que para além deles, que por um acaso se reuniram naquele lugar, só há pessoas egoístas? Será que os aplausos são uma forma envergonhada de fazer uma autocrítica? Não serão os aplausos uma forma de negar a própria afirmação? Só posso dizer que vivo no mesmo espaço, mas não na mesma sociedade. Estou rodeado de pessoas generosas, trabalho com pessoas generosas, convivo no bairro onde vivo com pessoas generosas, tenho nos amigos e na família pessoas generosas. Muitos também são honrados, sérios, ...

    São todos generosos, honrados, sérios? Não. Também não esperava outra coisa.

    Já agora, nunca conheci uma pessoa que não fosse egocêntrica, e os que afectam menos os outros com os seus efeitos são-no por fraqueza, por falta de coragem. Mas também considero que o egocentrismo é fundamentsal para gerar a necessidade de colaboração, a honra, a seriedade.

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  9. Colocas boas questões.

    Primeiro, não me parece fácil de demonstrar aquilo que se passa na actualidade; sobram as crenças e as interpretações subjectivas. A minha é: a coesão social (não o monismo social, logo exemplos como Igreja e sistema soviético não contam)é mais benéfica do que o atomismo social. Em comentários anteriores, ambos concordámos neste ponto. Logo, vendo o atomismo social que nos rodeia fico pessimista.

    O exemplo da Igreja e da URSS não são positivos porque são sistemas sem liberdade: coesão social (valores partilhados) não implica a perda de liberdade; ao introduzir a variável "liberdade" o exemplo perde a sua força pois sistemas não-livres serão menos bem sucedidos que os livres (Hayek)logo as razões da sua queda poderão estar ligadas à ausência de liberdade e não à coesão social. Aliás, ainda se poderá argumentar que a coesão social é um bom amigo da liberdade: a escravidão serve para unir num objectivo aqueles que de outra forma não o partilhariam.

    Também eu tenho boas (e más) experiências com as pessoas que me rodeiam. Boas e más. Daí a luta pelos bons valores. Já vi muitos perderem essa luta consigo próprios. No entanto, na sua pequena bolha, retirado o contexto, todos somos fantásticos; no entanto, o resultado global, o social e político, é o da generosidade, honestidade, etc? Não me parece. Neste caso penso sempre na forma como a sociedade trata os seus velhos.

    O egoísmo que critico é diferente do que falas. Falo de ver apenas o interesse pessoal ao invés de ver o interesse colectivo na hora da decisão social e política. Todos maus? não. Todos bons ou maus também não. Resultado global mau? Parece-me que sim. Basta ver a classe política, o mundo dos "negócios", etc.

    Poderia ser perfeito? Não acredito. Poderia ser melhor. Não tenho dúvidas; como digo no texto, depende das escolhas que fazemos. Todos.

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  10. 1º Valores e coesão social:
    Em muitas conversas que já tivemos cheguei a conclusão que temos mais em comum do que parece pela forma como discutimos cada argumento. Não sei se concordas.
    Mesmo assim, com vários valores partilhados, falta ainda muita coisa (seja ela o que for) para chegarmos a entendimento. Muito do que tu defendes, maior coesão social, exige qualquer coisa mais do que uma partilha de valores.

    2ºOs valores e o seu significado:
    Continuo a ter dúvidas sobre o que defendes em concreto porque o sentido das palavras é importante. O que significa para ti coesão social? E uma sociedade melhor?
    Só a partir do esclarecimento destas noções é que poderia compreneder e discutir a essência e bondade concreta das tuas propostas.

    3ºDa intenção à aplicação no meio social:
    Por exemplo, existem várias incoerências e uma diversidade de efeitos, aquando da aplicação dos valores, tudo isso depende dos contextos e dos actores envolvidos. A generosidade pode ser um principio bom com consequências nefastas, pode gerar dependência em quem a recebe e soberba em que a aplica.

    4ºIncapacidade individual de expressão dos valores:
    O pretenso egoismo de muitos pode não significar necessariamente um problema de carácter. Uma vida extremamente atarefada pode impedir (ou levantar enormes obstáculos) a promoção de gestos generosos. A grande exigência económica sobre as famílias pode ser um factor que exige incoerência entre os valores e a sua aplicação, no que toca à honra, à generosidade e a muitos outros.

    5º do individual para o colectivo:
    Praticamente toda a gente que conheço concorda que os idosos não são bem tratados no mundo ocidental. Portanto e neste caso, e extrapolando para uma realidade mais vasta, o problema não está na partilha de valores mas na capacidade para os colocar na agenda e na acção colectiva.

    Todos estes problemas exigem estratégias específicas para serem atenuados. Esse é um grande desafio para quem pretende encontrar ideias que mobilizem cidadãos e aumentar a capacidade de governabilidade.

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  11. 1. Eu vejo a questão dos valores como a génese do processo social. Da mesma forma como não pode haver uma determinada advocacia sem uma determinada ontologia que a justifique, também não há comunidade que não partilhe um conjunto de valores. A questão é se as advocacias geradas pelos diferentes conjuntos de valores são, por um lado, mais satisfatórias socialmente e, por outro, mais eficazes no contexto de competição das diversas comunidades. A mim parece-me (e penso vislumbrar a tua concórdia) que uma sociedade baseada em valores de partilha, respeito pelo próximo e pelo colectivo e capazes de oferecer uma mesma linguagem a todos é mais inclusa, mais una e mais forte.

    2.Coesão social significa um corpo social que está em paz (ausência de guerra, não conflitos sociais normais) e que partilha a vontade de permanecer nesse mesmo corpo social. Uma sociedade melhor será uma sociedade onde haja menos pobreza, onde haja mais educação para a cidadania e (principalmente) onde a liberdade não esteja em causa.

    3. Subscrevo por inteiro. Aliás é precisamente por serem leis gerais a regularem casos particulares (Aristóteles) que não acredito na bondade da super-legislação, como se esta se tratasse de um sistema que poderia pôr os humanos a salvo do fardo da escolha.

    4. Mais uma vez subscrevo por inteiro. Há escolhas muito difíceis para se fazer. Mas há outras que nem tanto. São estas últimas que variam consoante aquilo que é considerado aceitável à luz dos valores sociais. O pai de família que tem de escolher entre roubar um automóvel para pagar a operação ao filho que de outra forma morrerá tem uma escolha completamente diferente do pequeno funcionário público que atribui o cargo do concurso público para um departamento que comanda ao amigo que lhe dará votos no partido (interesse) ou ao familiar (cunha) em vez de a quem seria o mais qualificado. Se no primeiro caso, a vida do filho se sobrepõe a tudo, no segundo caso a noção de "fazer o que está certo" é a mais importante. E na nossa sociedade, principalmente no bem público, a noção do "faz o que está certo" está cada vez mais menorizada em relação ao que interessa mais. A questão não é erradicar estas práticas porque isso seria impossível mas quanto mais fortes forem os apelos valorativos àquilo que a comunidade entende como "o que está certo" menos desvios haverá.

    5. Aqui não concordo muito contigo. Vejo ao contrário: está na agenda aquilo que a sociedade considera importante; aquilo que a sociedade não liga não está na agenda.

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  12. Considero que existem vários aspectos que têm de ser considerados quando pretendemos avaliar o que faz a força (coesão, desenvolvimento e poder) de uma sociedade.

    1º Se uma sociedade já é poderosa ou não quando toma certas decisões. Se sim, pode pensar de forma mais introspectiva e não pesar tanto sobre as questões do ambiente externo. Quando não se tem poder o ambiente é mais importante. E essa dinâmica de abertura levanta questões relativamente à coesão.

    Acredito que a relação entre os valores e a coesão social é muito variável, acredito que não há uma receita, nem há valores a priori que sejam criadores de coesão. Tudo depende de circunstâncias.

    Porque um factor importante de coesão são os resultados (numa perspectiva abrangente). Por exemplo, a concorrência, o mérito, o individualismo são dois valores da sociedade ocidental contemporânea. Nas nossas sociedades estes valores ascenderam a valores comunitários, porque geraram ou porque lhes foram atribuidos resultados. Eles serviram (e ainda servem) de "cola" entre cidadãos.

    Nas sociedades complexas não se pode pressupor uma relação directa entre valores e acção colectiva. Existem tantos intermediários entre a soma das vontades individuais e a capacidade de agir politicamente. Existem intermediários administrativos, representantes sociais, representantes políticos, constrangimentos económicos, constrangimentos tecnológicos, diplomáticos, de valores, de desconhecimento, linguísticos...

    Repito: só tendo isto em conta é que será possível encontrar estratégias que permitam melhorar a comunicação entre a população e a governação.

    Esse intermediários também são importantes para analisar o processo seguinte, o problema da expressão governativa desses valores. O combate à pobreza está no programa de todos os partidos portugueses, mas esse combate não tem sido conseguido de forma aceitável. Porque não basta o valor. É preciso contar com todos os outros valores, processo administrativo, tecnologia, conhecimento dos agentes, que interferem com a decisão/programa.

    É preciso ter em conta e melhorar todos os aspectos que interferem entre a decisão e o processo de aplicação.

    Mais: a generosidade pode ser encarada de várias formas. Podemos contribuir pessoal ou monetariamente para combater a pobreza. Podemos ser generosos e financiar projectos por via do mecenato ou empréstimo em condições de custo e risco mais vantajosas para o empreendedor. Podemos contribuir com uma parte dos nossos impostos para associações. Podemos desenvolver políticas que combatem a pobreza e a exclusão. A generosidade é um valor que não se expressa sozinho quando é socialmente aplicado. Concordo que temos de ser generosos, mas de que forma, tanto faz?

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  13. Considero que existem vários aspectos que têm de ser considerados quando pretendemos avaliar o que faz a força (coesão, desenvolvimento e poder) de uma sociedade.

    1º Se uma sociedade já é poderosa ou não quando toma certas decisões. Se sim, pode pensar de forma mais introspectiva e não pesar tanto sobre as questões do ambiente externo. Quando não se tem poder o ambiente é mais importante. E essa dinâmica de abertura levanta questões relativamente à coesão.

    Acredito que a relação entre os valores e a coesão social é muito variável, acredito que não há uma receita, nem há valores a priori que sejam criadores de coesão. Tudo depende de circunstâncias.

    Porque um factor importante de coesão são os resultados (numa perspectiva abrangente). Por exemplo, a concorrência, o mérito, o individualismo são dois valores da sociedade ocidental contemporânea. Nas nossas sociedades estes valores ascenderam a valores comunitários, porque geraram ou porque lhes foram atribuidos resultados. Eles serviram (e ainda servem) de "cola" entre cidadãos.

    Nas sociedades complexas não se pode pressupor uma relação directa entre valores e acção colectiva. Existem tantos intermediários entre a soma das vontades individuais e a capacidade de agir politicamente. Existem intermediários administrativos, representantes sociais, representantes políticos, constrangimentos económicos, constrangimentos tecnológicos, diplomáticos, de valores, de desconhecimento, linguísticos...

    Repito: só tendo isto em conta é que será possível encontrar estratégias que permitam melhorar a comunicação entre a população e a governação.

    Esse intermediários também são importantes para analisar o processo seguinte, o problema da expressão governativa desses valores. O combate à pobreza está no programa de todos os partidos portugueses, mas esse combate não tem sido conseguido de forma aceitável. Porque não basta o valor. É preciso contar com todos os outros valores, processo administrativo, tecnologia, conhecimento dos agentes, que interferem com a decisão/programa.

    É preciso ter em conta e melhorar todos os aspectos que interferem entre a decisão e o processo de aplicação.

    Mais: a generosidade pode ser encarada de várias formas. Podemos contribuir pessoal ou monetariamente para combater a pobreza. Podemos ser generosos e financiar projectos por via do mecenato ou empréstimo em condições de custo e risco mais vantajosas para o empreendedor. Podemos contribuir com uma parte dos nossos impostos para associações. Podemos desenvolver políticas que combatem a pobreza e a exclusão. A generosidade é um valor que não se expressa sozinho quando é socialmente aplicado. Concordo que temos de ser generosos, mas de que forma, tanto faz?

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  14. Estou genericamente de acordo com o que escreves. No entanto, parece-me que quando falamos de valores estamos a falar de coisas diferentes:

    É preciso distinguir aqui uma escala de valores:

    * Práticos - São aqueles que guiam o nosso dia a dia e as escolhas que vamos fazendo; o embate das nossas convicções com os constrangimentos da vida em comunidade e as adversidades da vida; ex: concorrência, mérito, etc..

    * Morais - São códigos de conduta que nos dão a ideia do que está certo e do que está errado; a base valorativa que justifica os valores práticos; ex: não roubar, não matar.

    Os práticos são o nível advocatório da vida: as teorias que defendemos como melhorar a sociedade, como viver melhor, etc. Os ontológicos são os que compõem as nossas próprias teorias do ser, explicam como nos vemos perante o mundo e como vemos a sociedade: são as nossas ideias mais profundas sobre o que significa ser humano e o que implica estar vivo.

    Quando eu falo de valores estou a referir-me ao nível ontológico, às teorias do ser. Normalmente, os valores ontológicos estão relacionados com a comunidade em que nos inserimos porque é esta que nos dá o contexto moral e explicativo do mundo: um índio que nunca viu o homem branco explica o mundo (e vive em conformidade com essa explicação) da mesma forma que os seus antepassados o fazem há milhares de anos. É uma ontologia muito diferente da nossa.

    O ponto aqui é que a advocacia deriva sempre de uma determinada ontologia: nós advogamos consoante o código interpretativo que temos.

    Quando a ontologia é a mesma, uma comunidade partilha uma visão sobre o que é o mundo; quando não o faz, normalmente conflitos (os religiosos são os mais evidentes) ocorrem.

    A questão dos dias de hoje é se é possível comunidades que partilhem interpretações diferentes convivam em paz e prosperidade.

    Esta é a génese do debate comunitário - liberal.

    A minha posição é de que é possível desde que o próprio valor da partilha e da tolerância estejam inscritos nas respectivas ontologias; não estando, então não será possível.

    Mas o pior é a ideia de neutralidade moral - ontológica perante a comunidade. Querendo uma neutralidade absoluta, uma ausência da ontologia moral sobre a sociedade, nda justifica a advocacia de determinadas práticas nessa comunidade; por exemplo a prática da tolerância (que decorre do valor ontológico tolerância) desaparecerá. Ou seja, nós Europeus, ao querermos ser abertos, multiculturais, etc, se esquecermos os nossos códigos ontológicos estamos a colocar em causa a justificação da nossa própria advocacia.

    No entanto, as outras comunidades com outras ontologias (ontologias com as quais nem concordamos) não abdicam de nada; pelo contrário: impõem.

    No final, o que se passa (e que me parece a génese do problema) é a perda de identidade como factor de enfraquecimento de uma comunidade.

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