sexta-feira, 29 de outubro de 2010

TRATADO SOBRE A VELHICE

Quando passo por essas ruas da cidade; quando espreito pelos pixeis da televisão, ou, simplesmente, quando olho nos olhos dos velhos da vida; quando nos seus rostos - os dos velhos - vejo as marcas de uma vida quase inteira, porque já quase passada; quando nas suas vozes - as dos velhos - vislumbro a audição de uma tristeza sem nome; quando os oiço - aos velhos - praguejar na farmácia - porque a reforma não dá para tanto medicamento; quando os vejo - sim, os velhos - abandonados, esquecidos, arrumados, emprateleirados, ostracizados a apodrecer, esperando a morte, nas casas velhas, sem condições, sem espaço, sem dignidade - sim, sem dignidade - que construímos para eles. Quando tudo isto - e muito mais - perpassa a minha mente lembro-me de uma resposta de Sócrates aos apelos do ansião Céfalo para que aquele o visitasse com maior frequência:
"- Com certeza, ó Céfalo - disse [Sócrates] - , pois é para mim um prazer conversar com pessoas de idade bastante avançada. Efectivamente, parece-me que devemos informar-nos junto deles, como de pessoas que foram à nossa frente num caminho que talvez tenhamos de percorrer, sobre as suas características, se é áspero e difícil, ou fácil e transitável. Teria até gosto em te perguntar qual o teu parecer sobre este assunto - uma vez que chegaste já a esse período da vida a que os poetas chamam estar no limiar da velhice."
Platão, A República, 329e
Reparemos que os motivos para o prazer de Sócrates em visitar Céfalo não serão propriamente altruístas: há o interesse em perceber junto daqueles que já percorreram o caminho da vida que coisa é essa de viver. É um interesse, um aproveitamento, não uma simples caridade. O nível de uma sociedade averba-se, sem dúvida, a um nível emocional, pelo respeito altruísta e humano que tem pelos mais velhos. A forma como, a este nível, tratamos os nossos velhos só demonstra a nossa fraqueza de carácter; mas, a outro nível -  o racional - mede-se a maturidade da nossa sociedade pela aprendizagem que esta ganha junto dos velhos porque - cada um na sua experiência - são esses os verdadeiros sábios da vida; os velhos - sim, os velhos - são o nosso farol. O desprezo a que os votamos não é apenas a prova da nossa desumanidade atroz: é também a mais simples e pura evidência de uma estúpida e infantil idiotice. No final, não deixa de ser um verdadeiro equilíbrio: possam as sociedades altruístas beneficiar da experiência e conhecimento dos velhos; quanto às outras - sim, nós, não duvidem -, possam essas se perder nos sinuosos caminhos da vida porque afundaram com o seu fraco carácter pejado de individualismo os seus faróis da vida; e que seja essa a paga pelo egoísmo que demonstram idolatrar. Concluindo, não somos apenas maus: somos burros. Trogloditas, portanto.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

FREE BIRD

Lynyrd Skynyrd, Free Bird, Pronounced Leh-Nerd Skin-Nerd (1973)

O HOMEM E O REI

"O homem é visivelmente feito para pensar; é toda a sua dignidade e todo o seu mérito, e todo o seu dever é pensar como deve ser. (...) Ora em que pensa o mundo? Nunca nisto; mas em dançar, em tocar lira, em cantar, em fazer versos, em jogar ao anel, etc., em se bater, em se fazer rei, sem pensar o que é ser rei, e o que é ser homem."

Pascal, Pensamentos, 146; 4

A ORIGEM DA SENSATEZ

"Pois segundo entendo, no limite do cognoscível é que se avista, a custo, a ideia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto há de justo e de belo; que no mundo visível, foi ela quem criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para se ser sensato na vida particular e pública."

Platão, A República, 517:a

POIS

Hoje passei por alguém que já não via há alguns anos. Reparando na sua barba grisalha e nos seus abundantes cabelos brancos, não pude deixar de me perguntar como poderia alguém que eu sabia ser da minha idade estar tão velho. Pois.

sábado, 16 de outubro de 2010

ANO VIII

Há uns dias atrás este blog entrou no seu oitavo ano de existência. É algo marcante não tanto por algum esforço assinalável do seu autor mas pelo que o blog, ele próprio, já contém: uma mudança em permanência; mantendo-se uma essência mudam-se outras essências. Na multiplicidade da existência tudo é volátil e efémero, mesmo nós. Quando olho para o rapaz - sim, o rapaz - que começou este blog vejo-me a mim e, ao mesmo tempo, vejo uma outra pessoa, um eu passado, alguém que já não existe a não ser nas memórias de mim, não mais diferente do que os mortos que vivem nas memórias dos vivos. Tal como os humanos, mudou este blog várias vezes de aparência, de tipos de conteúdos, de inspirações e de vontades; mudou mas não deixou nunca de ser o meu blog, de ser o pensamentos desblogueados; um fiel companheiro, portanto. Uma memorização externa dos eus que passam por mim. É isso que este blog para nós (os eus que são e os eus que foram) significa: um percurso. E como todos os percursos, não me preocupa tanto para onde vai mas sim por onde passa. E este hoje passou por aqui. Mais uma vez. Obrigado a todos os que nos acompanham.

I'M NOT AFRAID OF THE DARK

Josh Ritter, Long Shadows, So Runs The World Away (2010)

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ÀS ARMAS

Não é que não goste do josé sócrates; simplesmente acredito que ele é o Anti-Cristo, filho do Príncipe de Satã, seu verdadeiro Mestre e Amo, enviado à Terra para destruir Portugal. Que estafermo.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A SOLIDÃO DOS HOMENS

Assumamos: estamos a cumprir pena; a solidão é a condenação dos homens. E passamos a vida a tentar quebrá-la. Vislumbramos a fusão, o uno, mas por mais cópula que se faça, por mais que nos penetremos e que nos perscrutemos, no final, extenuados, com a sensação de dever cumprido, não faltarão muitos minutos para compreendermos que permanecemos a parte distinta do todo. Uma parte à parte. A prole talvez seja a fusão. Mais um sonho?, ou, quiçá, pelo contrário, apenas um vislumbre solarengo e ilusório por entre as barras da janelita do cárcere. No fundo, só se sabe quando se lá chega. E, por essa importante razão, aqui continuamos no carrossel da solidão: há sempre um amanhã, até ao dia em que não há, sempre na dúvida se será esse dia o dia da libertação ou simplesmente o fim de tudo.

A ESCOLHA

Podem inventar um novo mundo, um admirável ou melhor ainda do que isso; se não chegar, podem inventar mais do que um: dois ou três, quatro, porque não?, cinco, ou mesmo seis. Podem pegar em tudo o que existe que causa desconforto e intentar torná-lo confortável, podem querer controlar, dominar, conter, predominar, reprimir, refrear ou subjugar o incerto; podem querer superintender, dirigir e verificar o desconhecido; podem querer fiscalizar, vigiar e restringir o medo: a segurança e o certo, portanto. Falharão, no entanto. Dessa correria e de todo esse esforço destruidor de tudo o que é bom e aprazível nada virá a não ser a incontornável conclusão de que qualquer que seja o cenário, a vida, a vida dos homens, é e sempre será a mesma: a escolha entre o Bem e o Mal.

PROGRESSO

O progresso e o modernismo não são mais do que duas palavras que implicam a destruição de tudo o que conhecemos e a imposição de algo que não sabemos muito bem o que é.

UMA VIDA

DESAFIO

A conexão será, por ventura, o grande desafio: da parte descobrir um todo.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

ANDREW BIRD, O SUBLIME

"The «near death experience» experience: where you take a pill to have a near death experience but... a safe one. Just to enjoy life a little bit more."

Andrew Bird, Aula Magna, 7 de Outubro de 2010

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

SOZINHO

A condescendência e a arrogância podem perfeitamente ser palavras terceiras para a vanguarda incompreendida. Não sendo, compreendendo todos os que não entendem tal conceito, esperarei calmamente do alto do meu posto pelo momento de compreensão generalizada. Provavelmente sozinho. Assim seja.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

867

Portugal faz hoje oitocentos e sessenta e sete anos. Ninguém fala disto. Comemorar a implantação da república e não se referir (em lado algum) que hoje é o aniversário de Portugal é um ultraje. Seria como comemorar todos os anos o aniversário  da primeira comunhão, ou do primeiro dia de escola, ou do primeiro beijo e nunca, nunca, comemorar o dia do nascimento. Patético. A grande conquista da esquerda e da extrema-esquerda pós-25 de Abril é a erosão do orgulho, dos valores e de parte da identidade nacional a coberto do medo, sempre o medo, do regresso do "fascismo". Não há fascismo nenhum. Só medo. E ódio. Como todos os ódios, também esses, um dia, serão derrotados. Parabéns Portugal.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

QUINTA-FEIRA, NA AULA MAGNA

Andrew Bird, A Nervous Tic Motion of The Head To The Left, Live at Bonnaroo - June 16, 2006 - Manchester, TN.

domingo, 3 de outubro de 2010

AINDA AQUI ESTAMOS (ou: como a génese da problemática cultural portuguesa deriva em grande medida da acção directa e indirecta da extrema esquerda no pós-25 de Abril)

"Porém, o caminho de regresso a esses ideais [a Democracia na Liberdade assente nos Direitos do Homem] apresenta-se, ainda, coalhado de obstáculos, não sendo fácil sair-se de um estado de desequilíbrio gerado por antagonismos sociais alicerçados no ódio entre classes, criminosamente fomentado por falsos ideólogos e alimentado pelo parasitismo dos que, apenas movidos pela ânsia de satisfação das suas ambições pessoais, se transformaram em pedras executórias de um plano de destruição do País.
(...)
Só assim se compreendem os aumentos de salário sem incentivar o aumento de produtividade sabendo-se que , em breves meses, esses aumentos não teriam qualquer significado no poder de compra. Só assim se compreende que se tenham destruído os «velhos monopolistas» de uma forma primária, em vez de os enquadrar e sujeitar a regras de justiça social, e surja uma nova classe de servidão do monopolismo estatal composta por parasitas sociais, que, sem a menor capacidade de gestão, se limitam a ser agentes de transmissão entre os trabalhadores e os governante. Enquanto estes, colocados na posição de superadmnistradores de empresas e sem a menor possibilidade de definirem uma política de desenvolvimento, geram a ruína da economia nacional.
Ao mesmo tempo, o funcionalismo público, as pequenas e médias empresas, os trabalhadores de serviços sem possibilidade de actualizarem convenientemente os seus proventos, as pessoas de rendimentos fixos que que vivem do que pouparam numa vida inteira de labuta, todos estes que, no seu conjunto, formam a classe média do País, encontram-se à beira da destruição, caminhando-se para um vazio social propício à indignação e à revolta.
(...)
Neste quadro social, com uma balança de pagamentos altamente deficitária, a gastar-se muito mais do que se produz, com o ouro a esvair-se, com empréstimos sobre empréstimos sem uma correcta aplicação em planos de desenvolvimento, tudo conduz para uma terrível situação que os portugueses em tempo algum sonharam: a «colonização» de Portugal.
Afinal nós os «colonialistas», os «homens do Império», passados a cidadãos de um pequeno e pobre país, sem dimensão universal e sem grandeza cultural, por virtude da nossa própria incapacidade, sujeitamo-nos a uma colonização financeira e tecnológica e, por esta via, a perder a independência."

António de Spínola, País Sem Rumo, 1978; pp. 361-3 [Negritos meus]

DÉJÀ VU

"Com efeito, ao minimizar a crise económica e ao ignorar o seu inevitável agravamento perante a crescente deterioração do sector do Trabalho, o Primeiro-Ministro* revelava-se incapaz de dominar uma situação cuja gravidade não reconhecia ou, pior ainda, procurava omitir por razões de ordem política."

*Vasco Gonçalves

António de Spínola, País Sem Rumo; p. 210