À medida que crescemos e amadurecemos, o mundo que nos compõe torna-se progressivamente mais complexo. E, dessa forma, passa a ser cada vez mais difícil separarmos decisões racionais de actos motivados por desejos ou simples anseios; compreender os porquês de estados de espírito; destrinçar virtudes que passam a defeitos de defeitos que podem ser virtudes num outro momento. Em suma, cada vez é mais difícil compreendermos-nos a nós próprios. Evidentemente que tal situação tem como consequência próxima e imediata o facto de o exercício da auto-compreensão se tornar mais árduo: é cada vez maior o despender de tempo e energia para compreendermos os nossos próprios anseios e, igualmente, compreendermos os dos outros.
Na actual cultura de facilitismo o difícil é cada vez mais rejeitado. Nesta sociedade "moderna" recusa-se o difícil porque "não há tempo", tem de se abreviar, acelerar, modernizar. Por isso mesmo, na correria, acabamos por perder a capacidade de nos compreendermos a nós próprios tal como aos que nos rodeiam. E é precisamente ao recusarmos a reflexão complexa, demorada e difícil que a nossa intrínseca complexidade exigiria que acabamos por nos afundar numa superficialidade ilusória que na sua cada vez maior extensão se torna, a cada momento, mais frágil por ausência dos alicerces fundamentais. E isto é verdade tanto para a construção individual do "eu" como para as redes de contactos, amizades e interesses que se montam entre os diferentes "eus". A tragédia é que, parecendo o caminho da simplificação o mais fácil e eficiente, se revelará inexoravelmente como um estado de constante ansiedade e frustração: ânsia, se bem que escondida e incompreendida como tal, de nos entendermos, de superarmos o vazio da ausência de significado; frustração ao nos recusarmos a nós próprios. Evidentemente que a situação é insustentável: nunca pode um corpo colectivo funcionar através da auto-negação das partes que o compõem.
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