sexta-feira, 13 de maio de 2011

ELOGIO DA FILOSOFIA

"Por acaso subiu já o leitor ao cume de um monte suficientemente alto para que toda a paisagem lhe aparecesse, à vista, fundida a ponto de não distinguir uma árvore de um casal, nem um rio de um vale sem curso de água? Pois sucede assim nas campinas da história do pensamento humano, quando as olhamos das cumiadas luminosas da crítica. Vêem-se as cousas na sua essência, não importam os acidentes. O fetiche que o selvagem adora, a imagem perante a qual se prostra o comum dos crentes, o arquitecto universal dos pensadores livres, e finalmente esse quid inominado a que a filosofia moderna chamou Inconsciente - tudo isso é igualmente Deus: sòmente é Deus percebido pela imaginação infantil, Deus percebido pela inteligência vulgar, Deus percebido pelo saber incipiente, e Deus finalmente incompreendido, mas sentido, pela sabedoria. E todas essas modalidades de uma mesma impressão, recebida e representada de forma diversa, consoante a natureza e o estado de educação dos homens, são igualmente verdadeiras, igualmente santas e igualmente humorísticas, para aquele que tem coração para sentir as cousas por dentro, e olhos para as ver de fora... Eis aí a suprema liberdade do espírito, o Nirvana apenas intelectual, a que eu prefiro chamar impassibilidade subjectiva: um estado que permite compreender todas as cousas, analisando-as e classificando-as, sem todavia nos transmitir essa espécie de frialdade de coração, própria dos naturalistas quando estudam uma rocha, uma planta ou um animal. O filósofo, impassível ao analisar e classificar os fenómenos do espírito humano, há-de misturar ao sorriso que provocam todas as vaidades e ilusões, o amor que merecem todos os sentimentos ingénuos e fundamentalmente bons."

Oliveira Martins, Antero (1886)

NOTÍCIAS DO LA LA LAND

CRÍTICA AO POSITIVISMO CIENTISTA

"O que lhe falta é o que falta à inteligência científica. A inteligência científica, sendo positiva, tem de se colocar, e sem nunca sair dele, no terreno dos factos; sendo precisa, tem de ir procurar debaixo dos fenómenos complexos e cambiantes aqueles elementos irredutíveis e constantes, os únicos susceptíveis de avaliação rigorosa; sendo realista tem de aceitar esses elementos tais como eles se apresentam, sem indagar se nessa ideia imediata que deles forma não haverá porventura alguma grande ilusão, se ela não envolve algum fundo problema ontológico, que lhe escapa. Desta atitude  em face da realidade resulta um ponto de vista limitado, o que quer dizer incompleto. É a experiência no seu máximo de organização, mas é sempre a experiência. A base do seu edifício é estreita: generaliza impressões e delas tira inferências, mas os resultados mais elaborados desse processo lá trazem sempre o cunho da origem, que é sensual. Daí, o ponto de vista por excelência sensual, o do mecanismo. O mecanismo é o máximo grau de abstracção de que a inteligência é capaz dentro dos limites e com dados de sensibilidade, mas é só isso. Reduzindo tudo, por este processo, a elementos mecânicos, reduziu tudo aos elementos primitivos da sensibilidade e nada mais. Limitou por conseguinte o ser à sua esfera primeira e inferior. Por mais que faça e quanto mais fizer é só isso o que há-de achar no fundo do seu formidável cadinho. O universo da ciência. feito à imagem dessa inteligência que opera só sobre dados primitivos e elementares, é pois um universo inferior e elementar: foi como que amputado dos seus órgãos mais nobres. (...) É um universo que se move nas trevas, sem saber porquê nem para onde. Não o alumia a luz das ideias, não lhe dá vida a circulação do espírito. Paira sobre ele um mudo fatalismo. A inerte serenidade, que inspira a sua contemplação, é muito semelhante ao desespero. A sua beleza puramente geométrica tem alguma coisa de sinistro. Nada nos diz ao coração, nada que responda às mais ardentes aspirações do nosso sentimento moral. Para quê, um tal universo? E para quê viver nele? Nada alimenta tanto o mórbido pessimismo dos nossos dias como o gélido fatalismo  soprado pela ciência sobre o coração do homem."

Antero de Quental, Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX (1890)

quinta-feira, 12 de maio de 2011

DEDICADO AOS SENHORES CHEIOS DE CERTEZAS (PROGRESSISTAS, OPTIMISTAS E DEMAIS REVOLUCIONÁRIOS)

"Duvidar não é só uma maneira de de propor os grandes problemas: é já um começo de resolução deles, porque é a dúvida que lhes circunscreve o terreno e que os define: ora um problema circunscrito e definido é já uma verdade adquirida e uma preciosa indicação para muitas outras verdades possíveis. É pela dúvida que a filosofia concebe, é a dúvida que a torna fecunda e a sua relatividade é, afinal, toda a sua razão de ser. Iludem-se então os que procuram a verdade na filosofia? Sim e não. Iludem-se, por certo, se procuram na filosofia a verdade total e definitiva, a fórmula completa, nítida e inalterável da lei suprema das coisas, esse segredo transcendental que, uma vez conhecido, se isso fosse possível, os tornaria deuses, segundo a expressão bíblica, ou, segundo o nosso modo de ver, os tornaria inertes, ininteligentes, moralmente decrépitos, adormecidos beatificamente à sombra da árvore da ciência. Saber tudo equivaleria a nada saber. Uma filosofia definitiva, feita e assente uma vez para todo o sempre, implicaria a imobilidade do pensamento humano: o absoluto anestesiá-lo-ia. Essa tal verdade, aspiração ingénua de espíritos incultos, pode animar os crentes e exaltar os entusiastas: nos domínios do puro pensamento nunca produzirá senão vertigem e ilusão."

Antero de Quental, Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX (1890)

DIÁRIO DO PAPEL (Incursão à Feira do Livro, Pt1)

Ora, devassado o lado esquerdo da Feira, a recolha foi alargada a tudo menos o planeado: para começar a História de Portugal de Oliveira Martins, primeiramente editada em 1879 e um monumento à compreensão da portugalidade através dos olhos do pessimista e decadente final do Século XIX. Da mesma altura, no seguimento do meu profundo interesse por Antero de Quental vêm os seus Sonetos Completos minorar o desalento por nenhum stand ter qualquer edição das suas Prosas. Deparando-me com a mui badalada biografia de Salazar de Filipe Ribeiro de Meneses não pude deixar de a adquirir, complementando a dita com o único texto ideológico escrito  - organizado de entrevistas, discursos, etc.- pelo biografado, o polémico Como se Reergue um Estado, editado em Francês em 1936 e agora disponível em Português. No campo das ideias, de Descartes adquiri o seu Discurso do Método e um livro, do qual já li excertos, que me entusiasma para lá da mera excitação, entusiasma-me mesmo porque nele leio o que penso e intuo: As Vantagens do Pessimismo, a bíblia do conservadorismo contemporâneo de Roger Scruton. Dos romances, porque não dei ainda vazão aos que adquiri durante o ano literário que agora termina, fugi a sete pés mas não consegui deixar de comprar, porque me importunaram com os seus lamentos acusatórios acerca da minha ignorância por neles não ter ainda discorrido a minha mente, dois clássicos: Aparição de Vergílio Ferreira e Moby Dick, de Herman Melville [Eu sei, uma vergonha]. Comprei, ainda, mais um romance da Camilla Lãckbeck, já é o segundo, a "nova Agatha Christie Sueca", um policial para oferecer à minha mãe que, aparentemente, adorou o primeiro que lhe ofereci no Natal. Amanhã vou lá cheirar o restante da Feira.