segunda-feira, 17 de novembro de 2008
JOSÉ GIL, "PORTUGAL HOJE: O MEDO DE EXISTIR" (II)
"Vê-se que o o espaço público falta cruelmente em Portugal. Quando há diálogo, nunca ou raramente ultrapassa as «opiniões» dos dois sujeitos bem personalizados (cara, nome, estatuto social) que se criticam mutuamente através das crónicas nos jornais respectivos (ou no mesmo jornal). O «debate» é necessariamente «fulanizado», o que significa que a personalidade social dos interlocutores entra como uma mais-valia de sentido e de verdade no seu discurso. É uma espécie de de argumento de autoridade invisível que pesa na discussão: se é X quem o diz, com a sua inteligència, a sua cultura, o seu prestígio (de economista, de de sociólogo, de catedrático, etc.), então as sua palavras enchem-se de uma força que não teriam se tivessem sido escritas por um x qualquer, desconhecido de todos. Mais: a condição de legitimação de um discurso é a sua passagem pelo plano de prestígio mediático - que, longe de dissolver o sujeito, o reforça e o enquista numa imagem «em carne e osso», subjectivando-o como o melhor, o mais competente, o que realemnte merece estar no palco do mundo.
A não existência de um espaço anónimo de devir das ideias e das obras retira, além do poder de criação, o dispositivo necessário (a mediação) que dessubjectiva o discurso e imperde o choque dos «sujeitos». SE, na maioria dos casos, a crítica, em Portugal, descamba no insulto pessoal, no embate imediato de dois «fulanos» - ou no elogio sobrevalorizante - é por ausência de um terceiro termo que medeie a relação dos dois interlocutores. O elogio desrealizante tem idêntica origem: agora não é o choque se procura, mas o seu avesso, a osmose admirativa máxima, sem mediação, com o outro - duas vertentes de um mesmo tipo de relação."
in "Portugal Hoje: O medo de Existir", pp 28-29
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