“E aqui lavra o fogo intensamente”, descrevia o Homem Que Apesar de Estar Não Estava Mesmo Lá, “que como podem ver está prestes a ficar completamente fora de controlo. Faltam homens, Manuela, para combater o fogo.” Moveu-se um pouco para mais longe das labaredas e retomou o seu discurso vazio de emoções. “Como podem ver, aquelas casas...vou pedir ao nosso câmera que as ap...sim...ali à direita....”, interrompeu-se ele com rigor, “...mas como dizia, como se pode ver agora nas imagens, aquelas casas, salvo intervenção superior, deverão estar irremediavelmente perdidas o que será uma grande tragédia. Dificilmente aqueles poucos homens com baldes e mangueiras conseguirão impedir que a tragédia, blah blah blah.... tragédia... blah...tragédia...blah blah... tragédia...”
Voltámos a ver a suada e adrenalinada face do repórter.
“Dona Maria, diga-me o que sentiu quando perdeu a sua casa?”. E ela chorou. “Oh...Meus Deus Nosso Senhor que perdi tudo o que tinha...”
as lágrimas angustiantes escorriam-me pelo ecran da televisão
“Não sei que faça... Que sou viúva desde que o meu António se foi e não tenho mais nada...”
uma poça formava-se no arraiolos da minha sala
“Mas diga-me, Dona Maria, agora que perdeu tudo o que tinha, como....ehhh... sente-se triste é?
“Como vimos aqui em primeira mão, na Televisão de maior audiência, este incêndio é uma grande tragédia. Não perca logo, a seguir ao Jornal Nacional, os desenvolvimentos dramáticos e horrorosos que a sua Televisão preferida, não vai deixar de passar repetidamente ao longo dos próximos dias. Nada nos escapará e...
o meu dedo moveu-se e
............................................
silêncio.
A boca da apresentadora movia-se repetidamente mas eu não a ouvia. Reparei naquele boca plastificada e lembrei-me das barbaridades que já de dentro dela tinha ouvido sair. E da do marido.
E acho que foi naquele momento.
Olhando para trás foi naquele dia que me revoltei. Olhei para a cara do repórter, que mais uma vez suava pela televisão dentro, e pensei
“se faltavam homens para apagar o fogo e tu estavas lá e não estavas a apagar o fogo então que raio és tu? Porque Homem não és com toda a certeza. Podías ter ajudado a apagar o fogo. Podías ter ajudado a Dona Maria com todas as tuas forças ao invés de expores a sua mágoa e tristeza em troca de uns pontos de audiência. Tu, Que Estavas Mas Não Estavas, consideras-te um espectador de índole superior. Observas e relatas a miséria alheia e nem quando está ao chegar da tua mão amenizá-la te dignas a perder a reles pose de um David Attenborough no National Geographic. Quem é a Dona Maria para ti? Um humano com h pequeno? Uma espécie de antílope corredor que foge da poderosa chita? Como podes ser um espectador? Como podes olhar a Tragédia e não te revoltares? Como podes olhar a Tragédia e apenas balbuciar o Seu Nome repetidamente porque quanto mais dramático melhor???
“Porque ele está morto”, disse-me ele por trás de mim.
Virei-me abruptamente.
“Quem és tu?”, tremeliquei eu vocalmente.
“Eu sou Herético, sou Aquele Que Se Revolta”, informou-me com serenidade.
“Foi o Grande Poeta”, continuou, “que disse que os cobardes muitas vezes morrem antes de morrer... Grita comigo e nem depois de morto morrerás...”
Olho para trás e sorrio. Estaria eu morto? Se estava ressuscitei gritando. E bem alto.
sexta-feira, 8 de julho de 2005
quarta-feira, 6 de julho de 2005
AQUELA QUE DEIXOU DE SER
“De onde vêm os pensamentos?”, pergunta Aquela Que Não Sabia Muito Bem O Que Andava Aqui A Fazer.
“Da parte detrás da cabeça”, responde-lhe sarcasticamente Herético, Aquele Que Sabia Que Não Sabia Muito Bem O Que Andava Aqui A Fazer.
Hermética tentou revirar os olhos para dentro para tentar perceber o que ele lhe dizia. Não resultou. Um espelho talvez... Não... Também não. Hermética pensava mas não percebia porquê.
Resolveu fechar os olhos. Para se pensar não se precisa de ver. E Hermética ouviu. Ouviu o rouxinol do Torga. Ouviu a cascata. Ouviu, ainda, o barulho dos pneus nas grades da ponte.
“Cala-te”, grita-lhe Herético, “para pensares não precisas de ouvir”.
E Hermética tapou os ouvidos.
O vazio. Não... “Espera aí”... “Que cheiro é este?”
Era o cheiro da chuva de borracha que não pára de cair há mais de dez mil sóis. Só quem vive debaixo daquela ponte o sabe. Talvez os americanos também o saibam.
Mas para pensar não é preciso cheirar. Nem saborear. Nem tactear.
Hermética fechou-se.
O Castelo era muito pequeno no início. A porta era difícil de ultrapassar.
O Castelo era escuro no início. Início? Hermética não sentia nada. E se não sentia nada, não sentia o tempo. Não sentia o espaço. Não estava em lado nenhum.
“Mentirosa!”, disparou com mestria Herético. “Estás no Ponto Firme”, continuou, “Estás no Inultrapassável”.
Herético, com o súbito desejo de transmitir aquilo que sabia não saber muito bem, entusiasmou-se. “Repara Hermética como o Castelo é bonito. Repara como é grande. Vê sem abrires os olhos como o Castelo não tem fim. Estás a ver? E ouves todos os sons do mundo. Mas fá-lo sem destapares os ouvidos. Repara como é bela a praia dentro do Castelo. Passa os sentidos por essa areia fina e branca que se esvai por entre os teus dedos. Inspira esse perfume
Ungaro?
que tanto apreciavas no teu marido. Olha! Aí está ele de regresso do sítio donde ninguém regressa. Olha para cima Hermética”, ordenou-lhe, “vês as estrelas ? Repara na constelação de Leão...”
E o Cavalo Branco levou Hermética para além do Ponto Firme. Que nem um buraco negro com o seu desmedido vício da Gula, Hermética engole-se a si própria para se regurgitar em seguida nas multiplicidades que o seu ser ao longo de todos os tempos viveu. O Caleidoscópio é real. Todas as cores são mais vivas do que aquelas que a Deusa Íris lhe tinha apresentado. O Cavalo Que Era de Todas as Cores acelerou e Hermética viu. A semente astral que nos traz o cometa. O triciclo divino que balança indefinidamente pelo Cosmos. Sentiu a Fonte da Sabedoria. Falou com quem lhe deu a vida. Sentiu quem lha tentou tirar. Mas fugiu para mais longe ainda. Reconheceu o seu Caminho. Libertou-se do Dogma e renunciou a um Deus para se reencontrar com Ele logo de seguida. Afinal ela era Ele e Ele era ela. Sabia agora que sabia muito menos do que havia para saber. Com a força da emoção reviveu tudo o que tinha vivido mas muitas vezes mais e tanto mais depressa como mais devagar. Conheceu o Erro e amou a Virtude. Lembrou a Esperança. Sucumbiu ao Amor...
Sentiu o chão debaixo de si. O Cavalo Branco já não estava. Cheirou a terra molhada daquele dia de Primavera. Ouviu um Michelin 630 especialmente colocado em França para efeitos de IRS. Hermética abriu os olhos. E Hermética já tinha deixado de ser.
“Não posso deixar de te achar bela”, confidenciou Herético. Foi mais longe. “Aliás deixa-me dizer-te que tu, Aquela Que Perdeu O Nome Nos Terrenos Inultrapassáveis da Quinta Dimensão, és para mim a Alquimista. O que tocas reluz de sapiência...”
“Herético...”, ronronou gulosamente Alquimista. “De onde vêm os pensamentos?”
“Ó querida...”, retorquiu Herético, “toda a gente sabe que vêm de Paris no bico da Cegonha...”
segunda-feira, 4 de julho de 2005
MANIFESTO DO PARTIDO SURREAL
“Pertenço a uma geração perdida e só me reencontro quando assisto acompanhado à solidão dos meus semelhantes”, diz-nos Jacopo Belbo pela mão do Umberto. Sim Umberto sem “H”.
Não sei se em 1970 a geração estaria perdida. Sei que nos anos 90 estava rasca. Não faço a mínima ideia como está nos anos... Anos quê? Anos 10? Soa-me muito mal... Nem sequer é isso. Anos 20 é de 2020 a 2030. Anos 10
vá lá ainda se admite
é de 2010 a 2020. E de 2000 a 2010? Somos a década sem número e sem nome... Somos os anos perdidos... Seremos nós os 9 meses pré-natais de um novo século?
Geração perdida...
Todas as gerações são gerações perdidas. E todas se reencontram. Porque haveremos nós de ser diferentes?
E eu, assim, me manifesto e digo basta!
Declaro morte à triste comiseração geracional.
Ninguém se encontra antes de se perder. Como se pode encontrar uma coisa que já se tinha? Andar perdido será por ventura a melhor coisa da vida.
Durante um bocado.
Andar por aí.
Dar umas voltas.
Se eu souber para onde vou não vejo bem o caminho.
Não vejo a leve inflexão para o roxo daquele específico miosótis.
Quem vai todos os dias cheio de pressa para o sítio onde sabe que tem de ir não pode reparar com atenção no leve odor a manhã que escorre todos dias pelo parapeito da nossa janela.
Seja no campo ou seja na rua buliçosa da Cidade.
Quem sabe para onde vai só quer lá chegar. E só chegar não tem piada....
Lembremo-nos de que o Caminho será sempre aquele que nós quisermos que ele seja...
Viva à geração perdida!
Viva aos heróis da Revolução eternamente adiada!
“O quê?”, questiona o abade. “O quê?!”, repete incrédulo. “Você afirma que há a possibilidade dos Essénicos, magos na arte dos medicamentos naturais, pela mão de José de Arimateia ao Lhe dar de beber por uma esponja, ter adormecido o Cristo Redentor, explicando-se dessa forma o facto do Salvador ter perecido ao cabo de seis horas de cruxificação, quando o natural seriam três dias, evitando assim o triste destino de todos menos d’Ele, em que se partiam as pernas do condenado para acelerar o processo de asfixia???”; “Como???”, encoleriza-se o abade, “você tem o desplante de colocar a hipótese do Filho não ter morrido na cruz e que se calhar a razão pela qual não se encontrava no túmulo três dias depois, ser afinal a mais natural delas todas, ou seja, Fugiu???”. O abade estava fora de si perante tamanha heresia. “Seu... Seu... Seu... Como???”. Perdia-se o abade pelos férteis e infiéis terrenos das hipóteses destapadas pelas súbitas e indesejáveis conexões mentais que lhe importunavam e empalideciam os seus bem educados neurónios... “Como se atreve?”, continuou, “Como se atreve a afirmar que a Grande Religião se baseou numa história contada duzentos anos após a morte do Salvador, assente em documentos de origem pouco documentada e escritos não se sabe muito bem por quem, sob a égide de um Imperador de Roma que visava nada mais do que a manutenção do seu nada Secular Poder?”
“Sim”, responde Herético. “A Religião é o ópio do Povo”. “É o instrumento do controlo das massas...”
Quem sabe o que realmente se passou? A História é escrita pelos Vencedores e dos Vencidos não se Rezará...
O que somos nós se não a nossa História? Se não a conhecemos ou a colocamos em causa, quem seremos nós?
“O Futuro”, responde Herético, “Seremos o Futuro...”
E assim declaro por decreto surreal o Fim da História.
Somos a geração perdida. Reescreveremos a História. Daremos voz aos Vencidos. Decidiremos o Futuro. Todo o Futuro e não apenas aquele que os Anteriores decidiram por nós.
Seremos a Voz do Novo Mundo...
Não sei se em 1970 a geração estaria perdida. Sei que nos anos 90 estava rasca. Não faço a mínima ideia como está nos anos... Anos quê? Anos 10? Soa-me muito mal... Nem sequer é isso. Anos 20 é de 2020 a 2030. Anos 10
vá lá ainda se admite
é de 2010 a 2020. E de 2000 a 2010? Somos a década sem número e sem nome... Somos os anos perdidos... Seremos nós os 9 meses pré-natais de um novo século?
Geração perdida...
Todas as gerações são gerações perdidas. E todas se reencontram. Porque haveremos nós de ser diferentes?
E eu, assim, me manifesto e digo basta!
Declaro morte à triste comiseração geracional.
Ninguém se encontra antes de se perder. Como se pode encontrar uma coisa que já se tinha? Andar perdido será por ventura a melhor coisa da vida.
Durante um bocado.
Andar por aí.
Dar umas voltas.
Se eu souber para onde vou não vejo bem o caminho.
Não vejo a leve inflexão para o roxo daquele específico miosótis.
Quem vai todos os dias cheio de pressa para o sítio onde sabe que tem de ir não pode reparar com atenção no leve odor a manhã que escorre todos dias pelo parapeito da nossa janela.
Seja no campo ou seja na rua buliçosa da Cidade.
Quem sabe para onde vai só quer lá chegar. E só chegar não tem piada....
Lembremo-nos de que o Caminho será sempre aquele que nós quisermos que ele seja...
Viva à geração perdida!
Viva aos heróis da Revolução eternamente adiada!
“O quê?”, questiona o abade. “O quê?!”, repete incrédulo. “Você afirma que há a possibilidade dos Essénicos, magos na arte dos medicamentos naturais, pela mão de José de Arimateia ao Lhe dar de beber por uma esponja, ter adormecido o Cristo Redentor, explicando-se dessa forma o facto do Salvador ter perecido ao cabo de seis horas de cruxificação, quando o natural seriam três dias, evitando assim o triste destino de todos menos d’Ele, em que se partiam as pernas do condenado para acelerar o processo de asfixia???”; “Como???”, encoleriza-se o abade, “você tem o desplante de colocar a hipótese do Filho não ter morrido na cruz e que se calhar a razão pela qual não se encontrava no túmulo três dias depois, ser afinal a mais natural delas todas, ou seja, Fugiu???”. O abade estava fora de si perante tamanha heresia. “Seu... Seu... Seu... Como???”. Perdia-se o abade pelos férteis e infiéis terrenos das hipóteses destapadas pelas súbitas e indesejáveis conexões mentais que lhe importunavam e empalideciam os seus bem educados neurónios... “Como se atreve?”, continuou, “Como se atreve a afirmar que a Grande Religião se baseou numa história contada duzentos anos após a morte do Salvador, assente em documentos de origem pouco documentada e escritos não se sabe muito bem por quem, sob a égide de um Imperador de Roma que visava nada mais do que a manutenção do seu nada Secular Poder?”
“Sim”, responde Herético. “A Religião é o ópio do Povo”. “É o instrumento do controlo das massas...”
Quem sabe o que realmente se passou? A História é escrita pelos Vencedores e dos Vencidos não se Rezará...
O que somos nós se não a nossa História? Se não a conhecemos ou a colocamos em causa, quem seremos nós?
“O Futuro”, responde Herético, “Seremos o Futuro...”
E assim declaro por decreto surreal o Fim da História.
Somos a geração perdida. Reescreveremos a História. Daremos voz aos Vencidos. Decidiremos o Futuro. Todo o Futuro e não apenas aquele que os Anteriores decidiram por nós.
Seremos a Voz do Novo Mundo...
domingo, 3 de julho de 2005
quinta-feira, 22 de abril de 2004
quarta-feira, 14 de abril de 2004
OS MEIOS JUSTIFICAM OS FINS
À primeira vista este título está mal escrito
os fins justificam os meios – disse Niccolò Machiavelli
mas o objectivo é esse mesmo.
De facto há algo no mundo que está ao contrário. E não é este título.
Dinheiro. Guita. Pilim. Carcanhol. Tudo palavras que simbolizam algo com que todos nós lidamos e, mais, aprendemos a lidar desde novos
aquelas notas de 20 e 50 escudos de brincar que tive quando era novo
porque sem isso não se consegue interagir com o mundo.
Na realidade, não há mundo sem dinheiro. Pelo menos o mundo dos humanos.
Parece-me, portanto, importante que nos debrucemos, se queremos efectivamente analisar este nosso mundo, sobre a origem, a evolução e a problemática do dinheiro, ou melhor,
em linguagem económica
da moeda.
Se virmos bem a moeda não é mais do que um intermediário. Na verdade ela, por si só, não serve para absolutamente nada. Eu não posso comer moeda, não posso vestir moeda, não posso andar de moeda, não posso jogar à moeda,
por acaso jogar até posso
até mesmo oferecer moeda é uma coisa que não se faz.
A moeda só ganha importância quando nós percebemos que isto de andar a pagar umas quantas galinhas por mês a prestações para comprar um carro de bois não era muito eficaz...
Convencionou-se, e muito bem, um intermediário de trocas permitindo que nem eu, para adquirir o tal carro de bois, ficava sem ovos ao pequeno almoço, nem o anterior dono do carro ficava com ovos a mais.
Até aqui tudo bem. O que me parece digno de reflexão é o facto de que um intermediário que apenas foi criado para que as trocas, portanto o desenvolvimento social, fossem incrementadas se tenha, ao longo dos tempos, tornado no fim último da existência humana. E isso é que está ao contrário.
A moeda apareceu como um meio para alcançar um fim
a sobrevivência
mas hoje em dia representa um fim em si mesma. O altar máximo da sociedade humana.
Podemos argumentar que o dinheiro é que nos permite a sobrevivência. E é verdade. Mas só até um determinado ponto. E isto é importante porque consiste na principal diferença de hoje com o antigamente. Na realidade, para a maior parte de nós grande parte do dinheiro que gastamos, não o fazemos com a nossa sobrevivência, fazemo-lo para saciar necessidades que se podem considerar supérfluas.
Não estou a falar da casa e do carro mas de certa casa e de certo carro. Não estou a falar de elementos ou objectos fundamentais para o nosso funcionamento normal enquanto membros de uma sociedade assente na inovação tecnológica mas, sim, de certas coisas que todos nós temos e que se formos a ver bem vivíamos muito bem sem elas.
Aliás, sejamos honestos connosco próprios. O ser humano pode partilhar 98% do seu legado genético com um gorila mas não é nenhum idiota. Só tenta obter aquilo que lhe parece importante para a sua vida. A questão que se coloca então é qual a utilidade do marketing ou da publicidade mais agressiva? A única racionalização possível para a existência de campanhas publicitárias tão agressivas só poderá ser o facto de, na realidade, nós não precisarmos tanto desses produtos como eles nos fazem acreditar. Mensagens subliminares, imagens apelativas
o que é que uma mulher nua tem a haver com uma qualquer marca de champô?
que nos fazem acreditar que realmente necessitamos desesperadamente de um abridor de latas eléctrico porque isto de abrir latas à mão dá muito trabalho...
E sabem o que é mais engraçado? É que a maior parte destas coisas acabam numa qualquer gaveta, ou caixa, à espera de ser descoberta na próxima mudança. E quando esta chega perguntamo-nos para que é que raio queremos aquilo. Mas não deitamos fora. Não podemos. Custou-nos cinco contos...
Mas essa industria dá trabalho a muita gente e tal... É verdade. Mas a questão não é se o fabrico dos abridores eléctricos deste mundo dão muitos trabalhos a muita gente ou não. A questão é se os muitos trabalhadores deste mundo deveriam produzir abridores eléctricos ou não...
Que rumo deveríamos nós seguir? Que futuro queremos para nós? Essas é que são as questões importantes e que quase ninguém pensa nelas.
Levantamo-nos um dia e perguntamo-nos sobre o que queremos
uma casa, uma piscina, um carro grande, um barco
e chegamos à conclusão de que a única coisa de que temos de ter para ter essas coisas todas é muito dinheiro. E o pior é que a maioria das pessoas mata-se a trabalhar para ter isto e aquilo.
Endividam-se até aos cabelos, cobiçam aqueles que aparecem nos media com aquelas coisas que eles tanto querem, e que se calhar ainda estão mais endividados do que eles, e depois, quando conseguem ter qualquer coisa parecida com tudo aquilo que sonharam, reparam que se querem manter tudo aquilo que têm, não têm tempo para gozar o fruto do seu trabalho..
E entretanto os filhos crescem nas creches e dizem primeiras palavras como bola ou outra coisa qualquer que não tem rigorosamente nada a haver com papá ou mamã...
Isto para aqueles que têm sorte porque a maior parte das pessoas vai desta para melhor a sonhar com o que poderia ter tido se tivesse ganho o totoloto.
E depois ainda há aqueles que nem sonham porque tudo aquilo com que poderiam sonhar era apenas com um dia em que não passassem fome. E estes são biliões...
Eu não sou um contestatário do sistema.. Acredito piamente que a economia de mercado é o sistema que trouxe aos humanos o período de maior desenvolvimento e progresso. Quando um sistema funciona e dá problemas e estes não se resolvem o problema não é forçosamente do sistema. O problema é das pessoas. E até pode ser verdade que haja muita gente com muito dinheiro que faz por não resolver os problemas da sociedade porque isso não é bom negócio mas a triste realidade é que essas pessoas só têm dinheiro porque nós lhes compramos as coisas que eles vendem.
Quem tem o poder é o comprador. Ele é que decide que tem sucesso ou quem não tem. Ele é que decide que gastar recursos a fazer abridores de latas automáticos é uma boa ideia. Portanto se há problemas a culpa é nossa. De todos nós.
Na realidade, esta situação só acontece porque os meios justificam os fins. Porque o objectivo é a moeda, é o arrecadar o máximo que for possível.
Como tudo na vida, o dinheiro traz vantagens e desvantagens. As vantagens são permitir-nos alicerçar a sociedade tal como ela é hoje em tudo aquilo que traz de bom.
As desvantagens para mim reduzem-se a uma. É o conceito de utilidade marginal. A utilidade do dinheiro nunca acaba porque a única utilidade que tem é servir para tudo. Ora se o dinheiro serve para tudo então nunca é suficiente porque o ser humano quer sempre um bocado mais. E se é o dinheiro que me permite ter tudo então eu tenho de ter muito dinheiro.
Só que há outras coisas na vida.
E isto é que as pessoas tendem a esquecer-se.
Além do progresso material, do mundo das coisas, há o progresso espiritual. Há a forma como encaramos o mundo e as coisas. Como nos encaramos a nós próprios. Há o momento específico que nos fez rir. Há a forma como compreendemos o mundo, o sol e os planetas. Há as questões que gostaríamos de ver respondidas.
No fundo há os porquês. Os para ondes e os quandos. É isso mesmo... Há todas aquelas coisas que o dinheiro não consegue comprar.
Como eu disse, não sou um contestatário do sistema. Mas sonho com o dia em que os humanos tenham a coragem de olhar para nós próprios como um todo, assumam como fundamental a resolução dos nossos problemas e olhem para cima, contemplem as estrelas e o universo, e se comprometam a tentar compreender o que raio andamos nós aqui a fazer...
E já agora... Que os nossos filhos continuem a saber que o papá é mais importante que uma qualquer bola... Mesmo que ela seja do Benfica.
À primeira vista este título está mal escrito
os fins justificam os meios – disse Niccolò Machiavelli
mas o objectivo é esse mesmo.
De facto há algo no mundo que está ao contrário. E não é este título.
Dinheiro. Guita. Pilim. Carcanhol. Tudo palavras que simbolizam algo com que todos nós lidamos e, mais, aprendemos a lidar desde novos
aquelas notas de 20 e 50 escudos de brincar que tive quando era novo
porque sem isso não se consegue interagir com o mundo.
Na realidade, não há mundo sem dinheiro. Pelo menos o mundo dos humanos.
Parece-me, portanto, importante que nos debrucemos, se queremos efectivamente analisar este nosso mundo, sobre a origem, a evolução e a problemática do dinheiro, ou melhor,
em linguagem económica
da moeda.
Se virmos bem a moeda não é mais do que um intermediário. Na verdade ela, por si só, não serve para absolutamente nada. Eu não posso comer moeda, não posso vestir moeda, não posso andar de moeda, não posso jogar à moeda,
por acaso jogar até posso
até mesmo oferecer moeda é uma coisa que não se faz.
A moeda só ganha importância quando nós percebemos que isto de andar a pagar umas quantas galinhas por mês a prestações para comprar um carro de bois não era muito eficaz...
Convencionou-se, e muito bem, um intermediário de trocas permitindo que nem eu, para adquirir o tal carro de bois, ficava sem ovos ao pequeno almoço, nem o anterior dono do carro ficava com ovos a mais.
Até aqui tudo bem. O que me parece digno de reflexão é o facto de que um intermediário que apenas foi criado para que as trocas, portanto o desenvolvimento social, fossem incrementadas se tenha, ao longo dos tempos, tornado no fim último da existência humana. E isso é que está ao contrário.
A moeda apareceu como um meio para alcançar um fim
a sobrevivência
mas hoje em dia representa um fim em si mesma. O altar máximo da sociedade humana.
Podemos argumentar que o dinheiro é que nos permite a sobrevivência. E é verdade. Mas só até um determinado ponto. E isto é importante porque consiste na principal diferença de hoje com o antigamente. Na realidade, para a maior parte de nós grande parte do dinheiro que gastamos, não o fazemos com a nossa sobrevivência, fazemo-lo para saciar necessidades que se podem considerar supérfluas.
Não estou a falar da casa e do carro mas de certa casa e de certo carro. Não estou a falar de elementos ou objectos fundamentais para o nosso funcionamento normal enquanto membros de uma sociedade assente na inovação tecnológica mas, sim, de certas coisas que todos nós temos e que se formos a ver bem vivíamos muito bem sem elas.
Aliás, sejamos honestos connosco próprios. O ser humano pode partilhar 98% do seu legado genético com um gorila mas não é nenhum idiota. Só tenta obter aquilo que lhe parece importante para a sua vida. A questão que se coloca então é qual a utilidade do marketing ou da publicidade mais agressiva? A única racionalização possível para a existência de campanhas publicitárias tão agressivas só poderá ser o facto de, na realidade, nós não precisarmos tanto desses produtos como eles nos fazem acreditar. Mensagens subliminares, imagens apelativas
o que é que uma mulher nua tem a haver com uma qualquer marca de champô?
que nos fazem acreditar que realmente necessitamos desesperadamente de um abridor de latas eléctrico porque isto de abrir latas à mão dá muito trabalho...
E sabem o que é mais engraçado? É que a maior parte destas coisas acabam numa qualquer gaveta, ou caixa, à espera de ser descoberta na próxima mudança. E quando esta chega perguntamo-nos para que é que raio queremos aquilo. Mas não deitamos fora. Não podemos. Custou-nos cinco contos...
Mas essa industria dá trabalho a muita gente e tal... É verdade. Mas a questão não é se o fabrico dos abridores eléctricos deste mundo dão muitos trabalhos a muita gente ou não. A questão é se os muitos trabalhadores deste mundo deveriam produzir abridores eléctricos ou não...
Que rumo deveríamos nós seguir? Que futuro queremos para nós? Essas é que são as questões importantes e que quase ninguém pensa nelas.
Levantamo-nos um dia e perguntamo-nos sobre o que queremos
uma casa, uma piscina, um carro grande, um barco
e chegamos à conclusão de que a única coisa de que temos de ter para ter essas coisas todas é muito dinheiro. E o pior é que a maioria das pessoas mata-se a trabalhar para ter isto e aquilo.
Endividam-se até aos cabelos, cobiçam aqueles que aparecem nos media com aquelas coisas que eles tanto querem, e que se calhar ainda estão mais endividados do que eles, e depois, quando conseguem ter qualquer coisa parecida com tudo aquilo que sonharam, reparam que se querem manter tudo aquilo que têm, não têm tempo para gozar o fruto do seu trabalho..
E entretanto os filhos crescem nas creches e dizem primeiras palavras como bola ou outra coisa qualquer que não tem rigorosamente nada a haver com papá ou mamã...
Isto para aqueles que têm sorte porque a maior parte das pessoas vai desta para melhor a sonhar com o que poderia ter tido se tivesse ganho o totoloto.
E depois ainda há aqueles que nem sonham porque tudo aquilo com que poderiam sonhar era apenas com um dia em que não passassem fome. E estes são biliões...
Eu não sou um contestatário do sistema.. Acredito piamente que a economia de mercado é o sistema que trouxe aos humanos o período de maior desenvolvimento e progresso. Quando um sistema funciona e dá problemas e estes não se resolvem o problema não é forçosamente do sistema. O problema é das pessoas. E até pode ser verdade que haja muita gente com muito dinheiro que faz por não resolver os problemas da sociedade porque isso não é bom negócio mas a triste realidade é que essas pessoas só têm dinheiro porque nós lhes compramos as coisas que eles vendem.
Quem tem o poder é o comprador. Ele é que decide que tem sucesso ou quem não tem. Ele é que decide que gastar recursos a fazer abridores de latas automáticos é uma boa ideia. Portanto se há problemas a culpa é nossa. De todos nós.
Na realidade, esta situação só acontece porque os meios justificam os fins. Porque o objectivo é a moeda, é o arrecadar o máximo que for possível.
Como tudo na vida, o dinheiro traz vantagens e desvantagens. As vantagens são permitir-nos alicerçar a sociedade tal como ela é hoje em tudo aquilo que traz de bom.
As desvantagens para mim reduzem-se a uma. É o conceito de utilidade marginal. A utilidade do dinheiro nunca acaba porque a única utilidade que tem é servir para tudo. Ora se o dinheiro serve para tudo então nunca é suficiente porque o ser humano quer sempre um bocado mais. E se é o dinheiro que me permite ter tudo então eu tenho de ter muito dinheiro.
Só que há outras coisas na vida.
E isto é que as pessoas tendem a esquecer-se.
Além do progresso material, do mundo das coisas, há o progresso espiritual. Há a forma como encaramos o mundo e as coisas. Como nos encaramos a nós próprios. Há o momento específico que nos fez rir. Há a forma como compreendemos o mundo, o sol e os planetas. Há as questões que gostaríamos de ver respondidas.
No fundo há os porquês. Os para ondes e os quandos. É isso mesmo... Há todas aquelas coisas que o dinheiro não consegue comprar.
Como eu disse, não sou um contestatário do sistema. Mas sonho com o dia em que os humanos tenham a coragem de olhar para nós próprios como um todo, assumam como fundamental a resolução dos nossos problemas e olhem para cima, contemplem as estrelas e o universo, e se comprometam a tentar compreender o que raio andamos nós aqui a fazer...
E já agora... Que os nossos filhos continuem a saber que o papá é mais importante que uma qualquer bola... Mesmo que ela seja do Benfica.
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