OS MEIOS JUSTIFICAM OS FINS
À primeira vista este título está mal escrito
os fins justificam os meios – disse Niccolò Machiavelli
mas o objectivo é esse mesmo.
De facto há algo no mundo que está ao contrário. E não é este título.
Dinheiro. Guita. Pilim. Carcanhol. Tudo palavras que simbolizam algo com que todos nós lidamos e, mais, aprendemos a lidar desde novos
aquelas notas de 20 e 50 escudos de brincar que tive quando era novo
porque sem isso não se consegue interagir com o mundo.
Na realidade, não há mundo sem dinheiro. Pelo menos o mundo dos humanos.
Parece-me, portanto, importante que nos debrucemos, se queremos efectivamente analisar este nosso mundo, sobre a origem, a evolução e a problemática do dinheiro, ou melhor,
em linguagem económica
da moeda.
Se virmos bem a moeda não é mais do que um intermediário. Na verdade ela, por si só, não serve para absolutamente nada. Eu não posso comer moeda, não posso vestir moeda, não posso andar de moeda, não posso jogar à moeda,
por acaso jogar até posso
até mesmo oferecer moeda é uma coisa que não se faz.
A moeda só ganha importância quando nós percebemos que isto de andar a pagar umas quantas galinhas por mês a prestações para comprar um carro de bois não era muito eficaz...
Convencionou-se, e muito bem, um intermediário de trocas permitindo que nem eu, para adquirir o tal carro de bois, ficava sem ovos ao pequeno almoço, nem o anterior dono do carro ficava com ovos a mais.
Até aqui tudo bem. O que me parece digno de reflexão é o facto de que um intermediário que apenas foi criado para que as trocas, portanto o desenvolvimento social, fossem incrementadas se tenha, ao longo dos tempos, tornado no fim último da existência humana. E isso é que está ao contrário.
A moeda apareceu como um meio para alcançar um fim
a sobrevivência
mas hoje em dia representa um fim em si mesma. O altar máximo da sociedade humana.
Podemos argumentar que o dinheiro é que nos permite a sobrevivência. E é verdade. Mas só até um determinado ponto. E isto é importante porque consiste na principal diferença de hoje com o antigamente. Na realidade, para a maior parte de nós grande parte do dinheiro que gastamos, não o fazemos com a nossa sobrevivência, fazemo-lo para saciar necessidades que se podem considerar supérfluas.
Não estou a falar da casa e do carro mas de certa casa e de certo carro. Não estou a falar de elementos ou objectos fundamentais para o nosso funcionamento normal enquanto membros de uma sociedade assente na inovação tecnológica mas, sim, de certas coisas que todos nós temos e que se formos a ver bem vivíamos muito bem sem elas.
Aliás, sejamos honestos connosco próprios. O ser humano pode partilhar 98% do seu legado genético com um gorila mas não é nenhum idiota. Só tenta obter aquilo que lhe parece importante para a sua vida. A questão que se coloca então é qual a utilidade do marketing ou da publicidade mais agressiva? A única racionalização possível para a existência de campanhas publicitárias tão agressivas só poderá ser o facto de, na realidade, nós não precisarmos tanto desses produtos como eles nos fazem acreditar. Mensagens subliminares, imagens apelativas
o que é que uma mulher nua tem a haver com uma qualquer marca de champô?
que nos fazem acreditar que realmente necessitamos desesperadamente de um abridor de latas eléctrico porque isto de abrir latas à mão dá muito trabalho...
E sabem o que é mais engraçado? É que a maior parte destas coisas acabam numa qualquer gaveta, ou caixa, à espera de ser descoberta na próxima mudança. E quando esta chega perguntamo-nos para que é que raio queremos aquilo. Mas não deitamos fora. Não podemos. Custou-nos cinco contos...
Mas essa industria dá trabalho a muita gente e tal... É verdade. Mas a questão não é se o fabrico dos abridores eléctricos deste mundo dão muitos trabalhos a muita gente ou não. A questão é se os muitos trabalhadores deste mundo deveriam produzir abridores eléctricos ou não...
Que rumo deveríamos nós seguir? Que futuro queremos para nós? Essas é que são as questões importantes e que quase ninguém pensa nelas.
Levantamo-nos um dia e perguntamo-nos sobre o que queremos
uma casa, uma piscina, um carro grande, um barco
e chegamos à conclusão de que a única coisa de que temos de ter para ter essas coisas todas é muito dinheiro. E o pior é que a maioria das pessoas mata-se a trabalhar para ter isto e aquilo.
Endividam-se até aos cabelos, cobiçam aqueles que aparecem nos media com aquelas coisas que eles tanto querem, e que se calhar ainda estão mais endividados do que eles, e depois, quando conseguem ter qualquer coisa parecida com tudo aquilo que sonharam, reparam que se querem manter tudo aquilo que têm, não têm tempo para gozar o fruto do seu trabalho..
E entretanto os filhos crescem nas creches e dizem primeiras palavras como bola ou outra coisa qualquer que não tem rigorosamente nada a haver com papá ou mamã...
Isto para aqueles que têm sorte porque a maior parte das pessoas vai desta para melhor a sonhar com o que poderia ter tido se tivesse ganho o totoloto.
E depois ainda há aqueles que nem sonham porque tudo aquilo com que poderiam sonhar era apenas com um dia em que não passassem fome. E estes são biliões...
Eu não sou um contestatário do sistema.. Acredito piamente que a economia de mercado é o sistema que trouxe aos humanos o período de maior desenvolvimento e progresso. Quando um sistema funciona e dá problemas e estes não se resolvem o problema não é forçosamente do sistema. O problema é das pessoas. E até pode ser verdade que haja muita gente com muito dinheiro que faz por não resolver os problemas da sociedade porque isso não é bom negócio mas a triste realidade é que essas pessoas só têm dinheiro porque nós lhes compramos as coisas que eles vendem.
Quem tem o poder é o comprador. Ele é que decide que tem sucesso ou quem não tem. Ele é que decide que gastar recursos a fazer abridores de latas automáticos é uma boa ideia. Portanto se há problemas a culpa é nossa. De todos nós.
Na realidade, esta situação só acontece porque os meios justificam os fins. Porque o objectivo é a moeda, é o arrecadar o máximo que for possível.
Como tudo na vida, o dinheiro traz vantagens e desvantagens. As vantagens são permitir-nos alicerçar a sociedade tal como ela é hoje em tudo aquilo que traz de bom.
As desvantagens para mim reduzem-se a uma. É o conceito de utilidade marginal. A utilidade do dinheiro nunca acaba porque a única utilidade que tem é servir para tudo. Ora se o dinheiro serve para tudo então nunca é suficiente porque o ser humano quer sempre um bocado mais. E se é o dinheiro que me permite ter tudo então eu tenho de ter muito dinheiro.
Só que há outras coisas na vida.
E isto é que as pessoas tendem a esquecer-se.
Além do progresso material, do mundo das coisas, há o progresso espiritual. Há a forma como encaramos o mundo e as coisas. Como nos encaramos a nós próprios. Há o momento específico que nos fez rir. Há a forma como compreendemos o mundo, o sol e os planetas. Há as questões que gostaríamos de ver respondidas.
No fundo há os porquês. Os para ondes e os quandos. É isso mesmo... Há todas aquelas coisas que o dinheiro não consegue comprar.
Como eu disse, não sou um contestatário do sistema. Mas sonho com o dia em que os humanos tenham a coragem de olhar para nós próprios como um todo, assumam como fundamental a resolução dos nossos problemas e olhem para cima, contemplem as estrelas e o universo, e se comprometam a tentar compreender o que raio andamos nós aqui a fazer...
E já agora... Que os nossos filhos continuem a saber que o papá é mais importante que uma qualquer bola... Mesmo que ela seja do Benfica.
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