quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A PRISÃO

E o que sobra na sociedade "moderna" plena de "progresso" e de vazio valorativo para lá da egótica medida dos homens? Quando apenas a medida conta, a comparação do "meu é maior que o teu", então a chica-espertice impera: importa parecer grande; ser dá demasiado trabalho, faz perder tempo precioso à actividade do parecer e, muito importante, ser não implica parecer porque num mundo de parecenças, a sabedoria passa despercebida perante a assembleia da ignorância.

"Mas aquele habilidoso e desconfiado, que cometeu muitas injustiças e se tem na conta de pessoa cheia de aptidões e sábia, quando convive com os seus pares, revela a sua astúcia, examinando à distância os modelos que existem nele mesmo. Porém quando se aproxima de homens bons e já mais velhos, parece tolo, desconfiado, fora de propósito e desconhecedor do que seja um carácter são, por não ter em si o modelo respectivo. Mas como se encontra mais vezes com os maus do que com os bons, parece mais sábio do que ignorante, aos seus olhos e aos dos outros."
Platão, A República; 409d

E lá temos nós de os ouvir por essas televisões e rádios, cheios de si próprios, espalhados por essas assembleias, sempre de voz altiva e boca muito aberta, como os peixes num aquário à procura de alimento, sempre a debitar "opinião", sempre cheios de certezas e de soluções, sempre a exalar o fedor próprio da auto-volúpia, do narcisismo e da mais simples e pura estupidez. Ignóbil sacrifício este de ter de os aturar! Passados todos estes anos  - dois mil e quinhentos, quase -  cá continuamos: na mesma como a lesma; uma prisão, portanto.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

AUTO-SEGURANÇA

No meio do caos, embebidos num risco permanente (só o morto não se arrisca a morrer) o desprendimento será a única forma de auto-segurança: só o desprendido poderá arriscar; e o amor, perguntarão vocês? Bem, o amor não vem apenas de dentro por isso, a dar segurança, não poderá ser auto.

MACGYVER GETS LAZY














Daqui.

OS POLÍTICOS E O ESTADISTA

Sinto a necessidade, e já vem tarde, de justificar a súbita, se bem que previsível, aparição daquela fotografia ali no topo da barra do lado direito do blog: sim, eu apoio o Professor Cavaco Silva. E se me quiserem ler até explico porquê. Existirão, na minha perspectiva, dois rótulos com que podemos epitetar as personagens do jogo político. Em primeiro lugar, serão os políticos. O político é alguém que se distingue por ter a capacidade de iludir a realidade antes de ele próprio se desiludir com ela. Será, portanto, um vendedor de sonhos, um progressista, um semeador de ilusões: o político assume um conhecimento (que não tem) do futuro  e entusiasma os restantes com a discrição de algo que não existe (o amanhã). Naturalmente, quando o amanhã, com todas as suas incertezas e na sua plena complexidade chega tende a ser diferente do rudimentar sonho do político. Com toda a naturalidade, desmentido pela realidade, após gastos inauditos num sonho por concretizar, sobra ao político culpar (quem?) , o mundo, pois claro. Destes temos aos pontapés: e por isso estamos como estamos. A outra categoria de personagem política é o Estadista. O Estadista distingue-se por ter a capacidade de não se iludir por sonhos descabidos e, ao contrário do político, não pretende iludir ninguém porque já está ele próprio, o Estadista, desiludido com a realidade. Ele não pretende conhecer, ele conhece. Ele não faz crer que compreende; ele compreende, de facto. Porque sabe que a realidade é complexa compreende que não pode mudar tudo o que imaginaria poder ser mudado e, por esta singela razão, consciente das suas naturais humanas limitações, pretende apenas contribuir para que as pessoas, através de correctas e simples medidas, possam genericamente viver melhor. É um conservador, portanto: a vida já é complicada o suficiente para que um qualquer vendedor de sonhos a complique ainda mais. Do político progressista sobra, normalmente, um declínio no nível de vida e uma dívida que alguém terá de pagar; do Estadista deriva, normalmente, uma melhoria generalizada das condições de vida. E que se poderá pedir mais a uma personagem da política se não que contribua para que aqueles que o elegeram vivessem melhor? Em Portugal, políticos tivemos e temos muitos; Estadistas, tivemos poucos e vivos só temos um. Apenas o Professor Cavaco Silva conseguiu fazer com que, com muitos erros e defeitos, certamente, após a sua passagem pelo Governo as condições de vida, a saúde financeira e económica do país e o bem-estar económico e social conhecessem verdadeira e factual melhoria. E, neste caso, uma melhoria abissal. É, efectivamente, um Estadista, alguém em que eu consigo confiar. Apesar de ter desejado um primeiro mandato mais interventivo, entre o que aqui se descreve e os dois ou três semeadores de sonhos contradizentes a cada semana que passa que se lhe opõem, a escolha não se me afigura difícil; nada difícil, diria mesmo óbvia.

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Shivaree, "Goodnight Moon", I Ought Give You a Shot in the Head fos Making me Live in This Dump (1999)

CONFUSÃO DENTÁRIA

Não sei quantos dentes, entre os caninos e os incisivos, existirão na parte da frente da boca humana mas sei que o Sr. António da drogaria só tem um. Imagino que a um ancião dos seus oitenta anos não se exijam grandes preocupações estéticas. O que me faz confusão é pensar no Sr. António e num bife; ou uma torrada de pão alentejano, vá lá. Isso é que me faz confusão.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O SENTIDO DA VIDA

Não sei bem como começar esta história. Não sou escritor, pelo que penso que não saberei escrevê-la de forma conveniente. Para piorar ainda mais o nível de dificuldade da tarefa apesar do indelével interesse da mesma não sei bem como apresentar a história que vos quero contar. Há histórias que são inventadas e as pessoas gostam, imploram mesmo para as ouvirem por mais de uma vez – ai Adérito, conta lá ao Júlio como foi daquela vez que estiveste em Barcelona. Outras são meramente relatos fidedignos e, por essa estrita razão, assumem-se como mais um pequeno pixel na pastosa massa que compreende a nossa realidade. Nada de especial, a realidade, seja ela tida como mágica ou mero espasmo temporal, a verdade é que é real – igual para todos., portanto banal. Que há de especial então que mereça ser contado? Não sei responder a tal questão, no entanto, por vezes, não haverá maior sucesso ao contar uma história do que a mais fina certeza da sua veracidade: - garanto-te que foi assim mesmo que se passou, dirá o narrador ufano do seu feito de contador de histórias, e o pasmo será geral, precisamente porque se assegura a veracidade do relato que se apresenta. No presente caso, a história que pretendo contar será, por um lado uma invenção da minha mente, porque tudo o que penso não deixo de, até certo ponto, inventar. Por outro lado, porque sei que é real, então a história também o será. Uma invenção real, portanto. Como definir a história então? Por ventura poderei começar por afirmar que é uma grandessíssima merda. É melhor assumi-lo já. Uma poia contada. Uma bosta verbal veiculada por quem não tem nada melhor do que fazer do que aborrecer alguém com um pedaço insignificante da sua desinteressante vida pessoal. É assim a solidão. Até um pedaço de presunto que se alojou na cova de um dente durante três irritantes dias se torna motivo de conversa. Então, como vai, perguntou ele - o velho – em tom apressado, próprio de quem apenas assegura o cumprimento de uma obrigação social; ai, Sr. Castelo – disse a velha -, nem queira saber – e não quer mesmo – a ciática não me larga e – agarra-lhe o braço – agora com a mudança do tempo está pior, insuportável, sou uma desgraçada da vida, que terrível coisa esta, apenas estou para aqui à espera que a terra se abra e me engula por ela adentro, pelo magma do manto até ao núcleo de ferro, arderei no Quinto dos infernos, arderei – quero ser cremada, sabia? – arderei até não haver mais nada por onde arder. É uma história também. Uma história que ninguém quer ouvir. A solidão dos homens faz-se plena de histórias que ninguém quer ouvir. Por essa razão, não sei sequer porque quero eu contar a história que quero contar e que, por ventura, ninguém quererá ouvir. Talvez porque, penso eu, esta história, apesar de ser uma merda, é uma merda linda. Perfumada, perguntarão vocês? Também. Se um perfume é cheiroso ou não será uma matéria de subjectiva opinião. Mas é uma merda linda, mais do que perfumada, é bonita. Intensa. Estruturalmente bem feita. Uma merda mas uma merda perfeita. Não deixa de ser uma merda, atenção; é simplesmente a merda mais extraordinária do mundo. Talvez a verdadeira razão por detrás de tal vontade contadora de histórias seja o facto desta história encerrar dentro de si própria o mais profundo e desejado tesouro que a humanidade , desde sempre, procurou. Como assim?! Um tesouro? – acenas com um tesouro e todos te seguirão, disse o Sr. Laurentino -  exacto, respondo eu: encerra a história que vos vou contar o segredo para a compreensão do sentido da vida. Não pode ser, isso é impossível, ninguém sabe com toda a certeza qual o sentido da vida, dirão vocês. Bem, responderei eu, quem ler a minha história, lê-la bem, mesmo bem, ficará a saber qual o sentido da vida. Ah, conta, então – o marqueting faz sempre efeito – por favor elucida-nos com a tua suprema sapiência. Ora, pois com certeza. Então a história reza assim: [voltar ao início]