terça-feira, 27 de dezembro de 2011
2012
No Alentejo a rede é reduzida e, por essa singela razão, neste final de ano a produção desblogueada reduziu-se em grande escala fazendo com que, pela primeira vez em cinco anos, no final do ano haja menos posts do que no final do ano anterior. De qualquer forma, o prazer em manter este blog mantém-se inalterável e, unicamente por essa razão, na ausência de algo extraordinário, para o ano cá continuaremos. Desejo a todos os que me lêem um 2012 em grande e com, esperemos, mais motivos para sorrir do que para desesperar. Até para o ano.
POUPANÇA EM TEMPOS DE CRISE
Para ter uma ligação de televisão por cabo - cheia de canais desinteressantes, dos quais, na maior parte, nem sequer o nosso olhar lá passa e quando passa é para ver séries desconchavadas ou desactualizadas - acompanhada de acesso à internet com uma velocidade decente e capacidade ilimitada de downloads para que, de facto, se possa ter acesso à produção televisiva de jeito que se faz por esse mundo fora, fica-nos a instalação gratuita e uma mensalidade na ordem dos 50€ por mês (onde se inclui uma ligação telefónica de rede fixa). Abdicando da televisão por cabo, adquirindo uma antena por 30€, fica-se com os quatro canais gratuitamente e por apenas 19€ por mês tem-se a tal internet que nos liga à cultura decente que por esse mundo é transmitida (e ainda se mantém o tal telefone de rede fixa). É uma poupança de quase 400€ anuais. Para os mais aguerridos do zapping, investe-se cerca de 80€ num prato-antena e, mais uma vez, fica-se com acesso gratuito a todos os canais por satélites de sinal aberto, por exemplo o ASTRA onde se incluem coisas como o Eurosport, a CNN ou a SKY News. Ao caminho da libertação do lixo com que nos inundam a mente ainda se soma a satisfação de passar pelos Oliveirinhas da vida e, de dedo do meio bem estendido, gritar bem alto: daqui vocês não levam nada.
REVOLUÇÃO TRANQUILA
A grande vantagem de nos revoltarmos contra a prepotência e a incompetência das operadoras de cabo recusando os seus serviços e limitando-nos a uma antena que nos oferece os quatro canais é, precisamente, perceber que os outros canais, e estes também, não fazem assim tanta falta. Mas tu queres ver que há uma data de coisas que assumimos como fundamentais que não são assim tão importantes?: é a pergunta que fará tremer o mundo.
OS GUARDIÕES DO INFERNO
Quando vejo as imagens televisivas dos lares de idosos repletos de seres humanos que, na sua desgraça, já apenas esperam, inunda-me uma tristeza e uma revolta: tristeza, por aquele destino trágico que, sendo agora o deles, não deixará também de, daqui a uns anos, ser o de todos nós que lá chegarmos; revolta, por aquela gente que não respeita nada nem ninguém, nem mesmo aqueles que lhes deram a vida; são esses os verdadeiros inimigos da sociedade: os guardiões do Inferno. Talvez tenham o mesmo destino.
A CEGUEIRA NATALÍCIA
Apressados, decididos e orgulhosos os consumidores acumulam sacos e saquinhos pintados com as cores que agora, inadvertidamente, na sua pressa, na sua decisão e no seu orgulho, ostentam e publicitam, tal como um outdoor de dois por dois, o orgulho, a decisão e a pressa que os senhores do mundo têm em vender mais pressa, mais decisão e mais orgulho: é a modernidade. No entanto, mal sabem eles, os consumidores ávidos da novidade, que a sua pressa, a sua decisão e o seu orgulho derivam apenas da sua ignorância de que a pressa é inútil, a decisão uma ilusão e o orgulho uma vergonha. Só falta darem uns high five's valentes e sorridentes nas mãos calejadas e envelhecidas que, do chão, embrulhadas em velhos cobertores esburacados, se lhes estendem numa súplica desprezada: a ignorância, acima de tudo, é cega.
NÃO LUGAR
Numa certa deambulação natalícia, dei por mim à porta das nossas memórias e por entre a tristeza constatei o óbvio: o cemitério é o sítio onde os mortos também não estão.
PORTUGALIDADE
Como Português eu sou mais europeu do que africano, mais europeu do que asiático e mais europeu do que sul ou norte-americano; no entanto, como Português, sou também africano, asiático e americano. E isto os bárbaros do norte da europa não sabem nem conseguem perceber o que é.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
A FOLIA DO CAOS
Comecei, juntamente com os meus dilectos amigos Francisco Corboz e Francisco Felizol, um novo projecto bloguista, de seu nome A Folia do Caos, e por ali andaremos a passear por terras mais ou menos ligadas à filosofia.
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
RUIVO, O ANTIGO
Ao subir a Rua da Atalaia, três crianças ocupavam-se a dar chutos mais ou menos acrobáticos numa bola meio cheia rumo a uma baliza imaginária. Dada a excitação e a energia, a brincadeira não durava certamente há muito. Um, mais baixo, ruivo e com o cabelo áspero e grosso, acerca-se da bola e numa pirueta mais afoita, pontapeia-a imaginando, decerto, um dos ângulos superiores da dita baliza; no entanto, contrariamente aos seus intentos, o pé acerta mal no esférico e a bola ao invés de subir vertiginosamente rumo ao indefensável ponto idealizado, acaba por, numa rosca, rodopiar sobre si própria e mal sair do sítio de onde estava. O autor do remate, encavacado, ferido no orgulho, assume com coragem "Xiiiii que mal...", e abdica voluntariamente, por força do seu desaire, de disputar a próxima jogada. Um dos outros dois, apropria-se da bola, chuta com maior eficácia do que a do ruivo e, após o golo celebrado com a camisola por cima da cabeça, pergunta, a suar e arfando da excitação, ao terceiro elemento da troika futebolística: "Tu és o Messi, não é?". Já o outro, quase ofendido, responde-lhe que não, não é o Messi mas sim o Ronaldo. "Ah, okai... Então sou eu o Messi" decidiu o goleador. Nesse momento tanto o Ronaldo como o Messi voltam-se para o ruivo que, à parte, se mantinha calado, como que sem identidade. "E tu quem és?", perguntou-lhe o Ronaldo. "Eu?", começou ele para ganhar tempo. "Eu... eu sou o Ronaldinho". E num assomo de dignidade acrescentou: "mas o antigo", como quem dissesse 'o dos velhos tempos'. E dessa forma astuta saiu ele da impossibilidade de partilhar o trono da glória futebolística contemporânea onde, fruto da realidade empírica, apenas havia espaço para dois. Escolhendo o antigo, escolheu outro tempo e, fora do tempo, já não tinha de partilhar a glória com ninguém. Confiante, Ruivo, o antigo, correu para a bola e, disputando o próximo lance com a galhardia dos invencíveis, jurou para sim mesmo que no próximo remate não voltaria a falhar.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
A NECESSIDADE DA CRENÇA
"A fé da bem-aventurança. A virtude só dá felicidade e uma espécie de bem aventurança àqueles que têm fé na sua própria virtude, mas não àquelas almas mais subtis, cuja virtude consiste numa profunda desconfiança de si próprias e de toda a virtude. Donde, afinal, também aqui «a fé dá bem-aventurança» - e não a virtude, note-se bem!"
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência (1882)
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência (1882)
CLASSE
"As mal sucedidas. O sucesso falha sempre àquelas pobres mulheres que se mostram inquietas e inseguras e que falam demasiado em presença daquele que amam. Pois aquilo que seguramente mais seduz os homens é uma certa ternura discreta e fleumática."
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência (1882)
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência (1882)
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
LA FLORIESTA NEGRA
- És uma raposa velha...
- Raposa velha? Qual quê... raposa antiga.
Rimos. O táxi continuou a rolar pelas ruas de macadame rumo ao Largo do Caldas. Entretanto, uma dúvida assaltou-me: - Mas... diz-me: fizeste a tropa nos states?
- Fiz, pois - respondeu ele com prontidão e, mantendo aquela ponta de gozo que caracterizava o seu discurso, não deixou de escapar a um certo orgulho que conferia maior seriedade àquela afirmação.
Interessei-me definitivamente pela questão: - Ah foi? Em que especialidade? - indaguei.
- Em minas... reconhecimento de minas - respondeu. Exprimi a minha admiração e, talvez por assaltar-me a dúvida quanto à veracidade de tais afirmações permaneci calado. O motorista, atento e curioso, resolveu entrar na conversa: - Então e fazia o quê? - perguntou ele enquanto fazia uma curva mais apertada.
- Ia lá... e púnhamos uns identificadores nos lugares que nos mandavam para os aviões irem lá depois bombardear - esclareceu.
Pareceu-me demasiada acção para um recruta.
- Mas falas de bombas tu? Fizeste alguma operação especial? - perguntei antecipando uma negativa.
Pareceu-me demasiada acção para um recruta.
- Mas falas de bombas tu? Fizeste alguma operação especial? - perguntei antecipando uma negativa.
- Fiz pois - afirmou ele com toda a naturalidade; e acrescentou: - A do Noriega.
- Estás a gozar... Tu participaste na deposição do Noriega?? - perguntei incrédulo. Imediatamente, pleno de satisfação orgulhosa e como se fosse a coisa mais natural do mundo, declarou: - Claro.
Ri-me e calei-me. Como se a minha reacção denotasse algum cepticismo, passados uns segundos acrescentou: - Posso dizer-te o nome de código e tudo.
Ri-me e calei-me. Como se a minha reacção denotasse algum cepticismo, passados uns segundos acrescentou: - Posso dizer-te o nome de código e tudo.
Fiquei curioso: - Qual era?
- La floriesta negra.
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