terça-feira, 6 de dezembro de 2011

RUIVO, O ANTIGO

Ao subir a Rua da Atalaia, três crianças ocupavam-se a dar chutos mais ou menos acrobáticos numa bola meio cheia rumo a uma baliza imaginária. Dada a excitação e a energia, a brincadeira não durava certamente há muito. Um, mais baixo, ruivo e com o cabelo áspero e grosso, acerca-se da bola e numa pirueta mais afoita, pontapeia-a imaginando, decerto, um dos ângulos superiores da dita baliza; no entanto, contrariamente aos seus intentos, o pé acerta mal no esférico e a bola ao invés de subir vertiginosamente rumo ao indefensável ponto idealizado, acaba por, numa rosca, rodopiar sobre si própria e mal sair do sítio de onde estava. O autor do remate, encavacado, ferido no orgulho, assume com coragem "Xiiiii que mal...", e abdica voluntariamente, por força do seu desaire, de disputar a próxima jogada. Um dos outros dois, apropria-se da bola, chuta com maior eficácia do que a do ruivo e, após o golo celebrado com a camisola por cima da cabeça, pergunta, a suar e arfando da excitação, ao terceiro elemento da troika futebolística: "Tu és o Messi, não é?". Já o outro, quase ofendido, responde-lhe que não, não é o Messi mas sim o Ronaldo. "Ah, okai... Então sou eu o Messi" decidiu o goleador. Nesse momento tanto o Ronaldo como o Messi voltam-se para o ruivo que, à parte, se mantinha calado, como que sem identidade. "E tu quem és?", perguntou-lhe o Ronaldo. "Eu?", começou ele para ganhar tempo. "Eu... eu sou o Ronaldinho". E num assomo de dignidade acrescentou: "mas o antigo", como quem dissesse 'o dos velhos tempos'. E dessa forma astuta saiu ele da impossibilidade de partilhar o trono da glória futebolística contemporânea onde, fruto da realidade empírica, apenas havia espaço para dois. Escolhendo o antigo, escolheu outro tempo e, fora do tempo, já não tinha de partilhar a glória com ninguém. Confiante, Ruivo, o antigo, correu para a bola e, disputando o próximo lance com a galhardia dos invencíveis, jurou para sim mesmo que no próximo remate não voltaria a falhar.

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