quarta-feira, 5 de outubro de 2011
A IDENTIDADE E A LIBERDADE (LUSITANA)
Hoje Portugal faz oitocentos e sessenta e oito anos de vida. Pelo caminho ficou o árduo processo de independência e a luta pela preservação da nossa liberdade. Que liberdade era esta? Era a liberdade de sermos Portugueses e não sermos forçados a ser outra coisa além disso, qualquer que seja o significado disso e qualquer que fosse o significado de ser essa estranha outra coisa que não fosse sermos Portugueses. Sermos livres seria, portanto, termos a possibilidade de sermos aquilo que já éramos: a manutenção de uma identidade e a recusa de uma outra identidade que outros pretendiam impor. A nossa liberdade vertida na sagaz e corajosa luta pela independência face aos invasores era, e outra coisa não poderia deixar de ser, a manifestação de um desejo profundo de manter um determinado modo de vida, alicerçado numa língua e numa cultura, que se entendia como distinto, único e auto-determinado - para utilizar um linguarajar modernista -; tínhamos, portanto, o direito a existir como uma comunidade livre e independente e por esse auto-intitulado direito nos batemos e - provavelmente - graças a essa força fomos vencedores. Ainda hoje a liberdade é, e sempre será, a capacidade de se ser aquilo que se é: a tal manutenção de uma determinada identidade. Claro está que num mundo onde a superficialidade impera, analisar as impenetráveis funduras do espírito humano em busca de uma identidade é objecto raro e que passa despercebido: hoje a identidade é o estilo de roupa, o penteado, os acessórios, o automóvel ou a orientação sexual; a liberdade é, por consequência, o poder vestir, falar e fornicar como a cada um lhe apetecer. Felizmente, tal como os quilos de antidepressivos vendidos todos os anos demonstram, a identidade humana é bem mais fecunda do que os modernistas progressistas igualitários ávidos de transformar o Homem numa única raça, com um género indistinto e cheio de iguais direitos nos querem fazer acreditar. Não somos, de facto, todos iguais; pelo contrário: somos todos diferentes. E é dessa diferença, da desigualdade portanto, que deriva a nossa capacidade de podermos ser quem somos. O progresso superficial que igualiza a espessura identitária à finura bidimensional de um rectângulo de pixéis pode ser o corolário evidente de um processo de harmonização das diferenças identitárias num mundo globalizado, no entanto, porque é ele próprio um processo superficial, nunca poderá dar resposta aos maiores anseios das profundezas da vontade humana sendo que estes anseios, estarão, como sempre, intrinsecamente ligados à identidade ontológica de cada um. Vivemos num mundo que não se questiona e não busca dentro de si próprio a primordial questão da identidade porque se preocupa a fazer de conta que essa profundidade é igual para todos: somos diferentes por fora (cada um com o seu brinco ou o com seu boné) mas somos todos iguais por dentro. Não há culturas: há uma multicultura. E é essa a essência totalitária do igualitarismo multiculturalista: ao deixar-nos meramente parecer aos olhos dos outros o que nos apetecer impede-nos de sermos de facto aquilo que somos - intrinsecamente diferentes - porque da celebração da multicultura vem a homogeneização identitária: somos todos iguais. O problema é que isto não é verdade e nada demonstra melhor a celebração da diferença identitária do que a raça, a geografia ou, no nosso caso: a fronteira entre Portugal e Espanha. Os Portugueses são diferentes dos Espanhóis e foi em nome da manutenção dessa heteronomia que lutaram pela sua independência. A nossa independência é uma manifestação de liberdade porque nos permitiu continuar a ser Portugueses e não nos transformou em Espanhóis, algo que não seria coerente porque, para os Portugueses, ser Português e ser Espanhol não é a mesma coisa. A luta pela nossa nação é, portanto a luta pela nossa identidade, algo que apesar de ser único a cada um, nos aproxima uns dos outros com maior profundidade do que outros mais distantes e menos ligados: ser Português é um laço identitário de uma comunidade de pessoas que se distinguem das demais. Por estas razões todas, os países celebram o seu aniversário tal como as pessoas exultam com mais uma volta do planeta em volta do Sol. Nestas alturas difíceis, de falência e desespero, de tristezas e apertos, lembrarmos o nosso passado comum assente numa identidade milenar que desde os Lusitanos até aos dias de hoje partilha e vive uma comunidade seria uma grande mais valia. No entanto - e infelizmente - vivemos os estertores finais do pós-marxismo onde o igualitarismo multicultural não nos permite isso porque isso seria a selagem do seu próprio falhanço. Um mundo internacional, multicultural, transgenérico e igual, a mecanização harmónica e perfeita, o velho sonho racionalista dos progressistas, não lida bem com o caos desorganizado da muitas vezes paradoxal confrontação das diferentes identidades; o velho mundo marxista não funciona na realidade da complexa profundidade humana. e por essa razão tentam tranformar-nos num novo Homem. Não serão bem sucedidos porque o homem é o que é; no entanto dessa tentativa pode bem resultar a destruição da nossa sociedade comunitária. Que país não celebra o seu aniversário?, é a questão que sobra. E a resposta é: um país milenar que, no melhor exemplo da autodestruição politicamente correcta Europeia, soçobra face aos boçais cantos das sereias populistas da extrema esquerda: cantam os nosso políticos ufanos de cravo ao peito as maiores hossanas à liberdade quando no dia em que se celebra o nascimento do nosso país, ou seja aquilo que nos permite vivermos como somos, em liberdade portanto, se calam revelando os ignorantes que realmente são. Não há maior exemplo da estúpida decadência nacional do que o cinco de Outubro. Malditos sejam.
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Nao concordo mas tambem ja nao te deve estranhar assim tanto :) Sera que podes mesmo dizer que os Portugueses sao diferentes dos Espanhois? Em que se baseia essa diferenca? Sendo o Homem fruto e resultado da envolvente que o rodeia (tb genetico eh verdade mas a genetica, supostamente, da-te o potencial nao o "resultado final"), nao sera essa diferenca algo fabricado a posteriori? Nao sera essa diferenca uma consequencia e nao uma causa? Uma artificialidade, uma etiqueta? E de volta aos Espanhois, e que dizer de alguem, filho de pais espanhois, que nasce em Portugal... sera ele Portugues ou Espanhol?
ResponderExcluirContinua a agitar as aguas.
Abraco, Fred (agora de HK)
A minha bisavó era espanhola, a minha avó angolana, os meus antepassados Oliveira, Nogueira e Silva outrora judeus. Afinal o que sou eu? Não tenho a liberdade de escolher ser livre de qualquer nacionalismo, europeísmo, multiculturalismo ou globalismo. Nasci em Portugal e isso faz de mim portuguesa, está na lei. Agora uma portuguesa menos ignorante, pois julgava que o dia de Portugal era a 10 de Junho.
ResponderExcluirbjs
Dois pontos: não sei quantificar as diferenças entre Portugueses e Espanhóis mas é indiferente pois o ponto que pretendia evidenciar é que há diferenças culturais, esbatidas ao longo de fronteiras é certo, mas existentes. A questão não é tanto a diferença luso-castelhana mas a noção de que a nacionalidade, espelhando (no nosso caso) uma comunidade já milenar, é um espaço de liberdade para essa mesmo comunidade e que o esbater dessa noção está ligado ao multiculturalismo igualitário que por aí grassa. Ao mesmo tempo, parece-me nocivo porque afasta-nos de compreendermos quem somos.
ResponderExcluirSegundo ponto: um espaço de nacionalidade é um espaço ocupado por muitas pessoas diferentes e que nas suas diferenças habitam esse determinado espaço comum. A questão aqui não é serem todos iguais na sua identidade mas precisamente o facto de nas suas diferenças partilharem as suas identidades. Ou seja: não faço ideia o que interessa os avós, os pais ou o periquito de cada um, mas sim o facto de hoje todos habitarmos esta casa (que os antepassados criaram) e que faz anos a 5 de Outubro. Quem não se identifica com isso, problema deles, eu identifico-me, considero-os meus antepassados e não sei quando aqui cheguei, se no início, se mais para o fim.
Uma nota: o dia de Portugal é o 10 de Junho, o 5 de Outubro é o aniversário do Tratado de Zamora, data das fundação do Reino de Portugal e uma data da qual ninguém tem conhecimento. Esse desconhecimento era precisamente a razão de ser deste texto.
Abraços e beijinhos
O meu ponto e esta necessidade que as pessoas tem de querer ser diferentes, sendo iguais... ou mesmo vice-versa. Tu identificas-te como um Portugues e fazes isso por oposicao a algo, por oposicao ao nao ser Portugues. Para te afirmares, para te distinguires dos demais. No entanto, e uma vez Portugues, identificar-te-as ainda com outros sub-grupos como Benfiquista, Social-Democrata, Lisboeta entre tantos outros. Ou seja, todas estas etiquetas surgem sempre numa logica de 1)igualdade perante semelhantes e 2)de diferenca perante contrarios ou outros; quando, na essencia, vimos todos do mesmo lugar (do espaco) e somos todos feitos da mesma materia (estrelas). Poderemos, talvez, ser diferentes manifestacoes de uma mesma energia mas eu nao acredito que sejamos assim tao diferentes como gostamos de pensar.
ResponderExcluirQuanto aos antepassados parece-me correcto teres orgulho nos seus feitos (ou aqueles que merecem esse orgulho), mas assim como me parece correcto teres orgulho nos feitos de muitas outras pessoas, teus "semelhantes" ou nao. O ponto aqui e, nao e por serem compatriotas que devemos ter orgulho ou nao... recordo Vale e Azevedo por exemplo... portugues, benfiquista, social democrata e lisboeta entre tantas outras etiquetas.
O tempo dar-me-a razao. Daqui a 10-20 anos, de Portugues passaras a Terraqueo e antes seras ainda Europeu. Espera pelos outros ET. :)
Abraco, Fred
lol
ResponderExcluiruma coisa não invalida a outra
abraço