"De certa forma, dava a impressão de que a quinta enriquecera sem que os próprios animais tivessem enriquecido - exceptuando, é claro, os porcos e os cães. Talvez isto se devesse, em parte, ao facto de haver tantos porcos e tantos cães. Não é que estes bichos não trabalhassem, à sua maneira. Tal como Tagarela nunca se cansava de vincar, supervisionar e organizar a quinta representava um trabalho infindável. Grande parte deste trabalho consistia em tarefas que os outros animais eram demasiado ignorantes para compreender. Tagarela explicou-lhes, por exemplo, que os porcos tinham de labutar todos os dias para completar coisas misteriosas chamadas «arquivos» e «memorandos». Tratava-se de grandes folhas de papel que era preciso preencher minuciosamente com palavras manuscritas, e, mal essa tarefa ficava concluída, era necessário queimá-las na fornalha. Isto revestia-se da maior importância para o bem-estar da quinta, declarou Tagarela. Ainda assim, nem os porcos nem os cães produziam qualquer comida pelo seu próprio esforço; e, sendo muito numerosos, tinham um apetite sempre voraz.
Quanto aos restantes, a sua existência, tanto quanto se davam conta, era semelhante ao que sempre fora: andavam geralmente esfomeados, dormiam na palha, bebiam água da lagoa e trabalhavam nos campos; de Inverno sofriam com o frio, de Verão, com as moscas. Por vezes, os mais velhos vasculhavam as suas vagas memórias e tentavam perceber se nos primeiros tempos da Rebelião, quando a expulsão do Reis era ainda um acontecimento recente, a vida fora melhor ou pior do que agora. Não se conseguiam lembrar. Nada tinham que pudesse servir de termo de comparação com as suas vidas actuais; apenas podiam basear-se nas listas de números de Tagarela, que, invariavelmente, demonstravam que tudo estava a correr cada vez melhor. Tratava-se de um problema insolúvel, parecia-lhes; fosse como fosse, tinham agora pouco tempo para dedicar a tais devaneios. Apenas o velho Benjamim garantia recordar-se de todos os pormenores da sua longa existência e saber que as coisas nunca tinham sido, nem nunca poderiam vir a ser, muito melhores nem muito piores - fome, privações e desapontamentos constituíam, dizia ele, a lei imutável da vida."
George Orwell, A Quinta dos Animais, Antígona, 2008; pp. 123-4
terça-feira, 29 de junho de 2010
quarta-feira, 23 de junho de 2010
sexta-feira, 18 de junho de 2010
JOSÉ SARAMAGO (1922 - 2010)
Um dos maiores Portugueses: polémico, amado ou odiado, louvado e criticado. Escritor ímpar reconhecido mundialmente; lúcido, inteligente, irónico e implacável. Íntegro. Com a coragem das suas convicções, ao contrário de muitos, dele se pode dizer que viveu como um Homem. Saramgo, o Grande.
quarta-feira, 16 de junho de 2010
DA MEMÓRIA
Somos o que nos lembramos ser. Assim sendo, nunca poderei verdadeiramente eu estar aqui; apenas posso eu recordar-me de aqui ter estado. Assim se explica o déjá vu: é quando a barreira da memória falha e percebemos que há mais para além da nossa percepção do que somos. É só para enganar. Não há nada. Hão memórias e já é uma sorte.
O REGRESSO
O regresso ansiava-se. E uma vez regressado continua-se a ansiar, cada vez menos, a desesperar talvez. Lá, eram os caracóis, o sol, a praia, o Alentejo, ser casa, casa, era ser casa; cá, é o insuportável telejornal, os maníacos do volante, as cornetas, o exagero. Mas é casa. E isso, bate tudo.
quarta-feira, 9 de junho de 2010
Assinar:
Postagens (Atom)