terça-feira, 29 de junho de 2010

A QUINTA DOS ANIMAIS - O TRIUNFO DOS PORCOS (ou: qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência)

"De certa forma, dava a impressão de que a quinta enriquecera sem que os próprios animais tivessem enriquecido - exceptuando, é claro, os porcos e os cães. Talvez isto se devesse, em parte, ao facto de haver tantos porcos e tantos cães. Não é que estes bichos não trabalhassem, à sua maneira. Tal como Tagarela nunca se cansava de vincar, supervisionar e organizar a quinta representava um trabalho infindável. Grande parte deste trabalho consistia em tarefas que os outros animais eram demasiado ignorantes para compreender. Tagarela explicou-lhes, por exemplo, que os porcos tinham de labutar todos os dias para completar coisas misteriosas chamadas «arquivos» e «memorandos». Tratava-se de grandes folhas de papel que era preciso preencher minuciosamente com palavras manuscritas, e, mal essa tarefa ficava concluída, era necessário queimá-las na fornalha. Isto revestia-se da maior importância para o bem-estar da quinta, declarou Tagarela. Ainda assim, nem os porcos nem os cães produziam qualquer comida pelo seu próprio esforço; e, sendo muito numerosos, tinham um apetite sempre voraz.
Quanto aos restantes, a sua existência, tanto quanto se davam conta, era semelhante ao que sempre fora: andavam geralmente esfomeados, dormiam na palha, bebiam água da lagoa e trabalhavam nos campos; de Inverno sofriam com o frio, de Verão, com as moscas. Por vezes, os mais velhos vasculhavam as suas vagas memórias e tentavam perceber se nos primeiros tempos da Rebelião, quando a expulsão do Reis era ainda um acontecimento recente, a vida fora melhor ou pior do que agora. Não se conseguiam lembrar. Nada tinham que pudesse servir de termo de comparação com as suas vidas actuais; apenas podiam basear-se nas listas de números de Tagarela, que, invariavelmente, demonstravam que tudo estava a correr cada vez melhor. Tratava-se de um problema insolúvel, parecia-lhes; fosse como fosse, tinham agora pouco tempo para dedicar a tais devaneios. Apenas o velho Benjamim garantia recordar-se de todos os pormenores da sua longa existência e saber que as coisas nunca tinham sido, nem nunca poderiam vir a ser, muito melhores nem muito piores - fome, privações e desapontamentos constituíam, dizia ele, a lei imutável da vida."
George Orwell, A Quinta dos Animais, Antígona, 2008; pp. 123-4

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