A UTOPIA DA PEDRA AMARELA
Eu ás vezes pergunto-me se fazemos a mínima ideia para onde vamos.
Desta pergunta aquilo que primeiro me vem à cabeça é o facto de ela conter a palavra “vamos”. Nós vamos. Nós.
nós, quem?
E esta é que é a grande questão. Saberemos nós que quem vai a algum lado somos nós? Que eu sozinho não vou a lado nenhum?
Nós caminhamos por este planeta, perdido num universo grande demais para se saber sequer onde estamos e acreditamos que a vida se baseia na nossa pessoa sem nos apercebermos que se levarmos em consideração a medida cósmica somos um pequeno micróbio cuja insignificância é, precisamente, a única coisa que poderia significar alguma coisa.
Nós. Nós os humanos.
Um dos sentimentos que me transporta por esta vida é a noção de que somos uma comunidade. Temos os mesmos sentimentos, funcionamos sobre as mesmas leis, temos objectivos comuns e sonhamos com as mesmas coisas.
objectivos
Isto é importante. Temos objectivos comuns. Falamos da nossa subjectividade individual e não nos lembramos que ela só existe porque sobre ela paira o fenómeno, intrinsecamente humano, da objectividade.
Existem, de facto, duas dimensões sociais: Aquela que nos afecta de um ponto de vista individual, a tal subjectividade, e a outra que nos afecta enquanto comunidade, que nos diz respeito a todos, a tal objectividade.
E era sobre isto mesmo que eu gostava de falar. É que algures, na penumbra de um tempo já passado, nos esquecemos que o indivíduo
por melhor que seja
nunca poderá chegar a lado nenhum sem ser acompanhado pela comunidade. Ou melhor só a comunidade é que poderá chegar a algum lado. E por “chegar a algum lado” entenda-se ser melhor, compreender mais e responder a aquelas questões que nos acompanham há tanto tempo. Pelo menos a algumas.
E esta é que é a questão. Há problemas que são de nós todos e nós temos a triste mania de acharmos que se são de todos então não são de ninguém. Mas são. São de alguém. De alguém que não está interessado em os resolver.
Vou-vos falar de um grande problema que poderá vir a afectar a nossa espécie e do qual muito pouca gente ouviu falar e ninguém parece interessado em resolver.
Há cerca de dois anos atrás uma equipa que estudava o ADN humano chegou à conclusão que os seres humanos apresentavam uma estranha falta de diversidade genética considerando a idade da nossa espécie.
Quando os seres vivos se reproduzem o seu ADN evolui mas deixa a marca dos seus progenitores, ou seja, analisando o ADN nós podemos fazer uma espécie de árvore genealógica genética.
Este projecto permitiria ir agrupando os indivíduos em famílias genéticas até que se encontrasse o elo comum. Supostamente esse elo comum deveria ter alguns milhões de anos pois fósseis como a Lucy indicam que os primeiros hominídeos terão aparecido à cerca de 5 milhões de anos.
Quando esse trabalho árduo foi terminado o resultado foi surpreendente: O elo comum existiu há cerca de 75 mil anos.
Quer isto dizer que nessa altura a espécie humana viu-se, de forma drástica e repentina, reduzida a um número muito reduzido de indivíduos
provavelmente na casa dos milhares
fazendo com que todos os seres humanos que existem actualmente descendam todos desses estóicos sobreviventes. Assim se explica a pouca diversidade genética da nossa espécie.
Este estudo apenas lançou uma série de novas questões. Porque teria isto acontecido? Terá sido alguma espécie de cataclismo natural? Um meteorito? Terá sido alguma misteriosa doença? Que acontecimento repentino poderia ter feito desaparecer, num tão curto período de tempo, a maior parte da nossa espécie que, na altura, seria constituída por milhões de indivíduos?
Esses cientistas apontaram claramente para algo repentino e global porque se não fosse global, a evolução genética apresentaria diferenças em diferentes locais, coisa que não acontece; do mesmo modo deverá ter sido repentino porque se não o fosse provavelmente as variedades genéticas extintas teriam tido tempo de se reproduzir.
O que terá, então, acontecido?
Respostas conclusivas serão muito difíceis de obter mas podemos perceber que a nossa pacata existência nunca deverá ser entendida como um dado adquirido. Antes deveremos entendê-la como uma dádiva que devemos preservar a todo o custo e com todas as preocupações.
Paralelamente a este estudo, e sem com ele estar minimamente relacionado, um grupo de geólogos perguntava-se por que razão um lago no Parque Natural de Yellowstone, nos Estados Unidos da América, se parecia estar a mover em direcção a um bosque vizinho. Com a ajuda de uma nova tecnologia desenvolvida pela NASA para o estudo, em profundidade, do planeta Marte, descobriu-se a razão do estranho movimento do lago de Yellowstone. Abismados ficaram quando se aperceberam que por debaixo desse lago existe uma câmara magmática com cerca de 45 km de diâmetro. Ou seja, uma gigante gruta na crosta terrestre que faz com que o magma do manto terrestre suba até próximo da superfície.
Este fenómeno já era conhecido em planetas como Vénus e é apelidado de supervulcão. A câmara magmática vai forçando a crosta até a romper e, nesse momento, é expelido com uma força brutal até que a camada de crosta que por cima dele se encontrava, ficando sem base de sustentação, cede e forma uma gigante caldeira. O lago movia-se porque a crosta terrestre acusa a pressão do magma.
Os cientistas ficaram abismados porque não se sabia que esta espécie de vulcão poderia existir no nosso planeta. Era património de planetas instáveis e onde não há lugar para a existência de vida.
Apelida-se este fenómeno vulcânico de supervulcão porque a quantidade de magma expelido no momento da explosão é infinitamente superior a qualquer vulcão a que tenhamos assistido à sua erupção. Todo o magma é expelido de repente.
Estudando mais atentamente a geologia de Yellowstone os geólogos crêem, considerando o diâmetro da câmara magmática e a quantidade de magma que esta tem capacidade para guardar, que o seu ciclo de erupção será aproximadamente de 600 mil anos. Estudando a fauna e a geologia da superfície calcularam que a sua última erupção terá ocorrido sensivelmente há cerca de 600 mil anos...
Isto quer dizer que a próxima erupção tanto pode ser amanhã como daqui a vinte ou trinta mil anos. Não é, portanto, problema de ninguém...
Mas quais as verdadeiras consequências deste supervulcão? Como nos poderá ele afectar?
Para responder a esta questão os cientistas estado-unidenses usaram a lógica e chegaram à conclusão que se existia um supervulcão, então poderiam existir mais.
O próximo passo desta viagem ao mundo da investigação científica leva-nos até às imediações da Indonésia. Aqui descobriram-se uma série de rochas de elevada dimensão que não deveriam estar no local onde foram encontradas porque não são constituídas por matéria geológica que exista nas imediações das ditas rochas. Elas não poderiam estar ali. Ora como não são obra humana teria de haver alguma de elas serem naturalmente transportadas até ali. Ou melhor expelidas.
A resposta para esta questão é um outro supervulcão que existe a cerca de 100 km das já referidas rochas. Imagine-se a potência da explosão de um supervulcão...
Os cientistas ávidos por respostas apressaram-se a estudar esse novo supervulcão e chegaram a algumas conclusões. A câmara magmática é sensivelmente metade da do supervulcão de Yellowstone e o seu ciclo de erupção rondará os 300 mil anos.
Agora o mais importante é que, analisando a envolvente ambiental do supervulcão da Indonésia, os geólogos chegaram á surpreendente conclusão de que a sua última erupção terá ocorrido entre há 80 e 70 mil anos atrás.
à pois...
Exacto. É isso mesmo. Precisamente um intervalo temporal onde se encaixa perfeitamente a tal marca dos 75 mil anos onde algo repentino, brutal e global terá acontecido e que terá dizimado 90% da população humana de então.
E esta, hein?
Estes dois estudos científicos só foram cruzados porque um dos cientistas de Yellowstone, por fruto do acaso, assistiu à apresentação das conclusões do estudo sobre a diversidade genética. E somou dois e dois. E achou que o resultado era quatro.
Não pretendo alarmar ninguém. A questão é que toda a comunidade humana deveria estar ao corrente de que existem perigos
sejam agora ou daqui a 20 mil anos
que nos poderão alterar radicalmente a forma como levamos a nossa vida.
E o mais importante é que deveríamos estar a estudar como resolver estes problemas ou, pelo menos, minorar as suas consequências.
A Humanidade não está preparada para enfrentar estes desafios. E são desafios de todos nós porque nos afectarão a todos. A nós ou aos nossos netos ou trinetos.
Preparamo-nos para isto custaria muitos milhões. Sinceramente gostaria muito mais de ver os meus impostos a serem aplicados nestas causas verdadeiramente humanitárias
tais como a fome, as doenças como o cancro ou a SIDA
do que assistir impotente a guerras altamente dispendiosas ou projectos milionários que não nos trazem nada de novo.
Sim... Eu sei. Pode ser só daqui a uns milhares de anos.
Mas mesmo assim. Preferia que fossemos explorar o espaço, as novas tecnologias, os transportes do futuro, a genética terapêutica, o funcionamento do cérebro humano, os novos combustíveis e a história do nosso planeta. Preferia o conhecimento, o estudo e a compreensão. Preferia a comunidade objectiva do que as megalomanias subjectivas do indivíduo.
Mas não. Vamos bombardear o Iraque...
sábado, 14 de fevereiro de 2004
sexta-feira, 9 de janeiro de 2004
OS NOVOS MISSIONÁRIOS
Missionário, s. m. Pregador de missão; propagandista.
Eu no outro dia vi o Sr. José Eduardo Moniz, director de programas da TVI a falar no telejornal desse mesmo canal, em horário nobre, e fiquei, naturalmente, curioso sobre o que motivaria tal comunicação aos telespectadores da TVI.
Meus amigos... As palavras fogem-me por debaixo da língua para tentar descrever o enorme sentimento de revolta que aquele ser humano me causou a ler
do teleponto que nem verdadeiro jornalista
um comunicado desprezível para quem detém um sentido mínimo do que é decente numa sociedade democrática e evoluída como eu gosto de sonhar que é a minha.
A questão era que o Sr. Moniz estava muito escandalizado pelo facto de o Presidente da República
imagine-se o Presidente da República a ter a lata de criticar os jornalistas
ter referido no seu discurso que a actuação dos jornalistas no âmbito do caso Casa Pia deveria ser alvo de ponderação pois corria-se o risco de estar a lançar nomes de pessoas inocentes para a lama pedófila onde tantos nomes, lenta e agonizantemente, se afundam.
E isto é verdade. E se aqueles nomes que a TVI e os seus amigos jornalistas, vieram transmitir a dizer que tinham sido alvo de investigação
arquivada por falta de provas
não tiverem nada a haver com o caso? Se o caso foi arquivado não quer dizer que eles provavelmente serão inocentes? É que se o forem vão ficar, injustamente, para o resto das suas vidas encobertos por um gigantesco sinal luminoso que aponta a todos os que os vêem na rua
olha aquele gajo se calhar é pedófilo
Como é que o Sr. Moniz e amigos se propõem a resolver o caso? Eu não falo daqueles que foram acusados. Falo daqueles que não o foram por falta de provas. Porque, provavelmente, serão inocentes. Não terão os amigos dos, agora acusados, sido investigados?
é natural
E serão todos pedófilos?
claro que não
E a questão é esta meus amigos: O que é que o Sr. Moniz pensa fazer para reparar o bom nome daqueles que, irresponsavelmente, ligou ao caso Casa Pia, apesar de terem apenas sido investigados e não acusados?
A resposta é nada. Zero. O Sr. Moniz não quer saber disso.
Estou-vos a falar deste caso porque me parece o exemplo ideal para descrever a actual situação social que vivemos hoje em dia.
Hoje nós assistimos ao facto de qualquer canal de televisão, ou jornal, pode dizer aquilo que lhe apetece, escudado na liberdade de imprensa e na protecção das fontes, sem sequer ter a responsabilidade de saber se é verdade ou não.
E isto é tanto mais importante se levarmos em consideração que a comunicação social é a mais importante forma de influenciar as pessoas.
Hoje em dia tudo aquilo de que se fala e discute na opinião pública é consequência daquilo que os media nos dizem. Na realidade, eles são os novos missionários, os difusores da verdade escondida, os reveladores do conhecimento supremo.
E isto é verdade. Que nem os padres que no século XV, e seguintes, seguiram para o mundo incivilizado a revelar a existência de Deus aos nativos, os media revelam-nos o que acontece por esse mundo fora. Ora, isto seria muito bom se eles não dessem a sua opinião e, com isso, influenciassem as mentes daqueles que, desprevenidos, absorvem tudo aquilo que vêem na caixinha mágica como um dogma impossível de contestar.
Mais ainda. São os media que decidem o que é notícia e o que não é notícia. Ou seja, filtram a realidade dos acontecimentos diários, reduzindo-os aos 50 minutos de um telejornal, baseando-se num critério desconhecido do que eles consideram ser o interesse do público.
E aqui é que bate o ponto. Qual é o interesse do público? Será aquilo que vende mais jornais ou dá mais audiência?
hoje o Marco bateu na Sónia
A partir do momento que os media são um negócio, eu permito-me a desconfiar da noção que eles perfilham de “interesse do público”. Peço desculpa, mas audiências e vendas nunca poderão ser sinónimo de liberdade porque essa liberdade está constrangida pelo interesse do mercado. Uma notícia interessante para uma minoria ou que nos poria todos a pensar duas vezes sobre qualquer coisa se calhar não é veiculada porque não é “do interesse do público”, ou seja, não vende ou não é compreendida por quem é o público alvo de determinado órgão de comunicação social. E isto é grave. É muito grave. É grave o suficiente para que o Presidente da República teça comentários sobre este assunto.
E sabem o que é mais giro? É que o Presidente da República, o mais alto magistrado da Nação, o Chefe de Estado, no dito telejornal teve direito a dois ou três minutos para falar sobre este e outros assuntos, enquanto que o Sr. Moniz esteve um quarto de hora a mandar bitates sobre o que ele acha que o Presidente da República deveria ter dito.
ó Sr. Moniz, o que o senhor pensa não interessa a ninguém
ó Sr. Moniz, o senhor não é notícia
ó Sr. Moniz, o senhor não foi eleito por ninguém e não representa ninguém
Isto entristece-me e revolta-me.
Vivemos numa sociedade que segue, invariavelmente, os ditames daquilo que é expelido pela gigantesca máquina da comunicação social. Os media dizem-nos o que devemos comprar para comer, vestir ou divertir. Eles decidem quem são os ícones máximos da sociedade, ou seja, quem são os modelos de vida dos nossos jovens. Eles deliberam unilateralmente sobre o que consideram ser o interesse público
um comunicado do Sr. Moniz não é de certeza
e afogam-nos com vagas sucessivas de “interesse público”.
E depois é tudo imediato. Sem continuidade. Aquilo que é verdade hoje está completamente esquecido no dia seguinte. E dão-nos tanta informação que se transforma em desinformação, pois nós não conseguimos apreender e processar convenientemente toda a informação que recebemos.
é como tentar encher um pequeno balde debaixo da cascata do Niágara
Esta é que é a realidade que o Sr. Moniz naqueles longos quinze minutos não disse: A comunicação social é o quarto poder, é o mais poderoso deles todos porque fiscaliza todos os outros e, incrivelmente, é o único que não é fiscalizado por ninguém, ou seja, é o único poder ilimitado.
Mas a situação ainda se torna mais difícil.
É que quando alguém aparece a dizer que o poder dos media terá, de alguma forma, de ser regulamentado, todos os jornais abrem com parangonas a dizer que essa pessoa é fascista e quer acabar com a liberdade de imprensa.
ridículo
Como é que se resolve isto?
Eu cá, só sei que nada sei. Mas apesar de nada saber sei que o Sr. Moniz sabe de certeza tudo o que eu deveria de saber sobre isto. E não tenho de me preocupar porque ele vai-me dizer de certeza.
Missionário, s. m. Pregador de missão; propagandista.
Eu no outro dia vi o Sr. José Eduardo Moniz, director de programas da TVI a falar no telejornal desse mesmo canal, em horário nobre, e fiquei, naturalmente, curioso sobre o que motivaria tal comunicação aos telespectadores da TVI.
Meus amigos... As palavras fogem-me por debaixo da língua para tentar descrever o enorme sentimento de revolta que aquele ser humano me causou a ler
do teleponto que nem verdadeiro jornalista
um comunicado desprezível para quem detém um sentido mínimo do que é decente numa sociedade democrática e evoluída como eu gosto de sonhar que é a minha.
A questão era que o Sr. Moniz estava muito escandalizado pelo facto de o Presidente da República
imagine-se o Presidente da República a ter a lata de criticar os jornalistas
ter referido no seu discurso que a actuação dos jornalistas no âmbito do caso Casa Pia deveria ser alvo de ponderação pois corria-se o risco de estar a lançar nomes de pessoas inocentes para a lama pedófila onde tantos nomes, lenta e agonizantemente, se afundam.
E isto é verdade. E se aqueles nomes que a TVI e os seus amigos jornalistas, vieram transmitir a dizer que tinham sido alvo de investigação
arquivada por falta de provas
não tiverem nada a haver com o caso? Se o caso foi arquivado não quer dizer que eles provavelmente serão inocentes? É que se o forem vão ficar, injustamente, para o resto das suas vidas encobertos por um gigantesco sinal luminoso que aponta a todos os que os vêem na rua
olha aquele gajo se calhar é pedófilo
Como é que o Sr. Moniz e amigos se propõem a resolver o caso? Eu não falo daqueles que foram acusados. Falo daqueles que não o foram por falta de provas. Porque, provavelmente, serão inocentes. Não terão os amigos dos, agora acusados, sido investigados?
é natural
E serão todos pedófilos?
claro que não
E a questão é esta meus amigos: O que é que o Sr. Moniz pensa fazer para reparar o bom nome daqueles que, irresponsavelmente, ligou ao caso Casa Pia, apesar de terem apenas sido investigados e não acusados?
A resposta é nada. Zero. O Sr. Moniz não quer saber disso.
Estou-vos a falar deste caso porque me parece o exemplo ideal para descrever a actual situação social que vivemos hoje em dia.
Hoje nós assistimos ao facto de qualquer canal de televisão, ou jornal, pode dizer aquilo que lhe apetece, escudado na liberdade de imprensa e na protecção das fontes, sem sequer ter a responsabilidade de saber se é verdade ou não.
E isto é tanto mais importante se levarmos em consideração que a comunicação social é a mais importante forma de influenciar as pessoas.
Hoje em dia tudo aquilo de que se fala e discute na opinião pública é consequência daquilo que os media nos dizem. Na realidade, eles são os novos missionários, os difusores da verdade escondida, os reveladores do conhecimento supremo.
E isto é verdade. Que nem os padres que no século XV, e seguintes, seguiram para o mundo incivilizado a revelar a existência de Deus aos nativos, os media revelam-nos o que acontece por esse mundo fora. Ora, isto seria muito bom se eles não dessem a sua opinião e, com isso, influenciassem as mentes daqueles que, desprevenidos, absorvem tudo aquilo que vêem na caixinha mágica como um dogma impossível de contestar.
Mais ainda. São os media que decidem o que é notícia e o que não é notícia. Ou seja, filtram a realidade dos acontecimentos diários, reduzindo-os aos 50 minutos de um telejornal, baseando-se num critério desconhecido do que eles consideram ser o interesse do público.
E aqui é que bate o ponto. Qual é o interesse do público? Será aquilo que vende mais jornais ou dá mais audiência?
hoje o Marco bateu na Sónia
A partir do momento que os media são um negócio, eu permito-me a desconfiar da noção que eles perfilham de “interesse do público”. Peço desculpa, mas audiências e vendas nunca poderão ser sinónimo de liberdade porque essa liberdade está constrangida pelo interesse do mercado. Uma notícia interessante para uma minoria ou que nos poria todos a pensar duas vezes sobre qualquer coisa se calhar não é veiculada porque não é “do interesse do público”, ou seja, não vende ou não é compreendida por quem é o público alvo de determinado órgão de comunicação social. E isto é grave. É muito grave. É grave o suficiente para que o Presidente da República teça comentários sobre este assunto.
E sabem o que é mais giro? É que o Presidente da República, o mais alto magistrado da Nação, o Chefe de Estado, no dito telejornal teve direito a dois ou três minutos para falar sobre este e outros assuntos, enquanto que o Sr. Moniz esteve um quarto de hora a mandar bitates sobre o que ele acha que o Presidente da República deveria ter dito.
ó Sr. Moniz, o que o senhor pensa não interessa a ninguém
ó Sr. Moniz, o senhor não é notícia
ó Sr. Moniz, o senhor não foi eleito por ninguém e não representa ninguém
Isto entristece-me e revolta-me.
Vivemos numa sociedade que segue, invariavelmente, os ditames daquilo que é expelido pela gigantesca máquina da comunicação social. Os media dizem-nos o que devemos comprar para comer, vestir ou divertir. Eles decidem quem são os ícones máximos da sociedade, ou seja, quem são os modelos de vida dos nossos jovens. Eles deliberam unilateralmente sobre o que consideram ser o interesse público
um comunicado do Sr. Moniz não é de certeza
e afogam-nos com vagas sucessivas de “interesse público”.
E depois é tudo imediato. Sem continuidade. Aquilo que é verdade hoje está completamente esquecido no dia seguinte. E dão-nos tanta informação que se transforma em desinformação, pois nós não conseguimos apreender e processar convenientemente toda a informação que recebemos.
é como tentar encher um pequeno balde debaixo da cascata do Niágara
Esta é que é a realidade que o Sr. Moniz naqueles longos quinze minutos não disse: A comunicação social é o quarto poder, é o mais poderoso deles todos porque fiscaliza todos os outros e, incrivelmente, é o único que não é fiscalizado por ninguém, ou seja, é o único poder ilimitado.
Mas a situação ainda se torna mais difícil.
É que quando alguém aparece a dizer que o poder dos media terá, de alguma forma, de ser regulamentado, todos os jornais abrem com parangonas a dizer que essa pessoa é fascista e quer acabar com a liberdade de imprensa.
ridículo
Como é que se resolve isto?
Eu cá, só sei que nada sei. Mas apesar de nada saber sei que o Sr. Moniz sabe de certeza tudo o que eu deveria de saber sobre isto. E não tenho de me preocupar porque ele vai-me dizer de certeza.
O LEVIATÃO
Há uma coisa em que eu estive a pensar e que me parece pertinente o suficiente para que eu transponha esse pequeno pensamento desblogueado para este blog. E tem a haver com o Estado.
Não sei se já repararam mas nós temos o hábito de nos referir aos agentes do Estado como “eles”.
este ano eles levaram-me o dinheiro todo em impostos
Normalmente referimo-nos ao Estado sempre na terceira pessoa
aqueles gajos nunca mais tapam o buraco da rua
e pensamos que a nossa vida é gerida e ou regulada por outras pessoas e damos por nós constantemente a criticar a sua conduta porque não é do nosso agrado. No entanto, ficamo-nos por aqui. Criticamos os tais terceiros e pronto.
O nosso contributo para a resolução dos problemas que identificámos é falarmos sobre eles no café em tom resoluto e decidido e depois ir para casa ver as notícias e que mais coisas “eles” fizeram. Provavelmente no dia seguinte terei novos argumentos sobre assuntos antigos
dados por um “ele” comentador
e, se tiver sorte, novos assuntos para eu próprio comentar se concordo ou não.
Ora, isto para mim não faz muito sentido. E não o faz por uma razão muito simples: O Estado não são “eles”, somos “nós”.
Nós temos esta noção de que o Estado é um ser autónomo, grande
gigante
e poderoso e que temos todos de lhe fazer a vontade porque se não o fizermos apanhamos uma multa ou vamos para a prisão.
não deixa de ser verdade
Agora, não nos podemos esquecer que o Estado é um invenção do Homem. Só há Estado porque há muitos anos atrás alguém achou que se havia regras que os grupos sociais tinham de cumprir, então deveria haver uma forma de garantir que essas regras fossem cumpridas.
O Estado nasceu para dar segurança e bem estar às pessoas que vivem sobre o seu jugo. Mas o mais importante é mesmo a ideia de que o Estado é um mero instrumento inventado pelos homens para viverem melhor. E mais. O Estado não existe por si só, só existe porque há pessoas. E não são “eles” porque “eles” não são diferentes de “nós”. Na realidade, “eles” somos “nós”.
Sinceramente, parece-me que as pessoas se esquecem do seu real poder. Falamos e criticamos, mandamos bocas e bitates, vociferamos e discutimos uns com os outros mas esquecemo-nos que o Estado só faz o que nós quisermos que ele faça.
o Estado faz aquilo que interessa a alguns e não a todos
Isso é culpa de todos, então. E há alguns que se aproveitam.
Vamos ver realmente onde está o poder:
Primeiro, há o poder de fazer as leis que reside na Assembleia da República. Ora esta é eleita por todos nós. Nós é que escolhemos os nossos deputados.
escolhemos entre os que nos dão a escolher
Certo, mas podemos punir aqueles que se portam mal ao não votarmos nesse ou nesses partidos. Por isso, em teoria, os deputados são nossos enviados para fazer as leis que são do nosso agrado. Só não o fazem porque nós não vamos todos votar, porque não os conhecemos, porque não lemos as propostas eleitorais e porque não prestamos a mínima atenção a aquilo que se passa no Parlamento.
Segundo, há o poder de executar as leis. É o governo. Como é evidente este é eleito, se bem que indirectamente, por todos nós. E senão gostarmos dele podemos mandá-lo embora após quatro anos. A verdade é que só analisamos a actuação dos governos naquilo que atrai a atenção dos media. Tudo o que não é mediático não existe. Ora isto é giro porque normalmente mediático é aquilo que é mau. Logo, os governos são sempre maus.
Terceiro, há o poder judicial que só faz aquilo que a lei
esta foi feita por todos nós como já se viu
manda.
Em quarto lugar, temos o poder dos media. Estes são aqueles que nos dizem pela televisão, rádio e jornais aquilo que nós devemos comprar, escolher ou votar. É, para mim, o mais importante deles todos. Principalmente porque finge que não tem nada a haver com o Estado.
No entanto, na sociedade moderna não se passa nada que os media não influenciem. E o mais giro é que é um poder que fiscaliza todos os outros
pode falar mal de governos, deputados e juizes
mas não é fiscalizado por ninguém porque existe uma coisa chamada “protecção de fontes”. Mas até mesmo este poder depende do povo, da população, ou seja, de “nós”. O jornal só é poderoso se houver pessoas que o comprem, tal como o telejornal só interessa se alguém o vir. Se nós formos críticos a julgar a qualidade de um telejornal, tal como somos críticos a julgar a capacidade de um ministro, então talvez esse poder fosse mais fiscalizado. Talvez sentíssemos que “eles” somos “nós”...
Por último, ainda há outro poder. O maior de todos. O gigante dos gigantes que tritura todos os outros pequeninos poderes: O poder económico. Todos nós assistimos ao facto deste poder cometer injustiças sobre os cidadãos
estes sacanas estão a despedir gajos todos os dias
mas não fazemos absolutamente nada. Será que ninguém se lembra que a única razão porque as empresas são poderosas é porque “nós” compramos os seus produtos?
Será que ninguém se lembra que todos os poderes só são poderosos porque nós deixamos que eles sejam poderosos?
Será que ninguém se lembra que se nós quisermos podemos, mais tarde ou mais cedo, mandar abaixo qualquer um destes poderes?
Será que alguém pensa antes de comprar umas meias em qual é a empresa que as produz?
Será que alguém enquanto vê o telejornal pondera na possibilidade de que aquilo que ali está pode não ser bem assim? Que os jornalistas são pessoas que dão a opinião pessoal e subjectiva? Que a televisão não é a máquina da verdade mas sim um ponto de vista falível, subjectivo e parcial?
E esta é que é a questão. Criticamos
com ou sem razão
tudo o que nos apetece e achamos que por podermos fazer isso vivemos em Democracia. Esquecemo-nos que se não existir uma capacidade de os cidadãos se associarem a causas importantes
ou não
que considerem que devem ser defendidas, haverá sempre alguns que se aproveitam do amorfismo social para fazer valer os seus interesses individuais.
A Democracia exige muito mais do que dizer o que nos apetece. Estar num café a dar a nossa opinião não serve absolutamente para nada a não ser influenciar aqueles que nos ouvem. E gritar bem alto quanto muito incomoda aqueles que não têm nada a haver com a discussão.
A Democracia exige deveres além de direitos. Exige a nossa atenção e nosso esforço para a resolução dos problemas que afectam a sociedade. Toda a sociedade. Implica perceber que aquilo que é mau para mim não quer dizer que seja mau para todos.
A verdade é que “nós” andamos a dormir. Achamos que o Estado, esse bicho gigante e pesado tem de resolver todos os problemas que nos afectam a todos e que “nós” só temos de levar a nossa vida como nos apetece. Não temos capacidade de crítica social porque não damos continuação às críticas que fazemos. Vivemos no imediato e aquilo que nos enfurece hoje está esquecido amanhã. Pior. Aqueles pobres coitados que não são amorfos e que querem fazer algo pela sociedade
por eles e por todos
são mal tratados e não lhes damos atenção. Bem podem andar a recolher abaixo assinados ou a bater de porta em porta que se for algo que nos obrigue a sair da nossa mecânica rotina diária, então não interessa.
Nós estamos alheados e uniformizados. Algures
e não foi há muito tempo
perdemos a nossa capacidade de tentar mudar o que está mal. O que está mal para todos. Sem dúvida que o egoísmo social é a nova forma de resolução dos problemas das pessoas.
eu voto de acordo com aquilo que é melhor para mim.
Será que ninguém se lembra que o todo é sempre maior do que a soma das partes?
Realmente não sei que caminho esta sociedade vai tomar. É que por um lado temos as pessoas que estão atentas a tudo e à espera de ganhar proveitos sobre os outros; por outro lado temos aqueles que também estão acordados mas que pensam no todo e não na sua pequena parte; e depois temos os outros, aqueles que se sujeitam às regras e se esqueceram de que as podem mudar. E estes são a maioria que decide quais as empresas que têm sucesso, os programas que vemos na televisão, quais os governos que governam...
Sabem...
Peço desculpa mas isto para mim não é bem a Democracia que tantos ao longo dos tempos sonharam. Democracia implica esclarecimento nas decisões, um esclarecimento social que vise o melhor para todos e não o melhor para cada um.
Mas o mais grave é que se não tivermos cuidado e começarmos a educar as nossas crianças rumo à sociedade do conhecimento, a colocar os instrumentos de que dispomos ao serviço de todos visando o estímulo das nossas capacidades, então correremos o sério risco de vir a viver em demagogia, ou seja, numa real ditadura da maioria, onde a maioria nem disso se apercebe porque, simplesmente, “eles” é que mandam...
Há uma coisa em que eu estive a pensar e que me parece pertinente o suficiente para que eu transponha esse pequeno pensamento desblogueado para este blog. E tem a haver com o Estado.
Não sei se já repararam mas nós temos o hábito de nos referir aos agentes do Estado como “eles”.
este ano eles levaram-me o dinheiro todo em impostos
Normalmente referimo-nos ao Estado sempre na terceira pessoa
aqueles gajos nunca mais tapam o buraco da rua
e pensamos que a nossa vida é gerida e ou regulada por outras pessoas e damos por nós constantemente a criticar a sua conduta porque não é do nosso agrado. No entanto, ficamo-nos por aqui. Criticamos os tais terceiros e pronto.
O nosso contributo para a resolução dos problemas que identificámos é falarmos sobre eles no café em tom resoluto e decidido e depois ir para casa ver as notícias e que mais coisas “eles” fizeram. Provavelmente no dia seguinte terei novos argumentos sobre assuntos antigos
dados por um “ele” comentador
e, se tiver sorte, novos assuntos para eu próprio comentar se concordo ou não.
Ora, isto para mim não faz muito sentido. E não o faz por uma razão muito simples: O Estado não são “eles”, somos “nós”.
Nós temos esta noção de que o Estado é um ser autónomo, grande
gigante
e poderoso e que temos todos de lhe fazer a vontade porque se não o fizermos apanhamos uma multa ou vamos para a prisão.
não deixa de ser verdade
Agora, não nos podemos esquecer que o Estado é um invenção do Homem. Só há Estado porque há muitos anos atrás alguém achou que se havia regras que os grupos sociais tinham de cumprir, então deveria haver uma forma de garantir que essas regras fossem cumpridas.
O Estado nasceu para dar segurança e bem estar às pessoas que vivem sobre o seu jugo. Mas o mais importante é mesmo a ideia de que o Estado é um mero instrumento inventado pelos homens para viverem melhor. E mais. O Estado não existe por si só, só existe porque há pessoas. E não são “eles” porque “eles” não são diferentes de “nós”. Na realidade, “eles” somos “nós”.
Sinceramente, parece-me que as pessoas se esquecem do seu real poder. Falamos e criticamos, mandamos bocas e bitates, vociferamos e discutimos uns com os outros mas esquecemo-nos que o Estado só faz o que nós quisermos que ele faça.
o Estado faz aquilo que interessa a alguns e não a todos
Isso é culpa de todos, então. E há alguns que se aproveitam.
Vamos ver realmente onde está o poder:
Primeiro, há o poder de fazer as leis que reside na Assembleia da República. Ora esta é eleita por todos nós. Nós é que escolhemos os nossos deputados.
escolhemos entre os que nos dão a escolher
Certo, mas podemos punir aqueles que se portam mal ao não votarmos nesse ou nesses partidos. Por isso, em teoria, os deputados são nossos enviados para fazer as leis que são do nosso agrado. Só não o fazem porque nós não vamos todos votar, porque não os conhecemos, porque não lemos as propostas eleitorais e porque não prestamos a mínima atenção a aquilo que se passa no Parlamento.
Segundo, há o poder de executar as leis. É o governo. Como é evidente este é eleito, se bem que indirectamente, por todos nós. E senão gostarmos dele podemos mandá-lo embora após quatro anos. A verdade é que só analisamos a actuação dos governos naquilo que atrai a atenção dos media. Tudo o que não é mediático não existe. Ora isto é giro porque normalmente mediático é aquilo que é mau. Logo, os governos são sempre maus.
Terceiro, há o poder judicial que só faz aquilo que a lei
esta foi feita por todos nós como já se viu
manda.
Em quarto lugar, temos o poder dos media. Estes são aqueles que nos dizem pela televisão, rádio e jornais aquilo que nós devemos comprar, escolher ou votar. É, para mim, o mais importante deles todos. Principalmente porque finge que não tem nada a haver com o Estado.
No entanto, na sociedade moderna não se passa nada que os media não influenciem. E o mais giro é que é um poder que fiscaliza todos os outros
pode falar mal de governos, deputados e juizes
mas não é fiscalizado por ninguém porque existe uma coisa chamada “protecção de fontes”. Mas até mesmo este poder depende do povo, da população, ou seja, de “nós”. O jornal só é poderoso se houver pessoas que o comprem, tal como o telejornal só interessa se alguém o vir. Se nós formos críticos a julgar a qualidade de um telejornal, tal como somos críticos a julgar a capacidade de um ministro, então talvez esse poder fosse mais fiscalizado. Talvez sentíssemos que “eles” somos “nós”...
Por último, ainda há outro poder. O maior de todos. O gigante dos gigantes que tritura todos os outros pequeninos poderes: O poder económico. Todos nós assistimos ao facto deste poder cometer injustiças sobre os cidadãos
estes sacanas estão a despedir gajos todos os dias
mas não fazemos absolutamente nada. Será que ninguém se lembra que a única razão porque as empresas são poderosas é porque “nós” compramos os seus produtos?
Será que ninguém se lembra que todos os poderes só são poderosos porque nós deixamos que eles sejam poderosos?
Será que ninguém se lembra que se nós quisermos podemos, mais tarde ou mais cedo, mandar abaixo qualquer um destes poderes?
Será que alguém pensa antes de comprar umas meias em qual é a empresa que as produz?
Será que alguém enquanto vê o telejornal pondera na possibilidade de que aquilo que ali está pode não ser bem assim? Que os jornalistas são pessoas que dão a opinião pessoal e subjectiva? Que a televisão não é a máquina da verdade mas sim um ponto de vista falível, subjectivo e parcial?
E esta é que é a questão. Criticamos
com ou sem razão
tudo o que nos apetece e achamos que por podermos fazer isso vivemos em Democracia. Esquecemo-nos que se não existir uma capacidade de os cidadãos se associarem a causas importantes
ou não
que considerem que devem ser defendidas, haverá sempre alguns que se aproveitam do amorfismo social para fazer valer os seus interesses individuais.
A Democracia exige muito mais do que dizer o que nos apetece. Estar num café a dar a nossa opinião não serve absolutamente para nada a não ser influenciar aqueles que nos ouvem. E gritar bem alto quanto muito incomoda aqueles que não têm nada a haver com a discussão.
A Democracia exige deveres além de direitos. Exige a nossa atenção e nosso esforço para a resolução dos problemas que afectam a sociedade. Toda a sociedade. Implica perceber que aquilo que é mau para mim não quer dizer que seja mau para todos.
A verdade é que “nós” andamos a dormir. Achamos que o Estado, esse bicho gigante e pesado tem de resolver todos os problemas que nos afectam a todos e que “nós” só temos de levar a nossa vida como nos apetece. Não temos capacidade de crítica social porque não damos continuação às críticas que fazemos. Vivemos no imediato e aquilo que nos enfurece hoje está esquecido amanhã. Pior. Aqueles pobres coitados que não são amorfos e que querem fazer algo pela sociedade
por eles e por todos
são mal tratados e não lhes damos atenção. Bem podem andar a recolher abaixo assinados ou a bater de porta em porta que se for algo que nos obrigue a sair da nossa mecânica rotina diária, então não interessa.
Nós estamos alheados e uniformizados. Algures
e não foi há muito tempo
perdemos a nossa capacidade de tentar mudar o que está mal. O que está mal para todos. Sem dúvida que o egoísmo social é a nova forma de resolução dos problemas das pessoas.
eu voto de acordo com aquilo que é melhor para mim.
Será que ninguém se lembra que o todo é sempre maior do que a soma das partes?
Realmente não sei que caminho esta sociedade vai tomar. É que por um lado temos as pessoas que estão atentas a tudo e à espera de ganhar proveitos sobre os outros; por outro lado temos aqueles que também estão acordados mas que pensam no todo e não na sua pequena parte; e depois temos os outros, aqueles que se sujeitam às regras e se esqueceram de que as podem mudar. E estes são a maioria que decide quais as empresas que têm sucesso, os programas que vemos na televisão, quais os governos que governam...
Sabem...
Peço desculpa mas isto para mim não é bem a Democracia que tantos ao longo dos tempos sonharam. Democracia implica esclarecimento nas decisões, um esclarecimento social que vise o melhor para todos e não o melhor para cada um.
Mas o mais grave é que se não tivermos cuidado e começarmos a educar as nossas crianças rumo à sociedade do conhecimento, a colocar os instrumentos de que dispomos ao serviço de todos visando o estímulo das nossas capacidades, então correremos o sério risco de vir a viver em demagogia, ou seja, numa real ditadura da maioria, onde a maioria nem disso se apercebe porque, simplesmente, “eles” é que mandam...
quarta-feira, 24 de dezembro de 2003
AS COLINAS ESTÃO VIVAS COM O SOM DA MÚSICA
Um dos maiores desgostos que já tive na minha vida foi, por altura dos meus seis anos, ter descoberto que o Pai Natal não existia. Devo dizer que resisti como pude a tamanha heresia para o meu pequeno mundo de então.
O local da ocorrência foi no recreio
lembro-me como se tivesse sido a semana passada
mesmo antes da aula de ginástica. O Rafael resolveu anunciar em voz alta, para que todos o ouvissem, que sabia que o Pai Natal não existia.
isso é impossível
A minha reacção não foi apenas de incredibilidade mas de tentar convencer toda a gente que aquela afirmação era idiota e que, portanto, o Rafael era ainda mais idiota.
É preciso ter em atenção que desde que me lembrava de existir que o Pai Natal fazia parte da minha vida. Todos os anos ele descia pela chaminé e me oferecia precisamente aquilo que eu tinha pedido. Ora, isto fazia com que ele consistisse na personagem mais incrível com quem eu alguma vez me defrontara. Não só conseguia percorrer numa única noite o mundo inteiro, como conseguia transportar um enorme saco vermelho do tamanho do mundo com ele, como, ainda por cima, acertava em cheio nas coisas que eu desejava. O Pai Natal era um dos meus maiores amigos. Dava-me coisas boas, tal como os meus pais, mas nunca se zangava comigo. Sejamos sérios, o Pai Natal era o maior.
Realmente é preciso assumir: Eu estava comprado. Ninguém falava mal do Pai Natal e safava com isso...
Como é evidente revoltei-me profundamente com o Rafael. Qual não foi a minha surpresa quando mais amigos meus aceitaram aquela afirmação profana como verdadeira. Rapidamente fundei o grupo dos que acreditavam no Pai Natal e que, com argumentos válidos, procuravam demonstrar que o Pai Natal existia de facto. O melhor argumento foi, sem dúvida, dizer que os meus pais me tinham dito que o Pai Natal existia.
estás a chamar mentiroso ao meu pai?
A discussão prolongou-se durante a aula de ginástica
era dia de trampolim
e, devo-vos dizer, foi completamente infrutífera. Cheguei a casa mais convencido do que nunca que o Pai Natal era absolutamente real. Como não o poderia ser? Estava na televisão, as pessoas todas falavam nele e todos os dias 24 de Dezembro tinha de me esconder para que ele não me visse.
Quando a minha mãe chegou a casa fui rapidamente contar-lhe o que tinha acontecido umas horas antes, procurando uma importante aliada. Era preciso fazer qualquer coisa para impedir que a vil mentira inventada pelo Rafael
havia a possibilidade de terem sido os pais dele
não contaminasse o resto das pessoas. Era altura de agir e, portanto, altura de pedir ajuda à mãe...
Nunca me hei de esquecer da expressão patente na cara da minha mãe quando terminei o relato. Foi nesse momento que percebi que não tinha razão. Os meus pais tinham-me enganado...
Não chorei, não gritei nem me revoltei. Apenas aguentei de pé, incrédulo, o peso gigante da desilusão. A magia tinha acabado.
Não vos vou dizer que acho que não se deve fazer os miúdos acreditarem no Pai Natal. Se calhar essa grande desilusão foi uma grande lição.
não ser dogmático
Devemos questionar sempre os nossos conhecimentos porque a qualquer momento pode vir algo que nos diz que estamos errados e que vira o nosso mundo de pernas para o ar. E esta noção foi, provavelmente, a melhor prenda de Natal que alguma vez recebi.
Passados vinte anos olho para o Natal de uma maneira completamente diferente. O meu mundo é infinitamente maior e dentro dele cabem muito mais coisas. O bem não vai sempre até aos bons como o mal também não vai sempre até aos maus. Muitas vezes até é ao contrário. O cinzento, nos dias de hoje, triunfa claramente sobre o branco e o preto. Enfim, as coisas são muito mais complexas.
Quando penso nisto,
o Natal é sempre uma boa ocasião para por as coisas em perspectiva
vem-me sempre à cabeça a maneira como via as coisas quando era pequenino. É que o Natal é mesmo isso. É fazer-nos voltar atrás e acreditar que existe mesmo uma altura do ano em que as pessoas são todas amigas e boas, uma altura em que a solidariedade impera sobre a inveja e a cobiça, uma altura em que os milagres, se calhar, até podem acontecer.
Aqueles filmes todos na televisão sobre como as pessoas más ficam boas ou como, por incrível que pareça, o Pai Natal existe mesmo, enchem-nos de esperança que a magia que um dia perdemos volte e nos arrebate novamente para um mundo incrível e maravilhoso.
E é isso mesmo. O Natal é esperança. Esperança de voltar a acreditar no nosso mundo de criança.
É evidente que há um problema. Não há bela sem senão. È que quando regressamos à realidade compreendemos o que realmente é o Natal: É a aquela minúscula altura do ano em que, supostamente, fazemos aquilo que, certamente, deveríamos fazer o ano inteiro.
O Natal é a nossa desculpa para continuarmos a acreditar que somos todos boas pessoas e que fazemos todos aquilo que devemos fazer. Aquilo que está certo. E como todos sabemos isso não é bem assim. Nem no Natal.
Na realidade, o Natal é um importante fôlego para a máquina económica que rege a sociedade, principalmente em altura de crise, e uma forma eficaz de nos pôr a gastar dinheiro. Para mim,
desculpem-me aqueles que não concordem comigo
para sentir o Natal e, efectivamente, pô-lo em prática, não é preciso gastar o dinheiro que não se tem em pequenas prendas para dar às pessoas e que muitas vezes apodrecem numa recôndita gaveta. Peço desculpa mas a amizade não se vê por prendas ou cartões. A solidariedade não se vê através de mensagens SMS ou de emails.
Os verdadeiros valores do Natal são intemporais e valem muito mais do que qualquer coisa que o dinheiro possa comprar.
Não me compreendam mal. Eu gosto do Natal tal como ele é. Gosto de receber prendas inesperadas e, especialmente, que gostem e apreciem aquelas que ofereço. Agora não façamos mais do Natal do que aquilo que ele efectivamente é: Um ritual agradável.
Para mim o Natal há de ser sempre aquilo que passou a ser desde aquela longínqua tarde de Dezembro em que percebi a verdade à cerca do Pai Natal.
O Natal para mim significa uma época em que tenho a oportunidade de estar reunido com a família toda e onde podemos todos confraternizar; uma oportunidade de estar à lareira e sentir efectivamente que não estou sozinho neste mundo; uma oportunidade de ver o “Música no Coração” e acreditar que as colinas estão mesmo vivas com o som da música; e, não nos esqueçamos, o Natal é uma altura em comemoramos o nascimento
acredite-se ou não
de alguém que trouxe valores muito importantes a este mundo. E esses, sim, foram uma grande prenda de Natal...
Um dos maiores desgostos que já tive na minha vida foi, por altura dos meus seis anos, ter descoberto que o Pai Natal não existia. Devo dizer que resisti como pude a tamanha heresia para o meu pequeno mundo de então.
O local da ocorrência foi no recreio
lembro-me como se tivesse sido a semana passada
mesmo antes da aula de ginástica. O Rafael resolveu anunciar em voz alta, para que todos o ouvissem, que sabia que o Pai Natal não existia.
isso é impossível
A minha reacção não foi apenas de incredibilidade mas de tentar convencer toda a gente que aquela afirmação era idiota e que, portanto, o Rafael era ainda mais idiota.
É preciso ter em atenção que desde que me lembrava de existir que o Pai Natal fazia parte da minha vida. Todos os anos ele descia pela chaminé e me oferecia precisamente aquilo que eu tinha pedido. Ora, isto fazia com que ele consistisse na personagem mais incrível com quem eu alguma vez me defrontara. Não só conseguia percorrer numa única noite o mundo inteiro, como conseguia transportar um enorme saco vermelho do tamanho do mundo com ele, como, ainda por cima, acertava em cheio nas coisas que eu desejava. O Pai Natal era um dos meus maiores amigos. Dava-me coisas boas, tal como os meus pais, mas nunca se zangava comigo. Sejamos sérios, o Pai Natal era o maior.
Realmente é preciso assumir: Eu estava comprado. Ninguém falava mal do Pai Natal e safava com isso...
Como é evidente revoltei-me profundamente com o Rafael. Qual não foi a minha surpresa quando mais amigos meus aceitaram aquela afirmação profana como verdadeira. Rapidamente fundei o grupo dos que acreditavam no Pai Natal e que, com argumentos válidos, procuravam demonstrar que o Pai Natal existia de facto. O melhor argumento foi, sem dúvida, dizer que os meus pais me tinham dito que o Pai Natal existia.
estás a chamar mentiroso ao meu pai?
A discussão prolongou-se durante a aula de ginástica
era dia de trampolim
e, devo-vos dizer, foi completamente infrutífera. Cheguei a casa mais convencido do que nunca que o Pai Natal era absolutamente real. Como não o poderia ser? Estava na televisão, as pessoas todas falavam nele e todos os dias 24 de Dezembro tinha de me esconder para que ele não me visse.
Quando a minha mãe chegou a casa fui rapidamente contar-lhe o que tinha acontecido umas horas antes, procurando uma importante aliada. Era preciso fazer qualquer coisa para impedir que a vil mentira inventada pelo Rafael
havia a possibilidade de terem sido os pais dele
não contaminasse o resto das pessoas. Era altura de agir e, portanto, altura de pedir ajuda à mãe...
Nunca me hei de esquecer da expressão patente na cara da minha mãe quando terminei o relato. Foi nesse momento que percebi que não tinha razão. Os meus pais tinham-me enganado...
Não chorei, não gritei nem me revoltei. Apenas aguentei de pé, incrédulo, o peso gigante da desilusão. A magia tinha acabado.
Não vos vou dizer que acho que não se deve fazer os miúdos acreditarem no Pai Natal. Se calhar essa grande desilusão foi uma grande lição.
não ser dogmático
Devemos questionar sempre os nossos conhecimentos porque a qualquer momento pode vir algo que nos diz que estamos errados e que vira o nosso mundo de pernas para o ar. E esta noção foi, provavelmente, a melhor prenda de Natal que alguma vez recebi.
Passados vinte anos olho para o Natal de uma maneira completamente diferente. O meu mundo é infinitamente maior e dentro dele cabem muito mais coisas. O bem não vai sempre até aos bons como o mal também não vai sempre até aos maus. Muitas vezes até é ao contrário. O cinzento, nos dias de hoje, triunfa claramente sobre o branco e o preto. Enfim, as coisas são muito mais complexas.
Quando penso nisto,
o Natal é sempre uma boa ocasião para por as coisas em perspectiva
vem-me sempre à cabeça a maneira como via as coisas quando era pequenino. É que o Natal é mesmo isso. É fazer-nos voltar atrás e acreditar que existe mesmo uma altura do ano em que as pessoas são todas amigas e boas, uma altura em que a solidariedade impera sobre a inveja e a cobiça, uma altura em que os milagres, se calhar, até podem acontecer.
Aqueles filmes todos na televisão sobre como as pessoas más ficam boas ou como, por incrível que pareça, o Pai Natal existe mesmo, enchem-nos de esperança que a magia que um dia perdemos volte e nos arrebate novamente para um mundo incrível e maravilhoso.
E é isso mesmo. O Natal é esperança. Esperança de voltar a acreditar no nosso mundo de criança.
É evidente que há um problema. Não há bela sem senão. È que quando regressamos à realidade compreendemos o que realmente é o Natal: É a aquela minúscula altura do ano em que, supostamente, fazemos aquilo que, certamente, deveríamos fazer o ano inteiro.
O Natal é a nossa desculpa para continuarmos a acreditar que somos todos boas pessoas e que fazemos todos aquilo que devemos fazer. Aquilo que está certo. E como todos sabemos isso não é bem assim. Nem no Natal.
Na realidade, o Natal é um importante fôlego para a máquina económica que rege a sociedade, principalmente em altura de crise, e uma forma eficaz de nos pôr a gastar dinheiro. Para mim,
desculpem-me aqueles que não concordem comigo
para sentir o Natal e, efectivamente, pô-lo em prática, não é preciso gastar o dinheiro que não se tem em pequenas prendas para dar às pessoas e que muitas vezes apodrecem numa recôndita gaveta. Peço desculpa mas a amizade não se vê por prendas ou cartões. A solidariedade não se vê através de mensagens SMS ou de emails.
Os verdadeiros valores do Natal são intemporais e valem muito mais do que qualquer coisa que o dinheiro possa comprar.
Não me compreendam mal. Eu gosto do Natal tal como ele é. Gosto de receber prendas inesperadas e, especialmente, que gostem e apreciem aquelas que ofereço. Agora não façamos mais do Natal do que aquilo que ele efectivamente é: Um ritual agradável.
Para mim o Natal há de ser sempre aquilo que passou a ser desde aquela longínqua tarde de Dezembro em que percebi a verdade à cerca do Pai Natal.
O Natal para mim significa uma época em que tenho a oportunidade de estar reunido com a família toda e onde podemos todos confraternizar; uma oportunidade de estar à lareira e sentir efectivamente que não estou sozinho neste mundo; uma oportunidade de ver o “Música no Coração” e acreditar que as colinas estão mesmo vivas com o som da música; e, não nos esqueçamos, o Natal é uma altura em comemoramos o nascimento
acredite-se ou não
de alguém que trouxe valores muito importantes a este mundo. E esses, sim, foram uma grande prenda de Natal...
sábado, 15 de novembro de 2003
A CERTEZA DA INCERTEZA
Não pretendendo complicar a simplicidade normal da discussão pública, há determinados pensadores que elaboraram teorias ao longo dos tempos que merecem ser alvo de referência, discussão e reflexão. Um deles é sem dúvida Karl Popper e o seu Princípio da Refutabilidade.
Este princípio, revolucionário para a primeira metade do século XX, consiste simplesmente no facto de que se queremos evoluir, os nossos raciocínios ou teorias são melhor verificados pela refutação do que pela confirmação.
Um exemplo. Se eu viver no meio do deserto e disser que nunca mais ali vai chover pelo facto de eu ali viver, esta afirmação pode ser tida como verdadeira
esta agora...
uma vez que, provavelmente, no dia seguinte não irá chover. Nem no próximo. Na verdade só se pode saber se esta afirmação é verdadeira ou falsa no dia em que efectivamente chover. Aí todos os habitantes do deserto saberão que eu estava errado. Até esse dia eles poderão acreditar que a razão da falta de chuva seria a minha presença no deserto. Facto, este, que poderia ser perigoso para a minha permanência nesse local...
Aqui a questão é que se chover eu tenho a certeza que a teoria está errada; se não chover a teoria pode, eventualmente, estar correcta. Podemos ver pelo outro lado. Se eu disser amanhã vai chover de certeza e efectivamente no dia seguinte chover, do ponto de vista científico eu podia saber ou, simplesmente, estar a advinhar. Agora se não chover no dia seguinte há a certeza absoluta que no dia anterior eu não sabia se ia chover ou não.
Isto pode parecer uma evidência. E é. No entanto, este princípio acarreta consequências que, se calhar, não são tão evidentes, princípios que a sociedade tende a esquecer. Se não vejamos:
Se a única forma de eu poder saber se determinado princípio é válido ou não, é demonstrar que ele não é válido, então um argumento válido nunca pode ser validado, porque, por e simplesmente, não pode ser desmentido.
Isto quer dizer que não existem dogmas. Que não existem verdades absolutas. Que tudo aquilo que acreditamos poderá um dia ser desmentido e que só não o terá sido até agora porque ou não temos o conhecimento suficiente para o fazer,
ainda não choveu
ou então nunca o será porque é verdade.
nunca mais vai chover
Ora isto é fabuloso. E é mesmo. É que é assim que se criam os dogmas que, supostamente, não deveriam existir.
agora é que são elas...
Isto por uma razão muito simples. Eu posso gerar uma série de argumentos que nunca poderão ser desmentidos, não por serem verdades
talvez sejam
mas porque não podem ser refutados; logo, poderão ser considerados como verdades. Existem muitos e se repararmos bem são estes mesmos que gerem a sociedade:
Religiões tidas como as verdadeiras, sistemas políticos tidos como os melhores, objectivos tidos como essenciais, teorias tidas como reais, etc... A verdade
e esta é mesmo verdade
é que tudo isto pode ser verdade agora mas poderá vir a não ser verdade no futuro. Podemos estar enganados.
E aqui é que bate o ponto. Se existe a possibilidade de estarmos enganados
amanhã pode chover
como é que nós devemos de lidar com isto. E isto é fundamental porque nós temos o hábito de fazer estátuas aos heróis que estavam certos e crucificar os vilões que se enganaram. Na realidade, sempre aprendemos mais com os vilões que se enganaram. Já repararam? Quem é que quer cometer o erro que outro já cometeu antes?
Só há uma solução para esta incerteza constante em que, à luz do Princípio da Refutabilidade, somos forçados a viver: A Tolerância.
Tolerância com aqueles que se enganaram porque com eles aprendemos, quanto mais não seja, aquilo que não se deve fazer;
Tolerância com aqueles que acertaram porque ainda se pode vir a provar que afinal não estavam assim tão certos;
Tolerância ao não assumirmos certas verdades como absolutas e verdadeiras porque afinal partilhamos 98% dos nossos genes com um gorila e há boas possibilidades de um gorila, por mais inteligente que seja, se enganar. Nem que seja ás vezes...
Tolerância para com todos aqueles que acham que nós estamos enganados porque podem bem ter razão.
Tolerância para todos aqueles que nós achamos que não estão certos porque podemos bem estar enganados.
A questão será, então: Somos nós, comunidade de humanos, uma sociedade tolerante? Sabemos respeitar as nossas diferenças? Sabemos que aquilo que temos como certo será sempre algo que é, forçosamente, incerto?
Penso que não. Todos os dias morrem pessoas em nome de Deus. Ao longo da história morreram milhões em nome de um sistema. E no meio disto tudo todos nós temos certezas sobre como é que as coisas foram, são e como é que elas deveriam ser.
A acrescentar à Tolerância temos ainda a Prudência. Não dar passos apressados sem diminuirmos a incerteza ao mínimo possível. Possível porque se tentarmos que a incerteza seja zero nunca iremos chegar a lado nenhum.
Prudentes nas decisões que nos envolvem a todos mas arrojados nas possibilidades individuais.
E isto é o melhor que existe no mundo. É que se o Princípio da Refutabilidade nos diz que tudo o que sabemos pode estar errado, também nos diz que tudo o que não sabemos é, por exclusão de partes, possível. O limite da nossa evolução será sempre a nossa própria imaginação. Deveremos manter sempre todas as nossas possibilidades em aberto. Devemos acreditar, acima de tudo, em nós próprios e nas nossas capacidades. É que estas podem ser verificadas pela acção.
Esta é a única excepção ao Princípio da Refutabilidade: Aquilo que depende única e exclusivamente de nós. As nossas capacidades só podem ser verificadas pela experimentação dos nossos limites. Pela primeira coisa que não fomos, efectivamente capazes de fazer. E nada nos garante que, mesmo esta, não a possamos vir a ser capaz de fazer no futuro.
E isto abre-nos as portas do universo. Porque sabemos muito menos do que poderemos vir a saber.
De facto, temos ainda muito que andar. Ainda temos muito que nos enganar. Ainda temos muito que sonhar. A verdade é que depois de toda a evolução que experienciámos somos forçados a voltar ao início. Como Sócrates disse, só sabemos que nada sabemos.
É a certeza da incerteza. É o dogma do desconhecimento. Para o bom e para o mau. No melhor e no pior.
Argumento. Tenho a mais profunda certeza que no planeta Terra não existe um único dragão que deite fogo pelo nariz e que coma criancinhas ao pequeno almoço. Provem lá que isto é verdade. Difícil.
Outro argumento. No futuro iremos todos juntos explorar o espaço e conquistar conhecimentos fantásticos, inimagináveis e maravilhosos. Provem lá que isto é mentira. Fico à espera.
A verdade é que aquilo que nos sobra é o facto de vivermos no incerto, no misterioso. E como Einstein disse, “não há nada mais belo no mundo do que o misterioso”...
Não pretendendo complicar a simplicidade normal da discussão pública, há determinados pensadores que elaboraram teorias ao longo dos tempos que merecem ser alvo de referência, discussão e reflexão. Um deles é sem dúvida Karl Popper e o seu Princípio da Refutabilidade.
Este princípio, revolucionário para a primeira metade do século XX, consiste simplesmente no facto de que se queremos evoluir, os nossos raciocínios ou teorias são melhor verificados pela refutação do que pela confirmação.
Um exemplo. Se eu viver no meio do deserto e disser que nunca mais ali vai chover pelo facto de eu ali viver, esta afirmação pode ser tida como verdadeira
esta agora...
uma vez que, provavelmente, no dia seguinte não irá chover. Nem no próximo. Na verdade só se pode saber se esta afirmação é verdadeira ou falsa no dia em que efectivamente chover. Aí todos os habitantes do deserto saberão que eu estava errado. Até esse dia eles poderão acreditar que a razão da falta de chuva seria a minha presença no deserto. Facto, este, que poderia ser perigoso para a minha permanência nesse local...
Aqui a questão é que se chover eu tenho a certeza que a teoria está errada; se não chover a teoria pode, eventualmente, estar correcta. Podemos ver pelo outro lado. Se eu disser amanhã vai chover de certeza e efectivamente no dia seguinte chover, do ponto de vista científico eu podia saber ou, simplesmente, estar a advinhar. Agora se não chover no dia seguinte há a certeza absoluta que no dia anterior eu não sabia se ia chover ou não.
Isto pode parecer uma evidência. E é. No entanto, este princípio acarreta consequências que, se calhar, não são tão evidentes, princípios que a sociedade tende a esquecer. Se não vejamos:
Se a única forma de eu poder saber se determinado princípio é válido ou não, é demonstrar que ele não é válido, então um argumento válido nunca pode ser validado, porque, por e simplesmente, não pode ser desmentido.
Isto quer dizer que não existem dogmas. Que não existem verdades absolutas. Que tudo aquilo que acreditamos poderá um dia ser desmentido e que só não o terá sido até agora porque ou não temos o conhecimento suficiente para o fazer,
ainda não choveu
ou então nunca o será porque é verdade.
nunca mais vai chover
Ora isto é fabuloso. E é mesmo. É que é assim que se criam os dogmas que, supostamente, não deveriam existir.
agora é que são elas...
Isto por uma razão muito simples. Eu posso gerar uma série de argumentos que nunca poderão ser desmentidos, não por serem verdades
talvez sejam
mas porque não podem ser refutados; logo, poderão ser considerados como verdades. Existem muitos e se repararmos bem são estes mesmos que gerem a sociedade:
Religiões tidas como as verdadeiras, sistemas políticos tidos como os melhores, objectivos tidos como essenciais, teorias tidas como reais, etc... A verdade
e esta é mesmo verdade
é que tudo isto pode ser verdade agora mas poderá vir a não ser verdade no futuro. Podemos estar enganados.
E aqui é que bate o ponto. Se existe a possibilidade de estarmos enganados
amanhã pode chover
como é que nós devemos de lidar com isto. E isto é fundamental porque nós temos o hábito de fazer estátuas aos heróis que estavam certos e crucificar os vilões que se enganaram. Na realidade, sempre aprendemos mais com os vilões que se enganaram. Já repararam? Quem é que quer cometer o erro que outro já cometeu antes?
Só há uma solução para esta incerteza constante em que, à luz do Princípio da Refutabilidade, somos forçados a viver: A Tolerância.
Tolerância com aqueles que se enganaram porque com eles aprendemos, quanto mais não seja, aquilo que não se deve fazer;
Tolerância com aqueles que acertaram porque ainda se pode vir a provar que afinal não estavam assim tão certos;
Tolerância ao não assumirmos certas verdades como absolutas e verdadeiras porque afinal partilhamos 98% dos nossos genes com um gorila e há boas possibilidades de um gorila, por mais inteligente que seja, se enganar. Nem que seja ás vezes...
Tolerância para com todos aqueles que acham que nós estamos enganados porque podem bem ter razão.
Tolerância para todos aqueles que nós achamos que não estão certos porque podemos bem estar enganados.
A questão será, então: Somos nós, comunidade de humanos, uma sociedade tolerante? Sabemos respeitar as nossas diferenças? Sabemos que aquilo que temos como certo será sempre algo que é, forçosamente, incerto?
Penso que não. Todos os dias morrem pessoas em nome de Deus. Ao longo da história morreram milhões em nome de um sistema. E no meio disto tudo todos nós temos certezas sobre como é que as coisas foram, são e como é que elas deveriam ser.
A acrescentar à Tolerância temos ainda a Prudência. Não dar passos apressados sem diminuirmos a incerteza ao mínimo possível. Possível porque se tentarmos que a incerteza seja zero nunca iremos chegar a lado nenhum.
Prudentes nas decisões que nos envolvem a todos mas arrojados nas possibilidades individuais.
E isto é o melhor que existe no mundo. É que se o Princípio da Refutabilidade nos diz que tudo o que sabemos pode estar errado, também nos diz que tudo o que não sabemos é, por exclusão de partes, possível. O limite da nossa evolução será sempre a nossa própria imaginação. Deveremos manter sempre todas as nossas possibilidades em aberto. Devemos acreditar, acima de tudo, em nós próprios e nas nossas capacidades. É que estas podem ser verificadas pela acção.
Esta é a única excepção ao Princípio da Refutabilidade: Aquilo que depende única e exclusivamente de nós. As nossas capacidades só podem ser verificadas pela experimentação dos nossos limites. Pela primeira coisa que não fomos, efectivamente capazes de fazer. E nada nos garante que, mesmo esta, não a possamos vir a ser capaz de fazer no futuro.
E isto abre-nos as portas do universo. Porque sabemos muito menos do que poderemos vir a saber.
De facto, temos ainda muito que andar. Ainda temos muito que nos enganar. Ainda temos muito que sonhar. A verdade é que depois de toda a evolução que experienciámos somos forçados a voltar ao início. Como Sócrates disse, só sabemos que nada sabemos.
É a certeza da incerteza. É o dogma do desconhecimento. Para o bom e para o mau. No melhor e no pior.
Argumento. Tenho a mais profunda certeza que no planeta Terra não existe um único dragão que deite fogo pelo nariz e que coma criancinhas ao pequeno almoço. Provem lá que isto é verdade. Difícil.
Outro argumento. No futuro iremos todos juntos explorar o espaço e conquistar conhecimentos fantásticos, inimagináveis e maravilhosos. Provem lá que isto é mentira. Fico à espera.
A verdade é que aquilo que nos sobra é o facto de vivermos no incerto, no misterioso. E como Einstein disse, “não há nada mais belo no mundo do que o misterioso”...
TEORIA DA RESPIRAÇÃO
por VM
O que raio se passa com os homens? Serão geneticamente incapazes de não fazer barulho a respirar quando dormem? Daqui a umas 5 horas a Matilde acorda de vez e não admite sonecas em serviço. Eu sei, já tentei...levei com um telefone de brincar na cabeça e como só isso não resultou, espetou-me os dedos nos olhos. Tento fechar os olhos e o que é que acontece?... O desgraçado do assobio, o ressonar que nem se assume como ressonar, é que nem ritmado é!! Assim não há condições... Até o Dax, quando não está nas sessões de higiene nocturnas (também muito silenciosas, diga-se) está de motor a trabalhar e como se não bastasse, arrasta a sua mantinha p’ra dormir mesmo à porta do meu quarto. Resultado: som estéreo. Padrão observado: são ambos machos. E depois admiram-se que as mulheres sejam mais propensas a depressões... Pois é meus amigos...p’la alminha das vossas mães, custa muito fechar a boca a dormir? Isto cheira-me a conspiração da indústria farmacêutica p’ra vender sonoríferos e cremes para as olheiras...claro (!)agora faz tudo sentido. No recenseamento militar, ou recrutamento ou sei lá como se chama, está um delegado de informação médica a aliciar com subornos vitalícios todos os passíveis usurpadores de sono alheio... isto tudo nas boas graças do ministério da defesa, com certeza de conluio mediante uma contribuição choruda, tipo, “toma lá um submarino e se mais de 30% dos recrutas sofrer de sinusite até pomos uns sonarezitos extra, tem é Bayer escrito na escotilha, mas a cavalo dado...”. Ah! Pensavam que escapavam mas não contavam com a astúcia de quem se vê obrigada a considerar todas as possibilidades a altas horas da madrugada. Fica o aviso. Eu sei. O Mundo irá saber. Quando a vocês, assobiadores da meia-noite, tssss.... que vergonha! Francamente!
por VM
O que raio se passa com os homens? Serão geneticamente incapazes de não fazer barulho a respirar quando dormem? Daqui a umas 5 horas a Matilde acorda de vez e não admite sonecas em serviço. Eu sei, já tentei...levei com um telefone de brincar na cabeça e como só isso não resultou, espetou-me os dedos nos olhos. Tento fechar os olhos e o que é que acontece?... O desgraçado do assobio, o ressonar que nem se assume como ressonar, é que nem ritmado é!! Assim não há condições... Até o Dax, quando não está nas sessões de higiene nocturnas (também muito silenciosas, diga-se) está de motor a trabalhar e como se não bastasse, arrasta a sua mantinha p’ra dormir mesmo à porta do meu quarto. Resultado: som estéreo. Padrão observado: são ambos machos. E depois admiram-se que as mulheres sejam mais propensas a depressões... Pois é meus amigos...p’la alminha das vossas mães, custa muito fechar a boca a dormir? Isto cheira-me a conspiração da indústria farmacêutica p’ra vender sonoríferos e cremes para as olheiras...claro (!)agora faz tudo sentido. No recenseamento militar, ou recrutamento ou sei lá como se chama, está um delegado de informação médica a aliciar com subornos vitalícios todos os passíveis usurpadores de sono alheio... isto tudo nas boas graças do ministério da defesa, com certeza de conluio mediante uma contribuição choruda, tipo, “toma lá um submarino e se mais de 30% dos recrutas sofrer de sinusite até pomos uns sonarezitos extra, tem é Bayer escrito na escotilha, mas a cavalo dado...”. Ah! Pensavam que escapavam mas não contavam com a astúcia de quem se vê obrigada a considerar todas as possibilidades a altas horas da madrugada. Fica o aviso. Eu sei. O Mundo irá saber. Quando a vocês, assobiadores da meia-noite, tssss.... que vergonha! Francamente!
quarta-feira, 12 de novembro de 2003
IRREALIDADES FACTUAIS
Há uma coisa que me parece evidente ao analisarmos brevemente a forma como a nossa sociedade funciona: Há uma grande preocupação com o parecer, muito mais do que com o ser.
E é que é mesmo assim. Se somos gordos, mais do que fazer dieta preocupamo-nos em parecer magros; se temos um nariz grande demais, corta-se um bocado; se não fomos à neve, vai-se para o solário
que grande bronze
compra-se o carro que se viu a estrela A ou B a conduzir na TV, provavelmente patrocinados pela empresa que vende o automóvel; pinta-se o cabelo para se ser louro porque eles e elas gostam é dos louros
já agora, porque é que não põem as sobrancelhas a condizer?
o pobre quer parecer rico e o rico quer parecer ainda mais rico; o feio sofre porque não é bonito, o bonito sofre porque o lindo é mais bonito que o bonito; as modelos ganham milhões para passar fome, obrigando aquelas que não ganham milhões e por isso não conseguem passar fome,
mas tentam
a sofrimento atroz porque, como diria Molière, “a grande ambição das mulheres é inspirar o amor”
talvez fosse
os hambúrgueres que vemos com ar tão apetitoso na televisão a anunciar uma qualquer marca de hambúrgueres, são feitos de plástico e envernizados
que delícia
os cães e os gatos que correm para aquela deliciosa refeição de ração, passaram dois dias sem comer
que agradável
aqueles senhores e senhoras que vão para aqueles programas das vidas reais
é o que diz o título
são actores contratados deliberadamente para enganar as pessoas; aquela agenda grátis que vem com o próximo número da revista não é grátis; já toda a gente deveria saber que não serve de nada deixar crescer o cabelo de lado e depois penteá-lo para o meio como se cabelo fosse coisa que não falta, e desculpem lá, mas acham mesmo que a Lili é uma mulher bonita?
A questão que permanece é, portanto, a seguinte: Porquê?
Porquê esta obsessão com o parecer? Quer dizer, vamos ser honestos. Não há problema nenhum em querer parecer bem. Até pelo contrário. Agora há problema é quando isso é feito à custa do ser. Quando abdicamos de partes de nós para parecermos algo que, se calhar, não tem rigorosamente nada a haver connosco.
E aqui é que está o cerne da questão. O ser é algo que vem de dentro. É um legado genético e espiritual. Tem essência. É real. É a nossa contribuição para todos os outros seres, ou seja, para a sociedade. Já o parecer é, supostamente, o reflexo do ser nos outros. É uma imagem. É uma ideia que os outros formam de nós. E esta imagem pode ser real ou virtual.
Nós vivemos em sociedade e, como tal, temos de nos forçar a conviver uns com os outros. É, por isso mesmo, salutar que tentemos adaptar o nosso ser aos outros. Que nos habituemos ao facto de que não estamos sós e que temos de, muitas vezes, de parecer algo que não somos. É uma contingência social. Mas há um limite. Uma coisa é adaptarmo-nos, outra é transformarmo-nos.
A evolução humana fez-se de alterações, mutações mas, principalmente, de adaptações. Quando nos adaptamos uns aos outros fortalecemos os nossos laços, incrementamos aquilo que nos une. Que nos une na diversidade. Saímos todos mais fortes. Quando nos transformamos perdemos algo. E analisando o que se passa hoje no mundo, aquilo que perdemos é a nossa originalidade. Todos queremos ser ricos, famosos, ir aos mesmos restaurantes, comer as mesmas coisas, ter os mesmos penteados e vestir as mesmas roupas. E quando não conseguimos ser, tentamos parecer.
E aqui é que está a diferença. Adaptarmo-nos à sociedade não é copiarmos aquilo que vemos na televisão. Isso é abdicarmos da nossa originalidade. É perdermos aquilo que nos distingue.
Como eu dizia, o parecer é a forma como os outros nos vêem. É aquilo que dizemos antes de abrirmos a boca. E, hoje em dia, o parecer está cada vez mais longe do ser. Parece que todos nós temos uma pequena máscara que nos confunde com a multidão e que impede os outros de verem aquilo que verdadeiramente somos. Ou então se somos críticos a esta crescente massificação, extremamos as nossas diferenças para vincar bem a todos que somos diferentes. E aí perdemos aquilo que nos une. Somos marginalizados. Ou marginalizamo-nos.
A evolução faz-se acima de tudo de comunicação. E por menos que queiramos o parecer continua a ser a nossa melhor forma de comunicação social. E isso é que importa. A evolução da Humanidade faz-se com aquilo que aprendemos uns com os outros, com os estímulos que transmitimos à comunidade e com as ideias que esta nos transmite a nós e que achamos boas e queremos utilizar também. É a comunicação social na verdadeira acepção da palavra. A comunicação interna da comunidade, da sociedade. E se nós desejamos que a evolução da comunidade seja saudável, seja para melhor e que nos transforme em melhores pessoas, então essa comunicação social deverá ser o mais honesta possível. A discussão que nela se passa deverá ser em torno dos reais problemas que nós
todos
encontramos, enquanto comunidade.
E isto é importante. Se o meu problema for um e eu me preocupar com tudo o resto menos com o meu problema, nunca o irei resolver. Como a evolução se faz de adaptação e a adaptação se faz de resolução de problemas, quem não resolve os seus problemas não evolui.
Isto quer dizer que nós enquanto comunidade deveríamos discutir aquelas coisas que podem influenciar a comunidade para bem ou para mal. Deveríamos tentar resolver os seus problemas. Mas não.
eu resolvo os meus problemas
Aquilo que fazemos é, principalmente, concentrarmo-nos no acessório e esquecer o principal, o essencial.
evolução é este pequeno espaço de tempo em que eu cresço
Mas isto traz ainda um outro problema. E é aquilo de que estava a falar antes. Se nós privilegiamos o parecer em detrimento do ser, só há uma conclusão possível: Passamos a vida a tentar resolver aquilo que PARECE um problema e não aquilo que É um problema. E isso é mandar tiros ao lado. E quem manda tiros ao lado acerta onde não devia. Cria novos problemas.
E isto é que é aquilo que nos deve preocupar. Porque isto É um problema. Nós ao nos alienarmos da realidade da vida, ao a transformarmos na vida virtual que gostaríamos de ter, transportamos a irrealidade para o campo dos factos. Quer isto dizer que desejamos uma realidade virtual e que, inadvertidamente, a transformamos numa irrealidade factual.
E com isto esquecemo-nos daquilo que é realmente importante, ou seja, daquilo que somos, daquilo que fomos e que aquilo que gostaríamos de ser agora será sempre muito menos do que aquilo que poderemos vir a ser no futuro.
Há uma coisa que me parece evidente ao analisarmos brevemente a forma como a nossa sociedade funciona: Há uma grande preocupação com o parecer, muito mais do que com o ser.
E é que é mesmo assim. Se somos gordos, mais do que fazer dieta preocupamo-nos em parecer magros; se temos um nariz grande demais, corta-se um bocado; se não fomos à neve, vai-se para o solário
que grande bronze
compra-se o carro que se viu a estrela A ou B a conduzir na TV, provavelmente patrocinados pela empresa que vende o automóvel; pinta-se o cabelo para se ser louro porque eles e elas gostam é dos louros
já agora, porque é que não põem as sobrancelhas a condizer?
o pobre quer parecer rico e o rico quer parecer ainda mais rico; o feio sofre porque não é bonito, o bonito sofre porque o lindo é mais bonito que o bonito; as modelos ganham milhões para passar fome, obrigando aquelas que não ganham milhões e por isso não conseguem passar fome,
mas tentam
a sofrimento atroz porque, como diria Molière, “a grande ambição das mulheres é inspirar o amor”
talvez fosse
os hambúrgueres que vemos com ar tão apetitoso na televisão a anunciar uma qualquer marca de hambúrgueres, são feitos de plástico e envernizados
que delícia
os cães e os gatos que correm para aquela deliciosa refeição de ração, passaram dois dias sem comer
que agradável
aqueles senhores e senhoras que vão para aqueles programas das vidas reais
é o que diz o título
são actores contratados deliberadamente para enganar as pessoas; aquela agenda grátis que vem com o próximo número da revista não é grátis; já toda a gente deveria saber que não serve de nada deixar crescer o cabelo de lado e depois penteá-lo para o meio como se cabelo fosse coisa que não falta, e desculpem lá, mas acham mesmo que a Lili é uma mulher bonita?
A questão que permanece é, portanto, a seguinte: Porquê?
Porquê esta obsessão com o parecer? Quer dizer, vamos ser honestos. Não há problema nenhum em querer parecer bem. Até pelo contrário. Agora há problema é quando isso é feito à custa do ser. Quando abdicamos de partes de nós para parecermos algo que, se calhar, não tem rigorosamente nada a haver connosco.
E aqui é que está o cerne da questão. O ser é algo que vem de dentro. É um legado genético e espiritual. Tem essência. É real. É a nossa contribuição para todos os outros seres, ou seja, para a sociedade. Já o parecer é, supostamente, o reflexo do ser nos outros. É uma imagem. É uma ideia que os outros formam de nós. E esta imagem pode ser real ou virtual.
Nós vivemos em sociedade e, como tal, temos de nos forçar a conviver uns com os outros. É, por isso mesmo, salutar que tentemos adaptar o nosso ser aos outros. Que nos habituemos ao facto de que não estamos sós e que temos de, muitas vezes, de parecer algo que não somos. É uma contingência social. Mas há um limite. Uma coisa é adaptarmo-nos, outra é transformarmo-nos.
A evolução humana fez-se de alterações, mutações mas, principalmente, de adaptações. Quando nos adaptamos uns aos outros fortalecemos os nossos laços, incrementamos aquilo que nos une. Que nos une na diversidade. Saímos todos mais fortes. Quando nos transformamos perdemos algo. E analisando o que se passa hoje no mundo, aquilo que perdemos é a nossa originalidade. Todos queremos ser ricos, famosos, ir aos mesmos restaurantes, comer as mesmas coisas, ter os mesmos penteados e vestir as mesmas roupas. E quando não conseguimos ser, tentamos parecer.
E aqui é que está a diferença. Adaptarmo-nos à sociedade não é copiarmos aquilo que vemos na televisão. Isso é abdicarmos da nossa originalidade. É perdermos aquilo que nos distingue.
Como eu dizia, o parecer é a forma como os outros nos vêem. É aquilo que dizemos antes de abrirmos a boca. E, hoje em dia, o parecer está cada vez mais longe do ser. Parece que todos nós temos uma pequena máscara que nos confunde com a multidão e que impede os outros de verem aquilo que verdadeiramente somos. Ou então se somos críticos a esta crescente massificação, extremamos as nossas diferenças para vincar bem a todos que somos diferentes. E aí perdemos aquilo que nos une. Somos marginalizados. Ou marginalizamo-nos.
A evolução faz-se acima de tudo de comunicação. E por menos que queiramos o parecer continua a ser a nossa melhor forma de comunicação social. E isso é que importa. A evolução da Humanidade faz-se com aquilo que aprendemos uns com os outros, com os estímulos que transmitimos à comunidade e com as ideias que esta nos transmite a nós e que achamos boas e queremos utilizar também. É a comunicação social na verdadeira acepção da palavra. A comunicação interna da comunidade, da sociedade. E se nós desejamos que a evolução da comunidade seja saudável, seja para melhor e que nos transforme em melhores pessoas, então essa comunicação social deverá ser o mais honesta possível. A discussão que nela se passa deverá ser em torno dos reais problemas que nós
todos
encontramos, enquanto comunidade.
E isto é importante. Se o meu problema for um e eu me preocupar com tudo o resto menos com o meu problema, nunca o irei resolver. Como a evolução se faz de adaptação e a adaptação se faz de resolução de problemas, quem não resolve os seus problemas não evolui.
Isto quer dizer que nós enquanto comunidade deveríamos discutir aquelas coisas que podem influenciar a comunidade para bem ou para mal. Deveríamos tentar resolver os seus problemas. Mas não.
eu resolvo os meus problemas
Aquilo que fazemos é, principalmente, concentrarmo-nos no acessório e esquecer o principal, o essencial.
evolução é este pequeno espaço de tempo em que eu cresço
Mas isto traz ainda um outro problema. E é aquilo de que estava a falar antes. Se nós privilegiamos o parecer em detrimento do ser, só há uma conclusão possível: Passamos a vida a tentar resolver aquilo que PARECE um problema e não aquilo que É um problema. E isso é mandar tiros ao lado. E quem manda tiros ao lado acerta onde não devia. Cria novos problemas.
E isto é que é aquilo que nos deve preocupar. Porque isto É um problema. Nós ao nos alienarmos da realidade da vida, ao a transformarmos na vida virtual que gostaríamos de ter, transportamos a irrealidade para o campo dos factos. Quer isto dizer que desejamos uma realidade virtual e que, inadvertidamente, a transformamos numa irrealidade factual.
E com isto esquecemo-nos daquilo que é realmente importante, ou seja, daquilo que somos, daquilo que fomos e que aquilo que gostaríamos de ser agora será sempre muito menos do que aquilo que poderemos vir a ser no futuro.
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