O LEVIATÃO
Há uma coisa em que eu estive a pensar e que me parece pertinente o suficiente para que eu transponha esse pequeno pensamento desblogueado para este blog. E tem a haver com o Estado.
Não sei se já repararam mas nós temos o hábito de nos referir aos agentes do Estado como “eles”.
este ano eles levaram-me o dinheiro todo em impostos
Normalmente referimo-nos ao Estado sempre na terceira pessoa
aqueles gajos nunca mais tapam o buraco da rua
e pensamos que a nossa vida é gerida e ou regulada por outras pessoas e damos por nós constantemente a criticar a sua conduta porque não é do nosso agrado. No entanto, ficamo-nos por aqui. Criticamos os tais terceiros e pronto.
O nosso contributo para a resolução dos problemas que identificámos é falarmos sobre eles no café em tom resoluto e decidido e depois ir para casa ver as notícias e que mais coisas “eles” fizeram. Provavelmente no dia seguinte terei novos argumentos sobre assuntos antigos
dados por um “ele” comentador
e, se tiver sorte, novos assuntos para eu próprio comentar se concordo ou não.
Ora, isto para mim não faz muito sentido. E não o faz por uma razão muito simples: O Estado não são “eles”, somos “nós”.
Nós temos esta noção de que o Estado é um ser autónomo, grande
gigante
e poderoso e que temos todos de lhe fazer a vontade porque se não o fizermos apanhamos uma multa ou vamos para a prisão.
não deixa de ser verdade
Agora, não nos podemos esquecer que o Estado é um invenção do Homem. Só há Estado porque há muitos anos atrás alguém achou que se havia regras que os grupos sociais tinham de cumprir, então deveria haver uma forma de garantir que essas regras fossem cumpridas.
O Estado nasceu para dar segurança e bem estar às pessoas que vivem sobre o seu jugo. Mas o mais importante é mesmo a ideia de que o Estado é um mero instrumento inventado pelos homens para viverem melhor. E mais. O Estado não existe por si só, só existe porque há pessoas. E não são “eles” porque “eles” não são diferentes de “nós”. Na realidade, “eles” somos “nós”.
Sinceramente, parece-me que as pessoas se esquecem do seu real poder. Falamos e criticamos, mandamos bocas e bitates, vociferamos e discutimos uns com os outros mas esquecemo-nos que o Estado só faz o que nós quisermos que ele faça.
o Estado faz aquilo que interessa a alguns e não a todos
Isso é culpa de todos, então. E há alguns que se aproveitam.
Vamos ver realmente onde está o poder:
Primeiro, há o poder de fazer as leis que reside na Assembleia da República. Ora esta é eleita por todos nós. Nós é que escolhemos os nossos deputados.
escolhemos entre os que nos dão a escolher
Certo, mas podemos punir aqueles que se portam mal ao não votarmos nesse ou nesses partidos. Por isso, em teoria, os deputados são nossos enviados para fazer as leis que são do nosso agrado. Só não o fazem porque nós não vamos todos votar, porque não os conhecemos, porque não lemos as propostas eleitorais e porque não prestamos a mínima atenção a aquilo que se passa no Parlamento.
Segundo, há o poder de executar as leis. É o governo. Como é evidente este é eleito, se bem que indirectamente, por todos nós. E senão gostarmos dele podemos mandá-lo embora após quatro anos. A verdade é que só analisamos a actuação dos governos naquilo que atrai a atenção dos media. Tudo o que não é mediático não existe. Ora isto é giro porque normalmente mediático é aquilo que é mau. Logo, os governos são sempre maus.
Terceiro, há o poder judicial que só faz aquilo que a lei
esta foi feita por todos nós como já se viu
manda.
Em quarto lugar, temos o poder dos media. Estes são aqueles que nos dizem pela televisão, rádio e jornais aquilo que nós devemos comprar, escolher ou votar. É, para mim, o mais importante deles todos. Principalmente porque finge que não tem nada a haver com o Estado.
No entanto, na sociedade moderna não se passa nada que os media não influenciem. E o mais giro é que é um poder que fiscaliza todos os outros
pode falar mal de governos, deputados e juizes
mas não é fiscalizado por ninguém porque existe uma coisa chamada “protecção de fontes”. Mas até mesmo este poder depende do povo, da população, ou seja, de “nós”. O jornal só é poderoso se houver pessoas que o comprem, tal como o telejornal só interessa se alguém o vir. Se nós formos críticos a julgar a qualidade de um telejornal, tal como somos críticos a julgar a capacidade de um ministro, então talvez esse poder fosse mais fiscalizado. Talvez sentíssemos que “eles” somos “nós”...
Por último, ainda há outro poder. O maior de todos. O gigante dos gigantes que tritura todos os outros pequeninos poderes: O poder económico. Todos nós assistimos ao facto deste poder cometer injustiças sobre os cidadãos
estes sacanas estão a despedir gajos todos os dias
mas não fazemos absolutamente nada. Será que ninguém se lembra que a única razão porque as empresas são poderosas é porque “nós” compramos os seus produtos?
Será que ninguém se lembra que todos os poderes só são poderosos porque nós deixamos que eles sejam poderosos?
Será que ninguém se lembra que se nós quisermos podemos, mais tarde ou mais cedo, mandar abaixo qualquer um destes poderes?
Será que alguém pensa antes de comprar umas meias em qual é a empresa que as produz?
Será que alguém enquanto vê o telejornal pondera na possibilidade de que aquilo que ali está pode não ser bem assim? Que os jornalistas são pessoas que dão a opinião pessoal e subjectiva? Que a televisão não é a máquina da verdade mas sim um ponto de vista falível, subjectivo e parcial?
E esta é que é a questão. Criticamos
com ou sem razão
tudo o que nos apetece e achamos que por podermos fazer isso vivemos em Democracia. Esquecemo-nos que se não existir uma capacidade de os cidadãos se associarem a causas importantes
ou não
que considerem que devem ser defendidas, haverá sempre alguns que se aproveitam do amorfismo social para fazer valer os seus interesses individuais.
A Democracia exige muito mais do que dizer o que nos apetece. Estar num café a dar a nossa opinião não serve absolutamente para nada a não ser influenciar aqueles que nos ouvem. E gritar bem alto quanto muito incomoda aqueles que não têm nada a haver com a discussão.
A Democracia exige deveres além de direitos. Exige a nossa atenção e nosso esforço para a resolução dos problemas que afectam a sociedade. Toda a sociedade. Implica perceber que aquilo que é mau para mim não quer dizer que seja mau para todos.
A verdade é que “nós” andamos a dormir. Achamos que o Estado, esse bicho gigante e pesado tem de resolver todos os problemas que nos afectam a todos e que “nós” só temos de levar a nossa vida como nos apetece. Não temos capacidade de crítica social porque não damos continuação às críticas que fazemos. Vivemos no imediato e aquilo que nos enfurece hoje está esquecido amanhã. Pior. Aqueles pobres coitados que não são amorfos e que querem fazer algo pela sociedade
por eles e por todos
são mal tratados e não lhes damos atenção. Bem podem andar a recolher abaixo assinados ou a bater de porta em porta que se for algo que nos obrigue a sair da nossa mecânica rotina diária, então não interessa.
Nós estamos alheados e uniformizados. Algures
e não foi há muito tempo
perdemos a nossa capacidade de tentar mudar o que está mal. O que está mal para todos. Sem dúvida que o egoísmo social é a nova forma de resolução dos problemas das pessoas.
eu voto de acordo com aquilo que é melhor para mim.
Será que ninguém se lembra que o todo é sempre maior do que a soma das partes?
Realmente não sei que caminho esta sociedade vai tomar. É que por um lado temos as pessoas que estão atentas a tudo e à espera de ganhar proveitos sobre os outros; por outro lado temos aqueles que também estão acordados mas que pensam no todo e não na sua pequena parte; e depois temos os outros, aqueles que se sujeitam às regras e se esqueceram de que as podem mudar. E estes são a maioria que decide quais as empresas que têm sucesso, os programas que vemos na televisão, quais os governos que governam...
Sabem...
Peço desculpa mas isto para mim não é bem a Democracia que tantos ao longo dos tempos sonharam. Democracia implica esclarecimento nas decisões, um esclarecimento social que vise o melhor para todos e não o melhor para cada um.
Mas o mais grave é que se não tivermos cuidado e começarmos a educar as nossas crianças rumo à sociedade do conhecimento, a colocar os instrumentos de que dispomos ao serviço de todos visando o estímulo das nossas capacidades, então correremos o sério risco de vir a viver em demagogia, ou seja, numa real ditadura da maioria, onde a maioria nem disso se apercebe porque, simplesmente, “eles” é que mandam...
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