sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

OS BOICOTADORES

Toda a histeria em redor do Relatório do FMI é paradigmática do nível do debate público em Portugal. Se é certo que o relatório, como todos, há-de ter virtudes e defeitos, soluções e imperfeições, boas propostas e más propostas, também deveria ser certo que um relatório é uma base de estudo, de trabalho e, obviamente, de debate. Mas que faz a oposição e a esquerda (o PS em particular)? Gritam e esbracejam que o relatório é "uma vergonha"; indignam-se porque o relatório existe. Extraordinário. Pior: atiram-se logo as feras de ocasião ao Secretário de Estado Moedas porque este afirmou que o relatório "está bem feito". Um crime lesa-pátria, evidentemente. Não é preciso mais nada para se compreender como o debate sobre conteúdo do dito relatório - que é fundamental para o futuro imediato do país - morre à partida. O que deveria ser óbvio, mas que aparentemente não é, sobre o relatório é que este configura um conjunto de propostas que, após o devido estudo e debate, poderão ser ou não implementadas, de uma ou outra forma, pelo Governo. A existência do relatório só pode merecer elogios sobre a tentativa do Governo se alicerçar no melhor conhecimento possível (e transparente) antes de tomar decisões. Mais: serve o relatório para se debaterem possibilidades e alternativas. Infelizmente, impossibilitando a livre troca de opinião, para a esquerda jacobina a mera existência de certas alternativas é indigna da Democracia, da liberdade, da Pátria e sei lá mais o quê. Pior: que outras alternativas propõe a esquerda socialista? Nenhuma. Qual o caminho que os críticos do relatório (veja-se o ridículo da situação) apresentam? Que propostas apresentam os críticos do relatório para além de criticar o Governo por ter um relatório em sua posse com propostas sobre as quais não se pronunciou e que poderá, ou não, estar na base de eventuais medidas legislativas futuras que desconhecemos? Zero. Enfim, o ridículo no seu expoente máximo.

Para ver se nos entendemos vou ver se consigo explicar com clareza e simplicidade o que se passa no Portugal de hoje: vivemos uma situação onde o Estado está falido (as receitas são menores que as despesas) e onde o seu financiamento que permite o regular funcionamento da economia (e das instituições) é assegurado por intervenção estrangeira; por forma a reganharmos a independência económica  - e podermos continuar a pagar os salários da função pública, ter as escolas e os hospitais em funcionamento, polícias nas ruas, etc. - precisamos, portanto, de equilibrar as receitas com as despesas para que nos possamos financiar nos mercados internacionais. Ora, para isto há dois caminhos possíveis, sejam eles alternativos ou complementares: ou se aumentam as receitas através de impostos (e a oposição está contra) ou se corta nas despesas (e a oposição está contra também). Como é evidente, isto não é um debate: é um impasse. Para desatar este nó górdio precisamos, portanto, de perceber um raciocínio muito simples:

a) Se não equilibrarmos o deficit do Estado entre as receitas e as despesas não temos acesso a financiamento externo (nem dos mercados que apenas emprestam dinheiro a juros muito altos com medo de que uma falência futura nossa impeça os ditos mercados de recuperarem o dinheiro que nos emprestarem; nem conseguimos também renovar a seguir o empréstimo da troika - que é a única alternativa aos mercados - porque contas públicas desequilibradas configuram o incumprimento do Memorando de Entendimento). Ora, sem financiamento, o Estado entra em falência bem como a saída do Euro torna-se inevitável levando a um caos generalizado através de uma super-inflação galopante que nos levará a uma penúria súbita, extrema e impossível de evitar. A única vantagem deste cenário é que as contas públicas ficarão automaticamente equilibradas pois sem financiamento exterior o Estado não pode mesmo gastar mais do que recebe.

b) Assim, temos como alternativa plausível e desejável equilibrar as contas públicas para conseguirmos financiamento para o Estado e para a nossa economia.

c) Para equilibrar as contas públicas precisamos de aumentar receitas (impostos) e/ou diminuir despesas (gastos do Estado).

d) O aumento de impostos, além de ter consequência muito negativas para o crescimento económico, já não é uma solução pois estamos num ponto em que aumentar a carga fiscal não é eficaz, pelo contrário, graças à recessão, a uma maior evasão fiscal, etc, as receitas fiscais estão permanentemente abaixo do esperado; e quanto menos receita fiscal houver, mais na despesa do Estado se tem que cortar.

e) Assim sendo, sobra o fundamental e inevitável corte na despesa: ou se diminui a despesa, ou se perde o futuro acesso ao financiamento exterior. Não é bonito, não é desejável mas é inevitável (se quisermos continuar no Euro e desejarmos evitar as terríveis consequências que o incumprimento traria).

f) A questão que sobra - e a qual se deve debater - é que despesas cortar? Ou seja: como reformar o Estado de forma a que este apresente no final de cada ano despesas comportáveis com as receitas que temos? Ou seja: qual é o Estado que a produção nacional consegue suportar? Acrescente-se que oitenta por cento da despesa pública ocorre com o funcionamento do Estado e com as prestações sociais (ou seja, fundamentalmente: função pública + Educação + Saúde) logo qualquer reforma terá que considerar sempre alterações nestas vertentes.

É este o debate que se tem que fazer. Os políticos não são magos e a sua actividade é gerir o possível, o que existe; lidar com a realidade, portanto. Assim sendo, a decisão política é que vai escolher onde aplicar os escassos recursos existentes, onde se vai cortar. É a política que vai decidir o que é fundamental e o que é acessório; o que pode ser feito de outra forma e o que não se consegue alterar; onde podemos poupar e onde temos que investir. É precisamente aqui que um debate racional pode ocorrer pois haverão sempre diferentes formas de lidar com esta necessidade imperiosa de reformar o Estado e diminuir a despesa pública: é que há reformas e há reformas. Agora, gritar sobre a indignidade de um relatório como a esquerda na sua generalidade fez, dizer que não se debatem os cortes do Estado como o PS fez ou andar a criticar os sorrisos ou esgares de um Secretário de Estado como o inimaginável presidente do Instituto Sá Carneiro fez, tudo isso é simplesmente boicotar o debate sobre o que de mais fundamental é necessário fazer na política nacional: resgatar a independência económica. Triste é ver como os interesses comezinhos de facção das esquerdas, do PS ou destes opositores de oportunidade como Carreiras se sobrepõem ao interesse nacional. Resta saber se propositadamente ou se por uma pobre e indigente incapacidade de saber separar o essencial do acessório e perceber a real dimensão do imbróglio em que estamos enfiados.

2 comentários:

  1. Meu caro HaAs JaGeR,


    Há muito que não te vejo mas leio-te sempre atempadamente.

    A maioria das vezes concordo com as tuas análises.

    E o que mais me custa é o PSD de Passos Coelho raras ou nenhumas vezes saber sequer defender-se com os argumentos que utilizas e que são extremamente válidos.

    O nó górdio em que o país se encontra, encontra-se tambem o PSD e com pena minha.

    Oxalá saiba o governo recentrar-se no essencial, sem esquecer a cosmética que os tempos que corremos obrigam, sob peso de tudo ficar por terra.

    Não basta saber fazer. É preciso saber explicar.

    E nisso falha-se vezes sem conta. Já para não enunciar o que também de errado sem tem feito e sem desculpa quando tínhamos o péssimo exemplo que vinha de trás.

    Tirando isso, devias ter vindo ao estágio do verão passado.
    Abraço,


    Armando Soares

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  2. Apoiado. Só espero que tudo isto não se venha a tornar numa desculpa para não fazerem nada e apenas subirem mais uns impostos. Um grande abraço ;)

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