quinta-feira, 3 de abril de 2008

JOAQUIM PAÇO D'ARCOS, "ANA PAULA, PERFIL DE UMA LISBOETA"





















O romance "Ana Paula" foi premiado pela Academia das Ciências com o Prémio Ricardo Malheiros 1938. No entanto, a par da distinção, a academia divulgou um parecer onde criticava "as imperfeições, deslizes de semântica, erros de gramática, defeitos de expressão, incorrecções de grafia, expressões francesas ou afrancesadas" bem como condena a "expressão deturpada que ameaça tornar-se endémica na expressão literária portuguesa de hoje".

Nesse mesmo dia, 25 de Novembro de 1938, o autor, Joaquim Paço d'Arcos, enviou à Academia das Ciências a seguinte missiva:

"Ex.mo Sr. Secretário Geral da Academia das Ciências,

Soube pelos jornais da tarde de ontem que a classe de Letras da Academia deliberou conferir-me o Prémio Ricardo Malheiros 1938. Fui concorrente e não sou tão imodesto que possa, em boa verdade, dizer não me ter sido agradável receber essa honrosíssima distinção. Mas a notícia de ontem não era completa; vi hoje que o prémio não me fôra concedido por me ter sido reconhecido o direito de conquista e sim por muita indulgência e graciosa atenção dessa Academia.
Aprecio muitíssimo as dádivas dos Mecenas mas não costumo implorá-las.
E nas condições em que o prémio foi concedido a minha dignidade literária não me permite aceitá-lo.
Confiado em que V.Ex.a compreenderá o direito que me cabe de dar esta carta a publicidade dada ao parecer da Academia, subscrevo-me de

V. Ex.a
Com a mais alta consideração
At.º V. Obg.º
Joaquim Paço d'Arcos"

A resposta não se fez esperar e em 16 de Dezembro do mesmo ano, a Academia, pela mão do seu Presidente, o Sr. Dr. Júlio Dantas, lamentou a "resolução do moço e ilustre escritor, esperando que, esclarecidos os factos" não manteria a decisão de desistência do prémio.

Na tréplica o autor, o Sr. Joaquim Paço d'Arcos, manteve a sua decisão e fez notar o seguinte:

"Mas a língua é o que o povo e os artistas fazem dela e não o que os gramáticos querem. Correspondessem as minhas obras exactamente ao espírito da época em que foram escritas e à linguagem vulgar nela falada, ganhassem elas o favor do público pelos anos fora e os meus netos ainda haveriam de assistir ao divertido espectáculo de a Academia, no ano 2000, em parecer condenatório de um moço escritor que pretendesse laurear, abonar, com passos da "Ana Paula", o vernáculo de uma lei transgredida. O que hoje é condenado entraria assim na gaiola térrea em que os gramáticos obstinados pretendem enclausurar para todo o sempre o génio da língua em permanente evolução".

E termina dizendo:

"Passada a celeuma eu voltarei ao silêncio da minha vida, cautelosamente afastado dos vossos prémios. E nesse silêncio, com a ajuda de Deus, tentarei prosseguir a minha carreira, utilizando a língua portuguesa e servindo-a, não como seu escravo, mas como um dos seus mais humildes lavrantes".

Com um estilo irónico, de uma quase paradoxal inocente perspicácia, foi um prazer ter conhecido a literatura do Joaquim Paço d'Arcos. Recomendo vivamente e agradeço à Ana (ver o blogue da Ana aqui) que mo apresentou.

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