quinta-feira, 19 de abril de 2012

SAUDADES DO FUTURO

Quando andamos a ansiar pelo que não se tem de forma particularmente aguda saímos do nosso tempo presente e dividimo-nos entre a antecipação de um momento futuro que se quer alcançar e uma certa insatisfação - que a falta do objecto de desejo causa - pelo momento presente. O agora sabe a pouco comparado com o muito que o depois - aquele depois particular - pode vir a saber. Se for este processo de ansiedade insatisfeita vivido única e exclusivamente por um indivíduo, poder-se-á pensar que vivendo ele uma ilusão do que podendo vir a ser, ainda não o sendo - não existe de facto - acaba por recusar a realidade daquilo que é: o presente. E quem recusa o que tem em nome de uma mão cheia de sonhos? Um louco, talvez. No entanto, na rara circunstância de ser essa ilusão (a que se prefere à realidade, a tal loucura, portanto) partilhada a dois e tudo muda de figura: então a ilusão, porque confirmada por outrem, não poderá deixar de ser, de certa forma, real. Talvez seja essa a loucura que o Amor permite: partilhar-se o que ainda não é. Mas mais ainda: porque aí, nessa peculiar circunstância, apesar da ansiedade, apesar do desejo do futuro, apesar das esperanças desmedidas, apesar de tudo o que nos oferece as saudades de um futuro inspirador, também o momento presente, apesar de pleno de ansiedade, se revela como bom pois, também ele, a par das ilusões, é pleno, cheio, intenso e, acima de tudo: partilhado. Talvez seja isso também o Amor: uma ansiedade partilhada, uma ansiedade que exalta o futuro mas vive o presente. Mas a ansiedade oscila entre a esperança e o receio - e assim não poderia deixar de ser - porque deparando-nos nós com algo que se revela súbita e inexplicavelmente como importante ou, quiçá, fundamental, a mera ideia de perder aquilo que em parte já se tem, acrescida da perda do infinito que se ambiciona vir a ter, revela-se como um risco assinalável, terrível e assustador. E aí quer-se agarrar e anseia-se ainda mais! Mas o agarrar é serenidade meramente aparente porque quanto mais se tem, maior é o risco de se perder. E na verdade nada efectivamente se tem: apenas se vive. No final: é a batalha eterna entre o Medo e o Amor; e todas as nossas armas são tudo ilusão e esperança. E como não poderia deixar de ser assim se o Futuro é ele próprio a ilusão que ainda não é? Talvez o Amor seja isso então: apesar de se saber uma ilusão, acreditar-se que então somos nós tão ilusórios quanto aquilo pelo qual ansiamos, fazendo desses anseios então, por oposição à ilusão que somos nós próprios e pela força da vontade e da crença, tudo o que de mais real se pode vir a aspirar viver. E então a ansiedade ganha um novo nome: chama-se viver, viver de facto. Porque quem não sente o Amor não viveu ainda! E só as pedras não têm medo.

7 comentários:

  1. O meu amigo está um poeta! As coisas que as mulheres nos fazem... Espero que esta mudança de registo não seja um adeus ao comentário político.

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  2. O comentário político, meu caro, vai-se fazendo no facebook que é para não poluir aqui este espaço de "pensamento" ;) Grande abraço

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  3. Que texto tão bonito... a intelectualidade literária é muito interessante. Porém, pergunto se para além da grande capacidade analítica, existe no autor uma capacidade prática concretização da sua vontade em tempo útil em que sente enquanto vontade presente?

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  4. Acredito na razão como derivação justificativa da vontade e, nesse sentido, não concebo uma "capacidade analítica" independente da "vontade". Nietzsche explica melhor que eu :)

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  5. é Nietzsche explica bem!!! Mas pergunto (de novo) de uma forma clara e objectivamente,com uma abordagem simplória sobre a questão: será o autor capaz de matar as saudades do futuro vivendo o "objecto" da saudade em tempo presente?

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  6. Reflectir sobre o que se vive só é possível vivendo-se: não se sabe o que não se experiencia.

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  7. Não são apenas as pedras que têm medo, mas também aqueles que, à beleza do sentimento, antecedem o prazer da sua própria erudição.

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