segunda-feira, 5 de março de 2007

MELANCOLIA TEMPORAL

Passei meses a desejar que o tempo rapidamente passasse.
Estava farto. Não havia paciência para mais.
Agora o tempo já passou. E a questão é o que foi que ficou.
Na ânsia de viver o futuro, esqueci-me de viver o presente. E quem não vive o presente, pode ter um futuro, mas no futuro não terá certamente um passado.
E é assim.
Estou sem passado. Ou melhor. Tenho o mesmo passado que tinha há meses atrás. Os mesmos problemas. As mesmas virtudes.
E agora?
Agora falta-me aquilo que não tive nestes últimos meses;
A minha mão agarrando lenta e suavemente um riacho,
A fina areia de uma praia solitária,
Uma estrada sem fim,
Uma planície silenciosa,
Falta-me tudo aquilo que não pude ter.
Que vivência esta onde tomar banho num rio não poluído é um acto anual.
Miséria.
Quero fugir desta cidade onde a mesquinhez nos inunda juntamente com o escape negro de um autocarro. Isso não ajuda a viver o presente.
Que sítio este onde as mentes são curtas, feias e pequeninas.
Que sítio este onde somos forçados a assistir ao inusitado festim dos abutres sobre quem não conseguiu ser abutre.
Não há mesmo paciência.
Abutres sem passado.
Passados sem futuro.
Eu tenho um passado.
Tenho um passado forte demais para passar. Não bastam meses. Não basta o tempo.
Eu tenho um futuro.
Não sei onde. Não sei com quem a não ser comigo.
Comigo e com o meu passado.
Não voltarei a desejar que o tempo passe depressa.
Há sorrisos que não se esquecem.
Há sorrisos que não é bom esquecer.
Há sorrisos que é bom ter no passado.
O rio não apaga nada. Aprofunda.
A areia não esconde nada. Revela.
O tempo não passa. Vive-se.

quarta-feira, 27 de setembro de 2006

O REGRESSO

Caros amigos e amigas, ou seguindo os princípios da boa educação, caras amigas e amigos,

Venho-vos dar uma explicação para tão súbito desaparecimento de novos textos aqui no blog, explicação essa que consiste no facto de toda a minha capacidade criativa estar concentrada num romance que conto terminar em breve. Assim
para aguçar curiosidades
aqui vos deixo um pequeno excerto do dito livro que, situado mais ou menos a meio da narrativa, nada revela sobre a estória... Espero que seja sinceramente do vosso agrado e que abra o apetite para o que há de vir.... Comentem!
Cumprimentos literários e até breve...


"(..........) E isto é mesmo pertinente. O António está de tal modo abalado que nem as coisas que mais mexiam com ele parecem ter agora qualquer espécie de significado. Parecem ser indiferentes. E não há nada pior do que a indiferença. Não há mesmo. A indiferença é o fim do gosto, da paixão, do querer e da vontade. A indiferença é dizer que qualquer coisa é igual a qualquer outra coisa. Que tudo vale o mesmo. Que um Picasso não vale mais do que os rabiscos do [XXXXX] naquele papel. É matar a arte com um leve e displicente encolher de ombros. É matar o espírito e a alma do artista. No fim é isto mesmo. A musa do nosso artista sem arte calou-se. O seu espírito rebelde sem uma causa evidente silenciou-se. A sua vontade eclipsou-se. O António arrastava-se. Sem reclamar, caminhava sem saber para onde.
(...)
Não será, por esta razão, impertinente recordar-nos a nós próprios e a todos os que acompanham esta aventura que nem sempre a arte de relatar com fidelidade e exactidão os acontecimentos da vida do nosso António atinge os parâmetros de excelência que nós mesmos nos propusemos a alcançar. Isto de ler mentes e arquivos de memória é complicado e, apesar de parecer apetecível para espíritos mais coscuvilheiros, não se recomenda a ninguém. No entanto, mesmo perante todas estas inigualáveis dificuldades, assumimos
com humildade
que cá vamos tentando cumprir com os ditos e referidos parâmetros de qualidade. Assumem-se estas dificuldades porque descrever o estado de espírito do António neste momento preciso no tempo será uma tarefa de elevada dificuldade. Elevadíssima. De nível máximo. O Kilimanjaro das descrições literárias. E se a este desafio não nos furtamos, também não abdicamos de uma profunda e profícua inspiração seguida de uma exalação prolongada, pausada e relaxante para dar alento e calma para tamanha empreitada. Tal como um alpinista antes de deixar para trás os sherpas e começar a sua caminhada. E é isso que este impertinente desabafo é. Aquele pequeno momento em que o difícil ainda não é difícil mas já se sabe que o vai ser muito em breve e durante muito tempo.
Deixemo-nos de rodeios. Que a nossa musa não se cale e nos leve exactamente até onde nós queremos ir. Se para esta narração narrar o espírito do António é subir um Kilimanjaro, para o António o seu espírito está no extremo oposto. Se para se atingir um objectivo sentimos que temos de escalar e quando nos realizamos com o nosso próprio sucesso estamos no topo do mundo, já quando nos sentimos mal dizemos precisamente que nos sentimos em baixo. Ora em baixo quer dizer mais abaixo do que normalmente estamos. Se calhar para o tal sherpa significa estar a mil ou dois mil metros de altitude. Já para um habitante da Serra da Estrela ou do ditoso Pico açoriano seria estar mais ou menos ao nível do mar. Agora para o António que vive ao pé da praia, estar em baixo só pode mesmo significar estar debaixo de água. Ou debaixo de terra. Mas porque estar debaixo de água é bem mais fácil do que estar debaixo de terra até porque para este segundo caso seriam necessários instrumentos que não estão propriamente à mão, tais como pás e enxadas, vamos assumir esta pequena metáfora como uma metáfora aquática até porque se isto alguma vez der em filme será muito mais engraçado e apelativo uma imagem do nosso António a afundar-se calmamente nas águas límpidas e transparentes do nosso bonito mar, rodeado de pequenos e coloridos peixes, do que enfiá-lo a custo pela toca de algum coelho, imagem atrofiante e claustrofóbica esta que, com toda a certeza, muitos espectadores faria fugir da sala de cinema. Assim, o nosso António afundava-se rapidamente nas águas revoltas, negras e tenebrosas
isto de água transparente e peixes coloridos era mesmo só adaptação cinematográfica
sem conseguir parar. Foi mesmo atracar no sítio mais fundo que o espírito humano consegue encontrar. Referimo-nos, como evidente certamente será, à mui conhecida e badalada Fossa das Marianas. E não nos reportamos ao pouco recomendável bairro de barracas dos arredores de Lisboa mas sim aos onze mil metros de profundidade que o Oceano Pacífico atinge ali para os lados das Filipinas. Em suma, o António está mesmo lá em baixo. Onde os peixes nem sequer têm olhos porque tão escuro ali faz que olhos será precisamente a última coisa de que um peixe precisaria. Tão em baixo que a pressão da água reduz imponentes e resistentes construções de aço, ferro e silício ou tungsténio à finura da palma de uma mão. Tão, tão, tão lá em baixo que só para lá se estar quase que se tem deixar de ser. Aliás. Sejamos claros, honestos e concisos. É por tudo isto que alguém, que não o António mas que em condições similares certamente se encontrava, um dia exclamou “estou na fossa”. Pois. Essa tal fossa que existe dentro de todos nós e que não poucas vezes visitamos tem muitos metros de profundidade. Saber quantos metros já depende de que fossa gostamos nós de visitar e de que espécie de mergulhador somos nós. No fundo, isto de estar em baixo ou estar na fossa depende mesmo é de mergulhador para mergulhador. Agora o nosso António é um mergulhador de águas profundas. É um verdadeiro escafandrista. Um alpinista marítimo. E se o António está na fossa, então a fossa só poderá mesmo ser a Fossa. Aquela que é a maior de todas. A Tal. A já referida e temida Mariana. A última morada da crosta terrestre antes de se entrar no acolhedor manto de lava que enleva e embala cuidadosamente o núcleo de ferro líquido do nosso planeta, palavras queridas estas para actividades planetárias mas que para um simples humano, por melhor mergulhador que seja, de acolhedor significam muito pouco, talvez signifiquem mais qualquer coisa parecida com Inferno, Casa de Hades ou mesmo Morada do Lucifer. Quando se está no fundo da fossa, no caso do António será mais correcto dizer
melhor ainda escrever
no fundo da Fossa com F grande, quando se chega aí, o Diabo está ao virar da esquina. O Purgatório ficou lá atrás e são centímetros que nos separam do Grande Cornudo. Isto de dizer centímetros é mais uma arma literária dirão alguns e, admitamos, não passa mesmo de semântica porque é facto cientificamente provado que a crosta terrestre tem uns largos vinte e quatro quilómetros de espessura. Não nos apelidem é de mentirosos porque mesmo sabendo que são vinte e quatro os quilómetros que separam o espírito do António da Besta de Fogo, não deixa de ser verdade que são dois milhões e quatrocentos mil centímetros que compõem essa mesma distância e que isto do quilómetro ser a base de referência é tão válido como ser o centímetro porque como todos sabemos a unidade até é aquilo que está no meio, ou seja, o metro. E também em metros não somos forçados a medir porque isto das medidas foi alguém que as inventou e que se saiba falar em centímetros em vez de quilómetros ou metros, ao contrário de tomar banho na praia com a bandeira vermelha, ainda não paga multa. O ponto é que quando se está no fundo da Fossa, como o António está agora, a distância que nos separa do Sítio dos Grandes Tormentos é mesmo muito pequena. Aliás, estar ali já é por si próprio um grande tormento o que nos leva directamente à possibilidade de, quem sabe, o Inferno ser mesmo um sítio onde o fogo que lavra é precisamente o fogo da nossa mente sob o jugo da pressão da água ou da escuridão da noite, aquela escuridão tão forte que até rouba os olhos aos peixes. Quem sabe mesmo se o ponto onde o atormentado espírito do António viaja não é mesmo o Lago Negro de Belzebu e se assim for a mentira do relato não é tanto em dizer que falta pouco quando a essa escala ainda muito falta, mas será mesmo dizer que ainda falta alguma coisa quando afinal de contas, para mal dos nossos pecados, para se chegar ao Inferno já não falta nada pela simples razão de que já se lá está.
Enfim. Triste sina esta a do narrador que perante a dificuldade de relatar aquilo que vê se enrola em infindáveis e intermináveis metáforas que ganham vida e que nem Frankenstein, acabam por controlar, asfixiar e até matar o próprio relato, pior ainda, perante tamanha tragédia, quiçá o próprio narrador ou narradores perecerão sob o peso bruto e insuportável do seu próprio falhanço porque toda a gente sabe que um relato não se escreve sozinho e que se sai asneira a culpa não é do autoclismo do vizinho ou dos saltos do puto do quinto andar mas é mesmo de quem escreveu o dito relato porque só se relata aquilo que se vê e aquilo que se vê não é mais do que uma opinião de quem escreve sobre o que aconteceu. Dizermos que um relato falhou é dizermos que o relator de escritor não tem nada, aliás de observador terá ainda menos, que isto de escrever ou relatar é mesmo só e nada mais do que a capacidade de observar. Ora atirarmos aos ditos relatores que não conseguem observar é a mesmíssima coisa que os chamarmos de cegos, o que como já perceberam é exactamente igual a mandarmos a dita amostra de escritor para o fundo das Marianas, o tal sítio onde nem os peixes vêem, ou seja, a última casa de todos aqueles que podendo ter olhado não viram e que podendo ter escrito não relataram. Enfim, o cúmulo é mesmo tendo percebido que as metáforas acerca do António eram já exageradas e ter, ainda por cima e por baixo, começado a metaforiar sobre o facto de previamente ter metaforiado sobre o António. É que se se entra nesta espiral esquizofrénica da metáfora, essa droga literária capaz dos maiores vícios
lá vamos nós outra vez
está mesmo o relato arrumado e o bilhete de submarino para a Fossa das Marianas adquirido. Enfim, tentando ainda
humildementesalvar o que pode ser salvo, com os mais e maiores sinceros obséquios, nos desculpamos de tamanho devaneio que é como quem diz um devaneio de tão grande envergadura, não se medindo esta em centímetros porque de coisas da mente não tratam os centímetros, nem os metros ou, já agora, os quilómetros, admita-se no entanto que no mundo dos devaneios, este último foi certamente rei e o melhor é mesmo voltar ao António porque se isto dos devaneios terem reis não é a bela da viciante e insidiosa metáfora outra vez então não sabemos nós o que raio será. Agora é que estes meteram a pata na poça, estarão certamente a pensar alguns dos nossos leitores porque toda a gente sabe, continuarão eles, que isto dos devaneios terem reis é uma evidente e indiscutível personificação. Seria esse o saboroso momento em que colocadas em cheque as nossas capacidades de análise gramatical, nos riríamos com gosto, deixando puxar o riso bem do fundo do poço das cordas vocais e, já agora dando-lhe um muito a propósito eco de igreja medieval, riso demoníaco este de que falamos agora, porque estará na altura de relembrar que na grande disputa filosófica do que é uma metáfora e do que não é, nós somos partidários da corrente metaforista, ou seja, daqueles que defendem que tudo são metáforas e que o resto é história, ou melhor, estória porque mesmo que tenham retirado esta palavra do nosso léxico, é de estórias e não de História que aqui tratamos. Mas enfim. Já fomos mesmo longe demais, o devaneio já deu toda a luta que tinha para dar e está mesmo na hora de voltarmos àquilo que interessa que é como quem diz ao nosso fiel relato sobre as aventuras e desventuras do nosso amigo António (..........)".

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

COMPLEXIDADES CONJUGAIS

Ela não conseguia deixar de olhar para a maçaneta da porta.
Era uma daquelas maçanetas rectangulares que se empurram para baixo para abrir. Aquela, em particular, não se mexia há tempo demais. E a Joana não estava a gostar nada disso.
"Zé !!", gritou. Não houve resposta. Tinha havido uma discussão
mais uma troca de ideias um pouco acalorada, tentava ela convencer-se
e ele tinha-se fechado no escritório. Estava lá há mais de duas horas e tanto tempo não era costume.
Ela encostou o ouvido direito
aquele com que conseguia ouvir razoavelmente
e procurou com muita atenção qualquer sinal de vida que tivesse proveniência de dentro da divisão. Enquanto escutava o silêncio, percorreu mentalmente as paredes forradas a livros procurando perceber onde o seu marido estaria.
Ela era muito orgulhosa. Jamais daria o braço a torcer. Só o facto de já ter perguntado por ele demonstrava claramente um sinal de fraqueza da sua parte. Ela não iria entrar no escritório. Se ele quisesse que viesse atrás de si mais tarde quando lhe tivesse passado o amuo.

Joana e Zé estavam casados já há mais de vinte e cinco anos. Se lhes perguntássemos se eram felizes a resposta seria invariavelmente sim, se estivessem juntos, ocasionalmente um coro de lamentos, se estivessem separados. Há muitas pessoas neste mundo que aumentam a sua felicidade a lamentarem-se. Quanto pior forem as coisas que tiverem para contar, quanto mais for possível se vitimarem, mais prazer sádico essas pessoas têm com a sua própria existência. E em Portugal há muito disto.
A Joana e o Zé não seriam o cúmulo desta situação mas tinham muitas destas características. O que gerava muitas discussões. E quanto mais espalhafatosas melhor. Não seria uma discussão se não terminasse com um bater de porta e um ar ofendido. Se por ventura pudéssemos presenciar as suas discussões, verificaríamos com algum espanto que a alternância dos papéis, entre quem saía da divisão com um ar ofendido e a bater com a porta e quem nela ficava lançando vitupérios, era quase perfeita. E isto poderia ser matéria de aturado estudo para uma equipa de psicólogos já que era um exercício de sentimentos e emoções controladamente descontroladas interessante de analisar. Quem tinha a possibilidade de sair da sala, normalmente significava que estava a perder a discussão. Se quem ficasse na sala fosse atrás da pessoa a derrota seria minimizada. Por isso mesmo ela nunca iria atrás dele.
Quando as pessoas convivem há muitos anos ganham manias. Modos de estar e de conviver que muitas vezes acabam por se constituir num mundo privado, estranho para os demais, que congrega características que para os outros poderão parecer de autêntica loucura. A casa da Joana e do Zé era, nesse sentido, uma verdadeira casa de doidos.
Eram daqueles parzinhos de liceu que continuaram a namorar durante a universidade e, logicamente, acabados os cursos e introduzidos no mercado de trabalho abraçaram o desafio do casamento. E fizeram bem. Naquilo que um era paranóico o outro gozava. Naquilo que um tinha muito jeito o outro não valia nada por aí além. E isso era bom porque naquilo que eles eram realmente iguais era na necessidade intrínseca de competir com todos os demais. Se eles tivessem os mesmos talentos o namoro não teria durado uma semana.
Tendo os dois quarenta e sete anos, era difícil de discernir qual seria o mais bem sucedido nos seus respectivos campos profissionais. Ela, tradutora, ganhava menos do que ele, advogado, mas compensava essa falha sabendo falar inglês, francês, alemão, espanhol e italiano praticamente na perfeição. Até já tinha aparecido um convite para fazer traduções em simultâneo no Parlamento Europeu mas recusara para não ter de sair do seu país e, consequentemente, abdicar de estar com a sua família. Aquilo de que abdicou foi de um grande ordenado numa decisão que foi tomada pelos dois.Tinham três filhos. Habituados a uma casa cheia de gente, nunca faltava animação. Quando não era a confusão habitual, fruto da interacção física de cinco pessoas numa mesma casa, era os filhos a discutir entre eles ou com os pais. Quando tudo estava calmo, discutiam eles.

Desta vez a questão era o local onde iriam passar um fim de semana a dois. Ela queria ir para a terra dos pais dela, em Évora, enquanto que ele desejava ir para o Porto onde um casal amigo vivia e o convívio era sempre agradável.
preferes os amigos à tua mulher
Mal ela atirou aquele pronuncio ele compreendeu que no campo da teoria conjugal ela tinha razão. Podia ter-lhe respondido que a preferia todos os dias da semana durante os últimos vinte cinco anos o que só por si já era um grande feito
acrescentaria ele a atalho de foice só para picar
mas admitiu para si próprio que se aquele fim de semana era a dois, deveria ser a dois e não a quatro. Só lhe restava sair de cena, com a batalha perdida.
Ela exultou com a vitória e a perspectiva de um tardio Irish Coffee no Café Arcada na bonita Praça do Giraldo.
Mas agora ela estava preocupada. Tanto tempo fechado no escritório não era decididamente normal. Começou-se gradualmente a aperceber do ridículo que encerrava a situação. A picuice. A mesquinhez. O pequenino em que eles se transformavam para, constantemente, levar cada um a sua a avante. A competição. A teimosia doentia de quem tem sempre razão e nunca se engana. Não é que as discussões lhe gerassem infelicidade. Ela tanto se divertiria em Évora como no Porto.
mas preferia Évora...
Apeteceu-lhe chamar por ele outra vez.
De repente percebeu.
"Sacana, ele ainda é mais maquiavélico do que eu", pensou, "quer é que eu entre por ali dentro a chamar por ele preocupada. Realmente, não há paciência"
Foi até à cozinha e preparou um café para si própria.
Pensou nas últimas palavras do marido.“Ainda me vais pedir desculpa hoje pela forma como falaste comigo”. Realmente ela até era capaz de se ter excedido um pouco. Tinha dormido mal e ainda tinha menos paciência do que de costume. Essa falta de paciência causada pela falta de sono era colmatada por mais teimosia do que o normal. Eram os ingredientes ideais para uma quezília conjugal.
"Tantos anos depois e ainda não percebeu que quando não durmo fico quezilenta?! Se não percebeu, percebesse..." Ela enxotou os pensamentos, lembrando-se como sempre faziam as pazes antes de irem dormir. Muitas vezes, nesses momentos mais íntimos e carinhosos, perguntavam-se se não discutiriam tanto só para depois terem a oportunidade de fazer as pazes. Dali a pouco tudo estaria bem, pensou ela.
Acabado o café, levantou-se e pôs-se a andar de um lado para o outro, em passo rápido, revivendo a discussão enquanto esfumava a recém adquirida cafeína e gastava a já bastante coçada carpete do corredor-
Três horas haviam passado. Pareciam muitas mais.
De repente sentiu um calafrio na espinha. Daqueles arrepios gelados que fazem o cérebro estagnar estarrecido perante uma possibilidade horrorosa demais para poder ser verdadeira. E se lhe tivesse acontecido alguma coisa? Ainda havia pouco tempo tinham recebido os resultados das análises ao sangue e ele tinha acusado um certo excesso de colesterol. E ultimamente andava mais cansado. Lembrou-se como uns dias antes se tinha queixado de que as escadas se tinham tornado cansativas. E a discussão tinha sido um pouco mais acalorada do que o costume. E pensando bem ele tinha saído da sala a suar ligeiramente...
"Oh Meu Deus!", ela tentou afugentar esse pensamento. Mas não conseguiu. Tinha passado demasiado tempo.
Dirigiu-se imediatamente e em passo estugado para a porta do escritório. Seria uma estupidez se algo acontecesse e ela em nome de um orgulho parvo e pequenino não estivesse lá para o ajudar. Abriu a porta com a firmeza de quem cumpre aquilo que tem de ser e olhou em redor do compartimento. Pareceu-lhe vazio. De repente reparou num par de pés
descalços
que sobressaiam no chão em relação à secretária.
"Zéééééééééeéé...", ouviu-se a gritar em plenos pulmões, precipitando-se para o seu marido que se encontrava deitado no chão de olhos fechados.
Ninguém, nem a própria Joana, pode afirmar com certeza sobre o que lhe terá passado pela cabeça naqueles milésimos de segundo que demorou a alcançar o corpo imóvel do seu marido. Agarrou-se a ele com toda a força
"Desculpa, querido... Desculpa! Eu estou aqui! Está tudo bem!"
Imagens desconexas de uma vida partilhada a dois principiaram a escorrer-lhe pela face.
Talvez por isso mesmo ela sentiu um forte aperto na sua perna direita. Abriu os olhos e deparou-se com aqueles olhos verdes a que estava tão habituada.
"Estava a ver que não...", disse-lhe ele com um ar trocista,"... Já me doíam as costas..." E acrescentou com aquela malícia de canto de boca, "Eu disse-te que ainda me irias pedir desculpa hoje..."

quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

O CONSULTÓRIO

Sentaram-se os dois confortavelmente.
Ele voltou a mexer-se. Afinal não estava confortável. Olhou nervosamente o consultório à sua volta. Mexeu-se novamente, colocando a perna esquerda sobre a direita.
Na realidade Júlio não conseguia perceber como é que alguém poderia estar confortável numa situação daquelas. Era a sua primeira vez num consultório de psicologia e esperava ser hábil o suficiente para não parecer um idiota completo.
“Então o que o traz aqui?”, inquiriu a psicóloga.
“Sinceramente, doutora, não lhe sei dizer muito bem. Ou melhor... Até sei.”, balbuciou, “Quer dizer... Olhe... Sabe?”, enchendo-se de coragem, “Isto, no fundo é tudo culpa da Sónia.”
“Da Sónia? Quem é a Sónia?”
“Tantas perguntas”, pensou ele, “A minha colega... A razão disto tudo. O Dr. Brito não lhe explicou?”
“Calma”, incitou ela, “Respire fundo e diga o que lhe apetecer. Temos tempo”.
“Tempo”, ponderou ele. Tempo era aquilo que decididamente lhe faltava agora.
De repente o tempo alargou-se. E ele tentou explicar o que raio fazia ali.

Júlio nascera na Guarda. Não estava no interior esquecido. O seu pai era médico e tinha uma vida bem confortável. Tal como o pai era filho único, bom estudante e dono de uma infância feliz. Da sua mãe já ele não se lembrava. Partira abandonando-o a ele e ao marido. Se calhar fora essa a razão para o grande apego que tinha ao seu pai. Tinham sido os dois abandonados. Mas com a enfermeira Dulce em casa bem como com a sempre prestável empregada interna Dona Odete, o lugar fora rapidamente preenchido. Na escola tinha amigos, uma namorada e saía sempre a seguir ao jantar para brincar. Mais tarde a brincadeira deu lugar a umas passas e umas jolas. Nada de grave. O Júlio era responsável.
Aos dezoito anos partiu para Lisboa para estudar medicina. Como o pai.
E o seu mundo virou-se ao contrário.

“Sabe Doutora, isto é difícil de explicar. Realmente não sei por onde começar”, atirou ele mais parecendo um qualquer réu num julgamento. Torcia as mãos, suava pela testa e remexia-se constantemente na cadeira.
“Que tal pelo princípio?”, inquiriu a mais perfeita imagem da serenidade.

Saber o que seria o princípio apresentava-se como uma tarefa complexa para o Júlio. Talvez desde o primeiro momento em que chegou a Lisboa. Alugara um quarto, perto da Junqueira, que dividia com mais três colegas universitários. O João, estudante em Engenharia Naval, o Pedro que estudava Direito e a Sónia que estudava Psicologia.
Desde o início que simpatizara com a Sónia. Um rapariga gorducha e simpática que lhe oferecia uma companhia divertida, inteligente e cheia de alegria. Rapidamente começaram a sair com alguma frequência tornando-se bons amigos. Em algumas ocasiões, não menos frequentes, foram bem mais do que amigos. Estavam bem assim.
Os dois primeiros anos passaram muito bem. Até que uma noite, no quarto conversando com ela algo aconteceu. Sónia, deitada na sua cama, enrolando-se nos lençóis, enquanto fumava um cigarro perguntou-lhe: “Sabes que esta tua incapacidade de assumires relacionamentos com as mulheres é bem capaz de estar relacionada com o facto de teres sido abandonado pela tua mãe quando eras pequeno. Se calhar devias de ir a um psicólogo ou isso...”
Aquelas palavras ecoaram na cabeça do Júlio como se de sinos se tratassem. Sónia continuou tentando dar força ao seu argumento mas ele nem a ouviu mais. E se aquilo fosse verdade? E se o abandono da sua mãe o afectasse na forma como se relacionava com as mulheres ou mesmo na forma como via o mundo? E se a sua mãe fosse, por omissão, responsável por parte da sua vida? Um impedimento à sua própria felicidade?
Aquela ideia, uma vez inserida no seu cérebro, não mais sairia de lá. Quem seria a sua mãe? Estaria viva? Morta? Lembrar-se-ia sequer que tinha um filho?
Quando era pequenino, o Júlio, costumava fantasiar com uma mãe que era astronauta e que tinha ido numa viagem histórica rumo às estrelas. Só uma missão dessas a poderia ter forçado a tomar a terrível decisão de abandonar a sua família. Sonhou enumeras vezes com uma bonita senhora chorando do alto do seu fato de cosmonauta e acenando com pesar a uma multidão que implorava para que ela não deixasse o filho...
Sonhos à parte, a verdade é que Júlio nunca tinha perdoado à sua mãe pelo facto de ter partido e nunca mais ter dito nada. Não se faz. Mesmo que as coisas estivessem muito más com o seu pai, ele era o filho. E os filhos não se abandonam.
Os dias passaram e de repente o Júlio deu por si constantemente absorto em pensamentos relacionados com a sua mãe. Andava macambúzio e tristonho. Procurou o nome dela na lista telefónica mas não o encontrou. Fez searchs na net mas não deu nada. Lembrou-se daquele programa Ponto de Encontro
como será que eles encontravam as pessoas
e decidiu contratar um detective. Mas não tinha dinheiro para isso. Talvez um dia.

“Então...”, quis saber a psicóloga, “...tem andado deprimido ultimamente é isso?”
“Pois. Sabe... Eu não sei muito bem o que é isso de estar deprimido mas...”
“E é por isso que veio cá hoje?”
“Não é bem. Quer dizer... Não inicialmente. Mas depois do que aconteceu fui obrigado...”, admitiu Júlio com bastante dificuldade.

É verdadeiramente incrível como o cérebro humano em situações de aperto consegue divagar e levar a nossa consciência à velocidade da luz para outros momentos. Júlio, querendo abrir o seu coração naquele consultório estranho, só conseguia pensar na sua mãe. E em Sónia.
Foi num Domingo solarengo de Dezembro, com o calor emanado pela janela da mansarda em que vivia a dar uma sensação agradável de acolhimento, que Júlio se viu à vontade para explicar a Sónia o seu estado de espírito. Viu-se, então, confrontado com um desafio.
“Chega de depressão”, impôs Sónia, “Isto assim não é nada. Vamos tentar descobrir a tua mãe. Mas à séria… Depois logo se vê!”
O que é que diz a uma proposta destas? A ideia andava na sua cabeça há muitos anos mas sempre a empurrara para aquele baú cerebral especial de onde não saem os pensamentos incómodos. Desta feita não. Era um desafio pendente e estava na altura de o resolver.
Esta decisão foi a causadora de todos os acontecimentos extraordinários e surpreendentes que acabariam por levar Júlio, de forma inapelável, a uma consulta com a psicóloga da Rua Latino Coelho, n.º 3.

“Ó Júlio...Repare...”, disse a psicóloga cortando o silêncio reinante, “Eu compreendo perfeitamente que esta seja uma situação diferente para si. Todos os meus pacientes que vêm pela primeira vez, por mais ou menos grave que seja a razão que os traga cá, se sentem naturalmente inibidos. Envergonhados até. É perfeitamente natural. Agora, qualquer que tenha sido o motivo que o traz aqui, o que quer que tenha feito à sua amiga Sónia pode contar-me. Eu estou aqui para o ajudar. Desabafe. Vai ver que se sente melhor.”
“Ó Doutora eu não fiz nada à Sónia!”, insurgiu-se Júlio, “Eu só disse que ela foi a causadora disto porque ela é que me incitou a procurar a minha mãe. E o Dr. Brito...”
“A sua mãe?”, interrompeu a psicóloga, “É melhor explicar-se calmamente...”, incitou ela com um sorriso plácido.
E Júlio desinibiu-se. Finalmente contou a sua história do princípio ao fim. A infância, a adolescência, a vinda para Lisboa, a Sónia e a sua última grande conquista: A descoberta da sua mãe.
Quando Júlio terminou o relato a psicóloga mexeu-se desconfortavelmente na sua imponente cadeira.
“Pois é Doutora. O Dr. Brito bem me tinha dito que a Sra. era a minha cara chapada...”

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

UM OLHAR DE DUBROVNIK

Ela murmurava algo verdadeiramente imperceptível.
Vestida com um robe de banho que apertava com força, estava naquilo há horas de certeza.
Num ritmo frenético balançava-se interminavelmente para a frente e para trás. E murmurava.
Nada se ouvia naquela casa a não ser o stressante ranger da cadeira de madeira sob o peso de uma rapariga nova. E os seus murmúrios.
Quando eu entrei na sala fiquei sem saber o que fazer.
"Ana! O que é que se passa?", atirei eu.
A resposta foram mais murmúrios imperceptíveis e angustiantes.
Aquilo não era normal.
A Ana era uma rapariga que eu tinha conhecido há algum tempo atrás. Dávamo-nos bem e construímos uma relação interessante.
Ela escrevia pequenas frases para cartões numa pequena empresa familiar mas o que queria mesmo fazer era escrever um livro. Encorajei-a sempre a dar esse passo mas ela ainda não o havia feito. Dizia que ainda não era altura. Ao mesmo tempo trabalhava como vendedora numa loja de moda num centro comercial suburbano.
Foi aí que eu a conheci.
Andava à procura de uma prenda para o dia da Mãe. Não sei como será com as outras pessoas mas para mim encontrar uma prenda que seja, digamos, perfeita, não é um desafio fácil
para não dizer impossível
e qualquer tipo de ajuda vai bem.
"E que tal uma camisola", inquiriu uma bela rapariga, morena e de olhos verdes.
Retorqui que não me parecia má ideia. Tão simples, não é?
Passado uma semana andava de caso novo com uma rapariga gira, inteligente e cheia de piada.
O tempo foi passando de uma maneira bem agradável. Gastava um pouco mais de gasolina para estar com ela mas, enfim, há sacrifícios que vale bem a pena fazer.
Ao vê-la ali tão perturbada não a reconheci.
É preciso ver as coisas como elas são. A Ana crescera no interior esquecido do país. Quando tinha nove anos perdeu a mãe e o pai num acidente de viação. Foi criada por uns tios que viviam mais a norte. A vida não era fácil. Tinha de ajudar na quinta e os tios não se importavam se ela ia às aulas ou não. Só queriam saber se tinha tratado dos animais e da horta.
Levantava-se todos os dias ás cinco e meia da manhã para tratar dos seus afazeres na quinta antes de ir para a escola. Ás vezes faltava mas mesmo assim era a melhor aluna da turma. Adorava a disciplina de Português porque podia escrever pequenas histórias nas aulas de composição escrita. Começou a escrever poemas mas não tinha ninguém que estivesse interessado em lê-los. Era pena.
Aos quinze anos soube por uns primos que um outro primo vivia em Braga onde tinha um restaurante. Por vontade própria falou com ele e foi para lá, onde passou a viver num pequeno quarto pago com o dinheiro que recebia do seu trabalho no restaurante. Cozinhava, limpava e servia ás mesas. Para poder alugar o quarto, arranjou um Bilhete de Identidade que dizia que tinha dezoito anos onde colocou uma fotografia que, com a ajuda da copeira que percebia de maquilhagem, a fazia parecer bem mais velha.
Além disto tudo ainda arranjava tempo para estudar. Acabou o secundário com uma razoável média de catorze, na área de humanidades e sem nunca ter chumbado.
Eu não tenho jeito para datas. Não decoro uma. Não sei dizer precisamente há quanto tempo é que a Ana é a minha namorada. Mas já lá vai bem mais do que um ano. Sim. Posso dizê-lo com toda a certeza porque ainda aqui há uns meses atrás fomos jantar a comemorar o nosso aniversário.
Fomo-nos conhecendo a pouco e pouco. À medida que ela me ia contando a história da vida dela o meu respeito por ela aumentava incomensuravelmente. Ela não era uma miúda qualquer. Era uma grande mulher.
Recordar tudo aquilo que eu sentia por ela só me fazia compreender menos aquilo que se passava agora à frente dos meus olhos.
Ela não chorava certamente porque já não tinha mais lágrimas para deitar fora. Não falava comigo. Não falava por e simplesmente.
"Vou chamar um médico", disse-lhe não estando certo de que ela tivesse ouvido. A reacção foi nula. Ela não estava cá.
Telefonei para um amigo dos meus pais que era psicólogo e descrevi-lhe aquilo que estava a acontecer. Ele prontificou-se logo a ajudar-me.
Peguei em algumas das suas roupas, vesti-lhe um casaco e levámo-la para uma clínica de um seu amigo onde com a ajuda de algumas drogas com nomes impronunciáveis ela adormeceu.
"Ela vai ficar assim durante bastantes horas. Talvez umas sete ou oito", foi-me dito.
Fui novamente para casa dela na esperança de perceber melhor o que teria acontecido.
Aquela sala vazia parecia ainda estar cheia de lamentos. Cheia de tristeza. A dela e a minha.
Pensei em avisar alguém da família dela mas depois não discerni quem deveria avisar. Os tios nem pensar. Talvez o primo. Não, esse também não. Aquilo lá em Braga também não tinha corrido muito bem. Depois dela acabar o secundário o primo não levou muito a bem a sua vontade de vir para Lisboa estudar na universidade. Talvez se tivesse apaixonado por ela. Não era difícil alguém se apaixonar por ela. Mas isso também já tinha sido há uns anos atrás.
Quando a Ana chegou a Lisboa teve de começar tudo de novo. Mas mais uma vez ela triunfou. Arranjou estes dois empregos e ainda teve tempo para começar a tirar um curso de artes literárias. Faltam-lhe dois anos e depois acaba. Dra. Ana. Se a vida dela não é a prova cabal da imensa força interior que um ser humano consegue ter dentro de si próprio, então não sei o que poderá ser. O que a teria quebrado desta maneira tão veemente e inacreditável?
Não avisei ninguém. Acho que também não queria que alguém a visse assim.
Adormeci durante umas horas. Sinceramente, não sei quantificar quantas foram.
Quando acordei parecia que o tempo não tinha passado. Lá estava a cadeira. Lá estavam os murmúrios.
Demoradamente chapinhei no lavatório. Só me vinha a Ana à cabeça. Fechei a torneira e olhei-me vagamente no espelho do armário que ela tem por cima do lavatório. Continuava atónito. Desesperado. Inquieto.
Abri o armário por reflexo condicionado. É raro utilizar o lavatório e não abrir o armário para tirar a escova de dentes e em minha casa há um armário praticamente igual. Ia fechá-lo a pensar na estupidez da sua abertura, quando reparei numa caixa cujo título não dava margem para dúvidas.
Há muito tempo que não sentia aquele calafrio na espinha quando nos apercebemos repentinamente de algo que não estávamos minimamente à espera. Qualquer coisa que tivesse acontecido com a Ana estaria certamente relacionada com o conteúdo daquela caixa.
Saí a correr de casa e fui a toda a velocidade no meu velho Renault 5 para o hospital. Nem olhei para o resto da casa de banho. Se o tivesse feito teria percebido tudo sem margem para dúvidas. Lembrei-me durante o caminho que a Ana há umas semanas atrás
seria há menos ou mais de um mês?
andou-se a queixar de andar mal da barriga de manhã. Até tinha vomitado algumas vezes. Seria coincidência a mais. Quando recordei aqueles minutos em que ela se balançava inquietamente naquela cadeira velha, murmurando desesperos, só me vinha à cabeça uma solução.
Corri pelas escadas acima e irrompi pelo quarto dela a dentro. Ela estava acordada. Olhámo-nos e eu vi logo que algo dentro dela estava diferente. O olhar era vazio. Distante. Triste. Só me lembro de um dia ter visto esse olhar.
uma senhora que me alugara um quarto em Dubrovnik
Ali, naquele momento eu soube com toda a certeza. Era o olhar de uma mãe que perdera um filho.