domingo, 28 de março de 2004

NOTA DO BLOGGER:





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DEVANEIOS TEMPORAIS





Por mais que me custe a admitir a idade começa a pesar.

Entenda-se que não é por ser velho de idade, é apenas por esta se começar a notar. Quando começo a ficar preocupado com o avolumar de anos, deprimido com aniversários, saudoso dos “velhos tempos”, quer dizer que algo se passa.

porra, quando o nível de colesterol é uma preocupação, definitivamente se passa algo de muito errado...

“Ah, coisa e tal... É a vida, blah, blah, blah”. O caraças é que é.

Peço muita desculpa mas isto deixa-me nervoso. Pior do que isso, deixa-me enervado. Não sei se já repararam mas o tempo, essa quarta dimensão cósmica que nos rege a vida a todos e a tudo, é das coisa mais irritantes que este cosmos tem.

Se não vejamos. Quando estamos a divertir-nos como verdadeiros patrícios no tempo dos romanos, o tempo esvanece-se por entre os nossos dedos que nem areia, pior, que nem migalhas de areia. Quando estamos aborrecidos ou a fazer algo que não nos entusiasma particularmente, ou pior ainda a trabalhar em algo que nos desgosta profundamente

que nem a maioria das pessoas da sociedade actual

o tempo parece que, ao passar por nós, pára numa tentativa bem sucedida de escárnio cósmico, similar aqueles antigos colegas da escola que quando nos viam no castigo apontavam e riam dizendo “nós safámo-nos”...

E é mesmo. A única coisa que sobrevive ao tempo é o tempo. Tudo o resto, mais cedo ou mais tarde, acaba por acusar o peso tridimensional da quarta dimensão. Mentira. A Cher também não parece sentir o peso da idade.

O tempo é efectivamente algo de muito estranho. É algo que só se nota quando se pensa nele. Daí essa bi-percepção paradoxal que nos causa. Eu não posso acreditar que o cosmos nos fosse pregar uma partida de mau gosto onde nos forçávamos a uma eternidade aborrecida e entediante tendo por única alternativa uns breves momentos acelerados e divertidos.

Na verdade, apenas pensamos que essa alternativa existe já que apenas comparamos as duas hipóteses depois de as experimentarmos. Não as escolhemos. Olhamos para elas contemplando o passado e por alguma razão achamos que no futuro poderemos escolher. A alternativa não está no tempo em si mas na forma como o aproveitamos. Optamos normalmente por o ocupar ao máximo, ficando desgostosos pelo facto de ele parecer passar mais rápido.

Ou seja, a triste realidade é que qualquer que seja a verdade à cerca do tempo e da forma como ele se manifesta subjectivamente a cada indivíduo, nós não podemos fazer nada a esse propósito. É uma constante da vida. É uma imponderabilidade.

Mas como em tudo o Homem acha que pode enganar os feiticeiros do cosmos e influenciar as forças universais em seu proveito. Isto porque ninguém gosta que o tempo passe. Mentira. Todos gostamos que o tempo passe

nunca mais são cinco horas para eu ir para casa

o que não gostamos é das consequências nefastas que o tempo arrasta para a nossa própria existência. Não gostamos de nos olhar ao espelho e vermos rugas ou indícios claros de queda capilar. Não suportamos a ideia de que já não conseguimos passar um dia inteiro a correr sem sentir no dia seguinte dores excruciantes nas costas e nos músculos das pernas. E aquilo que nos incomoda verdadeiramente é o facto de súbita e rapidamente nos apercebermos que caminhamos inexoravelmente para o nosso fim.

O ridículo disto tudo é acharmos que se não tivermos rugas

pealings e botox parecem surtir efeito

ou que se tivermos um crânio enfeitado com uma farta cabeleira

implantes, capachinhos, a moda do deixar crescer de lado e pentear para o meio ou o ainda mais ridículo GLH parecem ter forte aceitação

afugentamos a morte.

Na verdade a nossa mensagem parece ser simples. Enquanto nos empanturramos de Macdonalds, devoramos pizzas e nos encharcamos em molhos e fritos, correndo sérios riscos de irmos desta para melhor aos quarenta, acreditamos que afugentamos o nosso fim mostrando a nós próprios, todos os dias no espelho, uma imagem o mais próxima possível daquele adolescente forte, vigoroso e imortal que um dia acreditámos genuinamente ser.

Pois é. É a velha história do ser e do parecer. Esta sociedade humana continua, que nem crianças inocentes, a acreditar que aquilo que parece é. O que é que se há de fazer?

Aquilo que me parece mais importante a este respeito tem mais a haver com o facto de haver uma veneração idiota à juventude. Pior. Veneração a certas coisas da juventude. Um exemplo disto são as modelos que são cada vez mais jovens, como se mulheres com mais de quarenta anos andassem nuas pela rua.

Mas por outro lado, o carácter inovador, vanguardista e, quiçá, mais inocente dos jovens é totalmente ignorado nos domínios da decisão política e social.

Ora, eu acho que deveria ser exactamente ao contrário. Não se deveria tentar esconder do espaço público a idade porque só assim aprenderemos a lidar com ela. Se tudo à nossa volta girar à volta da juventude ou como manter a nossa aparência jovem, todos nós nos sentiremos impelidos a ir por aí. E é um mau caminho porque, por e simplesmente, é o caminho contrário a aquele que iremos indubitavelmente percorrer.

Por outro lado, o entusiasmo, a energia, a utopia do pensamento mais jovem é que deveria ser fortemente apoiado e incentivado. Só assim nos poderemos ver livres de alguns vícios de sistema que permanecem ad eternum porque as únicas pessoas que podem alterar algo são precisamente aqueles que já estão no sistema há muito tempo e por isso mesmo, na sua maioria, eles próprios já não tem a energia suficiente para modificar verdadeiramente alguma coisa.

É que se virmos bem as coisas são mesmo assim. Como é que esperam que os humanos lidem bem com a sua idade se todos os dias lhes enfiam pelos olhos dentro informação atrás de informação dizendo subliminarmente que se não parecermos jovens não vamos a lado nenhum?

Se pensarmos bem isto da idade é um grande negócio. Nem faço ideia dos ganhos astronómicos que a indústria cosmética faz por anos com produtos que supostamente nos fazem regressar anos atrás

parecem

e que na realidade não servem absolutamente para nada.

A Cher é um bom exemplo disto. Eu não tenho nada contra ela. Cada um faz o que quer. Agora tenho sérias dúvidas que seria positivo para a nossa sociedade que as mulheres e homens de sessenta anos andassem todos aos saltos a fazer as vidas que faziam quando tinham vinte anos... Isso não é sinónimo de evolução.

estagnação talvez

Eu também não gosto da ideia de envelhecer e mais cedo ou mais tarde ir desta para melhor. Na realidade, sonho com a ideia de que ao longo dos anos mais próximos novas descobertas científicas nos permitam viver mais e melhor. E por sua vez que esse tempo extra nos permita ainda mais descobertas que nos permita viver ainda mais e ainda melhor.

Na minha cabeça, um mundo futuro onde poderíamos comer aquilo que nos apetecesse sem sequelas negativas para a nossa saúde

come manteiga filho que isso não faz mal nenhum

um mundo onde vivêssemos centenas de anos é uma forte possibilidade. Temo que infelizmente seja demasiado futurista para ser vivido por nós mas quem sabe?

Salvador Dali acreditava nisso e já morreu

Agora aquilo que me parece verdadeiramente importante é que em todos os campos da vida os seres humanos aprendam a lidar com as contingências da vida e evoluam rumo ao seu destino como pessoas melhores e que se sintam bem consigo próprias.

Se eu tentar ao longo da minha vida ser jovem para sempre vou ser sempre infeliz porque por mais que pareça, nunca o serei. É um combate inglório.

Na mesma medida não evoluirei para experimentar as coisas boas de uma idade mais avançada

não sei muito bem quais mas espero descobrir quando lá chegar

talvez a serenidade, a calma, a experiência e a consciência de um passado bem preenchido.

São coisas que também são importantes de serem legadas aos mais novos. É do interesse de qualquer espécie animal assimilar o conhecimento daqueles que já percorreram a maior parte do caminho. Ao invés, a nossa sociedade parece pródiga em ignorar, ostracizar ou, pelo menos, esquecer os seus elementos mais velhos. Desperdício de recursos...

Parece-me cada vez mais que uma pessoa só é verdadeiramente adulta e feliz quando aceita o seu destino, compreende o seu caminho e faz as suas escolhas. Parece que o resto do mundo quer ser criança para sempre.

Enfim...

Colesterol, queda de cabelo e rugas, marcas de tempos bem aproveitados. Okay, venham elas mas, por favor, muito devagarinho...

INSÓNIA



por VM



Vivemos sob a falsa noção de colectividade e deixamos que alguns “entendidos” escrevam a História segundo os seus pontos de vista. E afinal, aquilo que mais nos define como espécie é o que nos isola no indivíduo.

Cada mente é um Mundo.

Descobriu-se, num estudo recente, que os danos causados ao ozono do Planeta remontam às primeiras actividades agro-pecuárias da humanidade. O próprio Sol, elemento de suporte da vida, é apenas uma das 400 biliões de estrelas e, à semelhança de um ser vivo, nasce, vive e morre. Portanto vejamos: 1. somos incapazes de manter uma sustentabilidade com o ecossistema, para o fazermos teríamos de ignorar a nossa capacidade de pensar e retroceder à condição animal de colher o que a Natureza dá; 2. mesmo sendo possível esse equilíbrio, a Terra e os ecossistemas nela existentes têm prazo de validade.

Irónico não é? Foi-nos dada a capacidade de observar e processar estes dados no mesmo saco com o instinto animal de sobrevivência e proliferação da espécie. E o que fazemos? Cada um se fecha no seu mundo onde pode ser dramaturgo, encenador e cabeça de cartaz. Dão-nos um cenário e nós escrevemos a nossa peça. Cada um vive o Inferno ou o Paraíso que escolher. Somos um colectivo de indivíduos a viverem, cada um o seu filmezinho personalizado. A memória elege o que reter, os mesmos estímulos provocam efeitos diferentes em cada um e ainda ninguém me convenceu que vemos todos as mesmas cores.

Os iluminados vivem num paraíso de cores, sabores e amores, em paz com a finitude de tudo. Os pragmáticos vivem para o material, remendando as falhas do sistema temporariamente como um bypass ou um lift facial. Não param para pensar porque se pensam param. E tomam consciência de que nada é eterno e de que a importância que dão ao pormenor é muitíssimo relativa. Os depressivos infernizam-se, tornam-se insensíveis à vida, sentem-se enganados mas são eles os burlões que se inibem de sentir porque pura e simplesmente não vale a pena. A normalidade? A existir tal coisa, será um misto de tudo. Diferentes estados provocados por diferentes estímulos.

Que a mente nos proporciona ser tudo ao mesmo tempo...

Que a imaginação é na verdade uma dimensão...

Que somos eternos na nossa finitude...

É tudo uma questão de perspectiva.

Ah! E saber o que fazer para atingir o que não se sabe? Ouvir o que vem de dentro?...de momento só perguntas. Encontrei o Amor na minha viagem, confrontei o Ódio, mastiguei a Morte e questionei a Vida... hoje fecho os olhos e amanhã faço tudo de novo. Uns dias mais intensos outros mais macilentos. C’est la vie.

CRÓNICA DE UMA BEBEDEIRA SOLITÁRIA



por HJ



O João queria ser cowboy.

Andar a cavalo sem destino, de cidade em cidade, de saloon em saloon.

Duelos.

Desafios. A incerteza do amanhã. A adrenalina do medo constante da finitude.

Mulheres. Saias compridas em fuga, com medo à espera de alguém que as salve do desconhecido, do incerto.

O João queria ser salvador.

Heróis.

Heróis temidos e falados pelo deserto fora em murmúrios venerados de respeito.

Cartazes publicitários avisando-nos que o João era um herói. Que nos compravam o João.

Velhos tempos. Whisky.

Cadeiras de baloiço que rangem sob o peso de um velho homem do campo.

Calma. Tempo que se esgota num lamento sem fim. Sem expectativas.

O João queria ser cowboy.

Destino. Pressão. Necessidade. Sociedade mecanizada onde já não cabem cadeiras de baloiço. Pelo menos das que rangem.

Whisky.

Whisky em bares cheios de pessoas sozinhas.

Imortais. Imortais ausentes do seu próprio destino barulhento e veloz.

O João olhou à volta e viu a manada. O João era cowboy.

Humanos à espera de algo difícil de definir.

O João tem muitos cavalos mas eles não bebem água. Pagam portagens.

O vapor de um combóio. O escape de um autocarro.

O João queria ser herói.

Hoje não há heróis. Há caixas de supermercado, cheias de coisas que o dinheiro pode comprar.

Dinheiro. É a espinha dorsal de um mundo onde os cartazes publicitários nos vendem os heróis. Vendem, não compram.

Whisky. Copos. Coisas cheias que se esvaziam num ápice.

Fuga. Fuga para um sítio longe demais.

Mais dois whiskys e lá vai ele na sua fuga para lado nenhum.

Os cavalos não se despistavam. Sabiam sempre o caminho de casa.

Mas qual casa? O João está em fuga. Em fuga para casa.

O João queria ser herói. Os heróis não fogem.

Sapateado trémulo nas escadas para cima. Os heróis não tremem.

Mãos tremidas falham na fechadura de uma porta forte demais. Os heróis não falham.

Olhos enevoados não encontram o interruptor. Para quê?

O sofá até range. Um ranger que se transforma numa porta para outro sítio. O tal sítio longe demais.

O João adormeceu.

O herói fugiu.