Caros amigos e amigas, ou seguindo os princípios da boa educação, caras amigas e amigos,
Venho-vos dar uma explicação para tão súbito desaparecimento de novos textos aqui no blog, explicação essa que consiste no facto de toda a minha capacidade criativa estar concentrada num romance que conto terminar em breve. Assim
para aguçar curiosidades
aqui vos deixo um pequeno excerto do dito livro que, situado mais ou menos a meio da narrativa, nada revela sobre a estória... Espero que seja sinceramente do vosso agrado e que abra o apetite para o que há de vir.... Comentem!
Cumprimentos literários e até breve...
"(..........) E isto é mesmo pertinente. O António está de tal modo abalado que nem as coisas que mais mexiam com ele parecem ter agora qualquer espécie de significado. Parecem ser indiferentes. E não há nada pior do que a indiferença. Não há mesmo. A indiferença é o fim do gosto, da paixão, do querer e da vontade. A indiferença é dizer que qualquer coisa é igual a qualquer outra coisa. Que tudo vale o mesmo. Que um Picasso não vale mais do que os rabiscos do [XXXXX] naquele papel. É matar a arte com um leve e displicente encolher de ombros. É matar o espírito e a alma do artista. No fim é isto mesmo. A musa do nosso artista sem arte calou-se. O seu espírito rebelde sem uma causa evidente silenciou-se. A sua vontade eclipsou-se. O António arrastava-se. Sem reclamar, caminhava sem saber para onde.
Venho-vos dar uma explicação para tão súbito desaparecimento de novos textos aqui no blog, explicação essa que consiste no facto de toda a minha capacidade criativa estar concentrada num romance que conto terminar em breve. Assim
para aguçar curiosidades
aqui vos deixo um pequeno excerto do dito livro que, situado mais ou menos a meio da narrativa, nada revela sobre a estória... Espero que seja sinceramente do vosso agrado e que abra o apetite para o que há de vir.... Comentem!
Cumprimentos literários e até breve...
"(..........) E isto é mesmo pertinente. O António está de tal modo abalado que nem as coisas que mais mexiam com ele parecem ter agora qualquer espécie de significado. Parecem ser indiferentes. E não há nada pior do que a indiferença. Não há mesmo. A indiferença é o fim do gosto, da paixão, do querer e da vontade. A indiferença é dizer que qualquer coisa é igual a qualquer outra coisa. Que tudo vale o mesmo. Que um Picasso não vale mais do que os rabiscos do [XXXXX] naquele papel. É matar a arte com um leve e displicente encolher de ombros. É matar o espírito e a alma do artista. No fim é isto mesmo. A musa do nosso artista sem arte calou-se. O seu espírito rebelde sem uma causa evidente silenciou-se. A sua vontade eclipsou-se. O António arrastava-se. Sem reclamar, caminhava sem saber para onde.
(...)
Não será, por esta razão, impertinente recordar-nos a nós próprios e a todos os que acompanham esta aventura que nem sempre a arte de relatar com fidelidade e exactidão os acontecimentos da vida do nosso António atinge os parâmetros de excelência que nós mesmos nos propusemos a alcançar. Isto de ler mentes e arquivos de memória é complicado e, apesar de parecer apetecível para espíritos mais coscuvilheiros, não se recomenda a ninguém. No entanto, mesmo perante todas estas inigualáveis dificuldades, assumimos
com humildade
que cá vamos tentando cumprir com os ditos e referidos parâmetros de qualidade. Assumem-se estas dificuldades porque descrever o estado de espírito do António neste momento preciso no tempo será uma tarefa de elevada dificuldade. Elevadíssima. De nível máximo. O Kilimanjaro das descrições literárias. E se a este desafio não nos furtamos, também não abdicamos de uma profunda e profícua inspiração seguida de uma exalação prolongada, pausada e relaxante para dar alento e calma para tamanha empreitada. Tal como um alpinista antes de deixar para trás os sherpas e começar a sua caminhada. E é isso que este impertinente desabafo é. Aquele pequeno momento em que o difícil ainda não é difícil mas já se sabe que o vai ser muito em breve e durante muito tempo.
Deixemo-nos de rodeios. Que a nossa musa não se cale e nos leve exactamente até onde nós queremos ir. Se para esta narração narrar o espírito do António é subir um Kilimanjaro, para o António o seu espírito está no extremo oposto. Se para se atingir um objectivo sentimos que temos de escalar e quando nos realizamos com o nosso próprio sucesso estamos no topo do mundo, já quando nos sentimos mal dizemos precisamente que nos sentimos em baixo. Ora em baixo quer dizer mais abaixo do que normalmente estamos. Se calhar para o tal sherpa significa estar a mil ou dois mil metros de altitude. Já para um habitante da Serra da Estrela ou do ditoso Pico açoriano seria estar mais ou menos ao nível do mar. Agora para o António que vive ao pé da praia, estar em baixo só pode mesmo significar estar debaixo de água. Ou debaixo de terra. Mas porque estar debaixo de água é bem mais fácil do que estar debaixo de terra até porque para este segundo caso seriam necessários instrumentos que não estão propriamente à mão, tais como pás e enxadas, vamos assumir esta pequena metáfora como uma metáfora aquática até porque se isto alguma vez der em filme será muito mais engraçado e apelativo uma imagem do nosso António a afundar-se calmamente nas águas límpidas e transparentes do nosso bonito mar, rodeado de pequenos e coloridos peixes, do que enfiá-lo a custo pela toca de algum coelho, imagem atrofiante e claustrofóbica esta que, com toda a certeza, muitos espectadores faria fugir da sala de cinema. Assim, o nosso António afundava-se rapidamente nas águas revoltas, negras e tenebrosas
isto de água transparente e peixes coloridos era mesmo só adaptação cinematográfica
sem conseguir parar. Foi mesmo atracar no sítio mais fundo que o espírito humano consegue encontrar. Referimo-nos, como evidente certamente será, à mui conhecida e badalada Fossa das Marianas. E não nos reportamos ao pouco recomendável bairro de barracas dos arredores de Lisboa mas sim aos onze mil metros de profundidade que o Oceano Pacífico atinge ali para os lados das Filipinas. Em suma, o António está mesmo lá em baixo. Onde os peixes nem sequer têm olhos porque tão escuro ali faz que olhos será precisamente a última coisa de que um peixe precisaria. Tão em baixo que a pressão da água reduz imponentes e resistentes construções de aço, ferro e silício ou tungsténio à finura da palma de uma mão. Tão, tão, tão lá em baixo que só para lá se estar quase que se tem deixar de ser. Aliás. Sejamos claros, honestos e concisos. É por tudo isto que alguém, que não o António mas que em condições similares certamente se encontrava, um dia exclamou “estou na fossa”. Pois. Essa tal fossa que existe dentro de todos nós e que não poucas vezes visitamos tem muitos metros de profundidade. Saber quantos metros já depende de que fossa gostamos nós de visitar e de que espécie de mergulhador somos nós. No fundo, isto de estar em baixo ou estar na fossa depende mesmo é de mergulhador para mergulhador. Agora o nosso António é um mergulhador de águas profundas. É um verdadeiro escafandrista. Um alpinista marítimo. E se o António está na fossa, então a fossa só poderá mesmo ser a Fossa. Aquela que é a maior de todas. A Tal. A já referida e temida Mariana. A última morada da crosta terrestre antes de se entrar no acolhedor manto de lava que enleva e embala cuidadosamente o núcleo de ferro líquido do nosso planeta, palavras queridas estas para actividades planetárias mas que para um simples humano, por melhor mergulhador que seja, de acolhedor significam muito pouco, talvez signifiquem mais qualquer coisa parecida com Inferno, Casa de Hades ou mesmo Morada do Lucifer. Quando se está no fundo da fossa, no caso do António será mais correcto dizer
melhor ainda escrever
no fundo da Fossa com F grande, quando se chega aí, o Diabo está ao virar da esquina. O Purgatório ficou lá atrás e são centímetros que nos separam do Grande Cornudo. Isto de dizer centímetros é mais uma arma literária dirão alguns e, admitamos, não passa mesmo de semântica porque é facto cientificamente provado que a crosta terrestre tem uns largos vinte e quatro quilómetros de espessura. Não nos apelidem é de mentirosos porque mesmo sabendo que são vinte e quatro os quilómetros que separam o espírito do António da Besta de Fogo, não deixa de ser verdade que são dois milhões e quatrocentos mil centímetros que compõem essa mesma distância e que isto do quilómetro ser a base de referência é tão válido como ser o centímetro porque como todos sabemos a unidade até é aquilo que está no meio, ou seja, o metro. E também em metros não somos forçados a medir porque isto das medidas foi alguém que as inventou e que se saiba falar em centímetros em vez de quilómetros ou metros, ao contrário de tomar banho na praia com a bandeira vermelha, ainda não paga multa. O ponto é que quando se está no fundo da Fossa, como o António está agora, a distância que nos separa do Sítio dos Grandes Tormentos é mesmo muito pequena. Aliás, estar ali já é por si próprio um grande tormento o que nos leva directamente à possibilidade de, quem sabe, o Inferno ser mesmo um sítio onde o fogo que lavra é precisamente o fogo da nossa mente sob o jugo da pressão da água ou da escuridão da noite, aquela escuridão tão forte que até rouba os olhos aos peixes. Quem sabe mesmo se o ponto onde o atormentado espírito do António viaja não é mesmo o Lago Negro de Belzebu e se assim for a mentira do relato não é tanto em dizer que falta pouco quando a essa escala ainda muito falta, mas será mesmo dizer que ainda falta alguma coisa quando afinal de contas, para mal dos nossos pecados, para se chegar ao Inferno já não falta nada pela simples razão de que já se lá está.
Enfim. Triste sina esta a do narrador que perante a dificuldade de relatar aquilo que vê se enrola em infindáveis e intermináveis metáforas que ganham vida e que nem Frankenstein, acabam por controlar, asfixiar e até matar o próprio relato, pior ainda, perante tamanha tragédia, quiçá o próprio narrador ou narradores perecerão sob o peso bruto e insuportável do seu próprio falhanço porque toda a gente sabe que um relato não se escreve sozinho e que se sai asneira a culpa não é do autoclismo do vizinho ou dos saltos do puto do quinto andar mas é mesmo de quem escreveu o dito relato porque só se relata aquilo que se vê e aquilo que se vê não é mais do que uma opinião de quem escreve sobre o que aconteceu. Dizermos que um relato falhou é dizermos que o relator de escritor não tem nada, aliás de observador terá ainda menos, que isto de escrever ou relatar é mesmo só e nada mais do que a capacidade de observar. Ora atirarmos aos ditos relatores que não conseguem observar é a mesmíssima coisa que os chamarmos de cegos, o que como já perceberam é exactamente igual a mandarmos a dita amostra de escritor para o fundo das Marianas, o tal sítio onde nem os peixes vêem, ou seja, a última casa de todos aqueles que podendo ter olhado não viram e que podendo ter escrito não relataram. Enfim, o cúmulo é mesmo tendo percebido que as metáforas acerca do António eram já exageradas e ter, ainda por cima e por baixo, começado a metaforiar sobre o facto de previamente ter metaforiado sobre o António. É que se se entra nesta espiral esquizofrénica da metáfora, essa droga literária capaz dos maiores vícios
lá vamos nós outra vez
está mesmo o relato arrumado e o bilhete de submarino para a Fossa das Marianas adquirido. Enfim, tentando ainda
humildementesalvar o que pode ser salvo, com os mais e maiores sinceros obséquios, nos desculpamos de tamanho devaneio que é como quem diz um devaneio de tão grande envergadura, não se medindo esta em centímetros porque de coisas da mente não tratam os centímetros, nem os metros ou, já agora, os quilómetros, admita-se no entanto que no mundo dos devaneios, este último foi certamente rei e o melhor é mesmo voltar ao António porque se isto dos devaneios terem reis não é a bela da viciante e insidiosa metáfora outra vez então não sabemos nós o que raio será. Agora é que estes meteram a pata na poça, estarão certamente a pensar alguns dos nossos leitores porque toda a gente sabe, continuarão eles, que isto dos devaneios terem reis é uma evidente e indiscutível personificação. Seria esse o saboroso momento em que colocadas em cheque as nossas capacidades de análise gramatical, nos riríamos com gosto, deixando puxar o riso bem do fundo do poço das cordas vocais e, já agora dando-lhe um muito a propósito eco de igreja medieval, riso demoníaco este de que falamos agora, porque estará na altura de relembrar que na grande disputa filosófica do que é uma metáfora e do que não é, nós somos partidários da corrente metaforista, ou seja, daqueles que defendem que tudo são metáforas e que o resto é história, ou melhor, estória porque mesmo que tenham retirado esta palavra do nosso léxico, é de estórias e não de História que aqui tratamos. Mas enfim. Já fomos mesmo longe demais, o devaneio já deu toda a luta que tinha para dar e está mesmo na hora de voltarmos àquilo que interessa que é como quem diz ao nosso fiel relato sobre as aventuras e desventuras do nosso amigo António (..........)".
com humildade
que cá vamos tentando cumprir com os ditos e referidos parâmetros de qualidade. Assumem-se estas dificuldades porque descrever o estado de espírito do António neste momento preciso no tempo será uma tarefa de elevada dificuldade. Elevadíssima. De nível máximo. O Kilimanjaro das descrições literárias. E se a este desafio não nos furtamos, também não abdicamos de uma profunda e profícua inspiração seguida de uma exalação prolongada, pausada e relaxante para dar alento e calma para tamanha empreitada. Tal como um alpinista antes de deixar para trás os sherpas e começar a sua caminhada. E é isso que este impertinente desabafo é. Aquele pequeno momento em que o difícil ainda não é difícil mas já se sabe que o vai ser muito em breve e durante muito tempo.
Deixemo-nos de rodeios. Que a nossa musa não se cale e nos leve exactamente até onde nós queremos ir. Se para esta narração narrar o espírito do António é subir um Kilimanjaro, para o António o seu espírito está no extremo oposto. Se para se atingir um objectivo sentimos que temos de escalar e quando nos realizamos com o nosso próprio sucesso estamos no topo do mundo, já quando nos sentimos mal dizemos precisamente que nos sentimos em baixo. Ora em baixo quer dizer mais abaixo do que normalmente estamos. Se calhar para o tal sherpa significa estar a mil ou dois mil metros de altitude. Já para um habitante da Serra da Estrela ou do ditoso Pico açoriano seria estar mais ou menos ao nível do mar. Agora para o António que vive ao pé da praia, estar em baixo só pode mesmo significar estar debaixo de água. Ou debaixo de terra. Mas porque estar debaixo de água é bem mais fácil do que estar debaixo de terra até porque para este segundo caso seriam necessários instrumentos que não estão propriamente à mão, tais como pás e enxadas, vamos assumir esta pequena metáfora como uma metáfora aquática até porque se isto alguma vez der em filme será muito mais engraçado e apelativo uma imagem do nosso António a afundar-se calmamente nas águas límpidas e transparentes do nosso bonito mar, rodeado de pequenos e coloridos peixes, do que enfiá-lo a custo pela toca de algum coelho, imagem atrofiante e claustrofóbica esta que, com toda a certeza, muitos espectadores faria fugir da sala de cinema. Assim, o nosso António afundava-se rapidamente nas águas revoltas, negras e tenebrosas
isto de água transparente e peixes coloridos era mesmo só adaptação cinematográfica
sem conseguir parar. Foi mesmo atracar no sítio mais fundo que o espírito humano consegue encontrar. Referimo-nos, como evidente certamente será, à mui conhecida e badalada Fossa das Marianas. E não nos reportamos ao pouco recomendável bairro de barracas dos arredores de Lisboa mas sim aos onze mil metros de profundidade que o Oceano Pacífico atinge ali para os lados das Filipinas. Em suma, o António está mesmo lá em baixo. Onde os peixes nem sequer têm olhos porque tão escuro ali faz que olhos será precisamente a última coisa de que um peixe precisaria. Tão em baixo que a pressão da água reduz imponentes e resistentes construções de aço, ferro e silício ou tungsténio à finura da palma de uma mão. Tão, tão, tão lá em baixo que só para lá se estar quase que se tem deixar de ser. Aliás. Sejamos claros, honestos e concisos. É por tudo isto que alguém, que não o António mas que em condições similares certamente se encontrava, um dia exclamou “estou na fossa”. Pois. Essa tal fossa que existe dentro de todos nós e que não poucas vezes visitamos tem muitos metros de profundidade. Saber quantos metros já depende de que fossa gostamos nós de visitar e de que espécie de mergulhador somos nós. No fundo, isto de estar em baixo ou estar na fossa depende mesmo é de mergulhador para mergulhador. Agora o nosso António é um mergulhador de águas profundas. É um verdadeiro escafandrista. Um alpinista marítimo. E se o António está na fossa, então a fossa só poderá mesmo ser a Fossa. Aquela que é a maior de todas. A Tal. A já referida e temida Mariana. A última morada da crosta terrestre antes de se entrar no acolhedor manto de lava que enleva e embala cuidadosamente o núcleo de ferro líquido do nosso planeta, palavras queridas estas para actividades planetárias mas que para um simples humano, por melhor mergulhador que seja, de acolhedor significam muito pouco, talvez signifiquem mais qualquer coisa parecida com Inferno, Casa de Hades ou mesmo Morada do Lucifer. Quando se está no fundo da fossa, no caso do António será mais correcto dizer
melhor ainda escrever
no fundo da Fossa com F grande, quando se chega aí, o Diabo está ao virar da esquina. O Purgatório ficou lá atrás e são centímetros que nos separam do Grande Cornudo. Isto de dizer centímetros é mais uma arma literária dirão alguns e, admitamos, não passa mesmo de semântica porque é facto cientificamente provado que a crosta terrestre tem uns largos vinte e quatro quilómetros de espessura. Não nos apelidem é de mentirosos porque mesmo sabendo que são vinte e quatro os quilómetros que separam o espírito do António da Besta de Fogo, não deixa de ser verdade que são dois milhões e quatrocentos mil centímetros que compõem essa mesma distância e que isto do quilómetro ser a base de referência é tão válido como ser o centímetro porque como todos sabemos a unidade até é aquilo que está no meio, ou seja, o metro. E também em metros não somos forçados a medir porque isto das medidas foi alguém que as inventou e que se saiba falar em centímetros em vez de quilómetros ou metros, ao contrário de tomar banho na praia com a bandeira vermelha, ainda não paga multa. O ponto é que quando se está no fundo da Fossa, como o António está agora, a distância que nos separa do Sítio dos Grandes Tormentos é mesmo muito pequena. Aliás, estar ali já é por si próprio um grande tormento o que nos leva directamente à possibilidade de, quem sabe, o Inferno ser mesmo um sítio onde o fogo que lavra é precisamente o fogo da nossa mente sob o jugo da pressão da água ou da escuridão da noite, aquela escuridão tão forte que até rouba os olhos aos peixes. Quem sabe mesmo se o ponto onde o atormentado espírito do António viaja não é mesmo o Lago Negro de Belzebu e se assim for a mentira do relato não é tanto em dizer que falta pouco quando a essa escala ainda muito falta, mas será mesmo dizer que ainda falta alguma coisa quando afinal de contas, para mal dos nossos pecados, para se chegar ao Inferno já não falta nada pela simples razão de que já se lá está.
Enfim. Triste sina esta a do narrador que perante a dificuldade de relatar aquilo que vê se enrola em infindáveis e intermináveis metáforas que ganham vida e que nem Frankenstein, acabam por controlar, asfixiar e até matar o próprio relato, pior ainda, perante tamanha tragédia, quiçá o próprio narrador ou narradores perecerão sob o peso bruto e insuportável do seu próprio falhanço porque toda a gente sabe que um relato não se escreve sozinho e que se sai asneira a culpa não é do autoclismo do vizinho ou dos saltos do puto do quinto andar mas é mesmo de quem escreveu o dito relato porque só se relata aquilo que se vê e aquilo que se vê não é mais do que uma opinião de quem escreve sobre o que aconteceu. Dizermos que um relato falhou é dizermos que o relator de escritor não tem nada, aliás de observador terá ainda menos, que isto de escrever ou relatar é mesmo só e nada mais do que a capacidade de observar. Ora atirarmos aos ditos relatores que não conseguem observar é a mesmíssima coisa que os chamarmos de cegos, o que como já perceberam é exactamente igual a mandarmos a dita amostra de escritor para o fundo das Marianas, o tal sítio onde nem os peixes vêem, ou seja, a última casa de todos aqueles que podendo ter olhado não viram e que podendo ter escrito não relataram. Enfim, o cúmulo é mesmo tendo percebido que as metáforas acerca do António eram já exageradas e ter, ainda por cima e por baixo, começado a metaforiar sobre o facto de previamente ter metaforiado sobre o António. É que se se entra nesta espiral esquizofrénica da metáfora, essa droga literária capaz dos maiores vícios
lá vamos nós outra vez
está mesmo o relato arrumado e o bilhete de submarino para a Fossa das Marianas adquirido. Enfim, tentando ainda
humildementesalvar o que pode ser salvo, com os mais e maiores sinceros obséquios, nos desculpamos de tamanho devaneio que é como quem diz um devaneio de tão grande envergadura, não se medindo esta em centímetros porque de coisas da mente não tratam os centímetros, nem os metros ou, já agora, os quilómetros, admita-se no entanto que no mundo dos devaneios, este último foi certamente rei e o melhor é mesmo voltar ao António porque se isto dos devaneios terem reis não é a bela da viciante e insidiosa metáfora outra vez então não sabemos nós o que raio será. Agora é que estes meteram a pata na poça, estarão certamente a pensar alguns dos nossos leitores porque toda a gente sabe, continuarão eles, que isto dos devaneios terem reis é uma evidente e indiscutível personificação. Seria esse o saboroso momento em que colocadas em cheque as nossas capacidades de análise gramatical, nos riríamos com gosto, deixando puxar o riso bem do fundo do poço das cordas vocais e, já agora dando-lhe um muito a propósito eco de igreja medieval, riso demoníaco este de que falamos agora, porque estará na altura de relembrar que na grande disputa filosófica do que é uma metáfora e do que não é, nós somos partidários da corrente metaforista, ou seja, daqueles que defendem que tudo são metáforas e que o resto é história, ou melhor, estória porque mesmo que tenham retirado esta palavra do nosso léxico, é de estórias e não de História que aqui tratamos. Mas enfim. Já fomos mesmo longe demais, o devaneio já deu toda a luta que tinha para dar e está mesmo na hora de voltarmos àquilo que interessa que é como quem diz ao nosso fiel relato sobre as aventuras e desventuras do nosso amigo António (..........)".